26 de fevereiro de 2011

O "Fim" que se tornou meu Começo, o Álbum que mudou minha vida.




Now come one, Come all, To this tragic affair...


­ ­ ­ 15 anos, era tudo o que eu tinha.
­ ­ ­ Apenas 15 anos, e julgando ter uma vida tão fétida e suja como uma fossa. Não, por favor, não pensem que roubei ou matei alguém, xinguei meus pais - pelo menos não a ponto de humilhar ou destruir os laços familiares, ou até mesmo me mandar para uma consulta psicóloga ou um internato militar -, tios, tias, avô e avós.  Eu me sentia podre por conta de todos os pensamentos que passavam na minha mente naquela época, e... NÃO, não era nada sobre pornografia ou incesto, TÁ?
­ ­ ­ 2009 tinha sido um ano bem diferente pra mim, fui cercado por uma solidão monstruosa que me tornou um cara afastado do mundo, então minhas opiniões sobre as coisas a minha volta começaram a ganhar forma. Me tornei uma criatura extremamente crítica, e tanto quanto radical também. NessA época, Deus não me passava - e ainda não passa, mas melhorei um pouquinho quanto a isso - de uma mera ilusão de pessoas burras e ignorantes, que não viam nada através dos dogmas que as cegava. Também achava que, caso ele existisse, então não estava realmente olhando por nós. Passei então a acreditar em outros deuses, como em nenhum também. Até mesmo acreditei no único "Deus" oposto ao Deus bondoso. Bem... a fase passou dessas crendices passou, ainda bem.
­ ­ ­ Então percebi que tudo estava intolerável para mim. Ações humanas, a existência humana, e blábláblá... Foi quando passei a escrever com mais frequência, e isso foi como uma terapia de choque: minha alma aparentemente impura começo a se esvaziar de tanta raiva e repulsa. Eu estava ficando quase livre. Mas, haha, cá entre nós, liberdade é uma coisa inventada pelos homens para que sentimentos de tranquilidade e falta de rebelião nos acometam. Nunca nos livramos de fato de alguma coisa.
­ ­ ­ E eu não me livrei.
 ­ ­ A solidão permaneceu comigo. No colégio - e foi esse o lugar que mais agravou o meu estado deplovárel de solidão - eu mais parecia um nerd solitário e antisocial. E antes que vocês pensem, ainda não me chamavam de EMO, isso apenas aconteceu no segundo ano. ANYWAY. Eu ainda me sentia podre por todos os pensamentos que eu tinha, eu não tinha companhia, tampouco amparo.
 ­ ­ Foi quando tudo aconteceu... BANG! (Já disse que adoro o "BANG"?),
 ­ ­ Não lembro exatamente o dia, a hora, mas era final de ano. Final do ano de 2009. Eu já sabia o que era My Chemical Romance, e como um poser descente, eu ouvia apenas Helena, I Don't Love You,Teenagers e Welcome to the Black Parade. Como eu disse: apenas ouvia. Gostava do tipo da música, do ritmo e SÓ. Eu não prestava atenção nas letras, não "sentia a música tomar conta de mim ou invadir minha alma". Nada disso rolava, e outro fato: eu era uma dessas pessoas idiotas e sem conhecimento que chamavam a banda de EMO.
 ­ ­ Como um poser louco e idiota, eu tinha o The Black Parade gravado num cd qualquer, jogado em um canto qualquer - tinha o feito na época em que a solidão ainda não tinha me acometido e eu não tinha um pingo de estilo de vida ou até mesmo lema; gravei o cd numa época sombria da minha vida em que as roupas eram escrotas e eu era extremamente idiota, digo: um idiota sem conhecimento de mundo ou valores, sem opinião construída acerca da vida e outras coisas mais.
 ­ ­ Engraçado, né? Mesmo eu, acreditando piamente em destino, descartando livre-arbítrio e esse tipo de coisa, não consigo ousar dizer alguma coisa sobre esse fato. Não quero dizer que foi o destino quem me fez baixar, e em seguida gravar o The Black Parade naquele cd. Sabem, hesito em definir isso porque, simplesmente, não me importa, já que apenas aconteceu e sou ETERNA E MORTALMENTE grato por isso - isso sim é o que importa.
 ­ ­ ANYWAY. Lá estava eu, naquele final de ano ainda deprimente da minha vida - embora tenha ganho um cartão da Y.Yamada (loja de Supermacados e essas coisinhas mais daqui da região) e um livro do Dan Brown, "O Símbolo Perdido"), com os impactos do começo solitário e sem verdadeiros amigos fiéis no Ensino Médio. Minha vida era uma merda, tava infestado por questões religiosas, éticas, morais, existenciais e blábláblá... Era uma merda total, repito. Merda, merda e um pouco mais de merda, meus caros.
 ­ ­ Mas, foi nessa mesma época em que MCR começou a fazer cada vez mais parte da minha playlist diária que tinha infinitas músicas de infitos intérpretes, mas sem nenhum ídolo específico.
 ­ ­ Foi justamente o The Black Parade, que comecei a ouvir.
 ­ ­ Então eu vi as letras. Eu escutava e sentia o ritmo. Me deixava levar pela empolgação mórbida de algumas músicas, e pela tristeza profunda de outras. Foi aqui que tudo aconteceu, o verdadeiro BANG na minha vida, o marco crucial para me modificar tanto por fora quanto por dentro.
 ­ ­ Meus pensamentos, minhas opiniões e filosofias já formadas acerca da vida, da morte, das pessoas e de Deus. TUDO. Tudo isso foi completado no mais perfeito encaixe, exatamente como a metade do quebra-cabeças que faltava. Encaixou perfeitamente, combinando nos mais simples e complexos detalhes... Eu havia encontrado toda a personificação e representação dos meus problemas naquele álbum.
 ­ ­ Toda representação da minha pessoa. Do verdadeiro "eu" interior.
 ­ ­ Aquilo era um choque intenso pra mim. Escutava todos os dias, e a cada vez que o fazia, entendia as letras mais profundamente. É claro, com o meu modo de entender. Afinal, sugiro que peguem o álbum e comecem a escutá-lo, não só escutar, mas ler as letras. Quando você o fizer, vai perceber que não é o ritmo o mais importante, e sim as letras, a constituição da música, o significado. Então vai entender, além de tudo, o quanto o álbum é subjetivo; vai entender que, enquanto ele tenta dizer algo, está dizendo outra coisa. Ele passa a visão da tão gloriosa e temida morte, mas automaticamente vai te fazer pensar na vida. Ou seria o contrário?
 ­ ­ O álbum é um poema. Não, não só um simples poema. É uma filosofia de vida, ou da própria morte. Vai ter fazer pensar muito, muito além de tudo. Tão complexo, tão abstrato. Surreal.
Então marcou minha vida. Impulsionou meu ano de 2010 - que foi uma merda maior ainda, a intensificação da fossa que foi 2009 - por caminhos divergentes, me fazendo trilhar através da empolgante felicidade e pela destrutiva tristreza, me fazendo implorar pelos lábios da morte em meu peito. Me fazendo implorar para tão logo caminhar naquele desfile negro.

"To join The Black Parade"

 ­ ­ 2010 foi o meu maior declínio quanto pessoa, quanto convívio social. Mas, embora eu me sentisse sozinho com dezenas de pessoas ao meu lado, eram os momentos na literal solidão em que eu me completava e que meu coração negro voltava a bater. Bastava um fone, bastava aqueles músicas, e então o significado e complemento da minha vida se tornavam visíveis.
 ­ ­ Podem me chamar de EMO, adolescente depressivo que passa por uma fase típica ou qualquer outra coisa. Tanto faz. Apenas tomem no rabo branquinho e casto de vocês, engulam toda a alienação e depravação das quais sua vidas se resumem. Acreditem no que quiserem, livros de um bilhão de páginas que lhes obrigam a acreditar em planos espirituais em cima ou em baixo. Dancem a porra de seu forró fartos de letras poéticas e reflexivas. Continuem com a missa dos domingos, e as orgias e pecados dos dias de semana. Critiquem o mundo inteiro, condenem, mas não implorem quando estiverem perante uma humilhação. Codenem, estilhacem sonhos, imponham sua moral desmoralizada.
 ­ ­ Continuem com tudo isso, mas, por favor né... Não me venham implicar um rótulo, quando vocês desconhecem o material de observação sem ao menos analisar de forma racional - OPS, quase esqueço que isso é algo impossível para mentes energúminas feito as suas - antes de qualquer coisa.

 ­ ­ Portanto... SIM, esse foi um dos poucos inícios da minha verdadeira vida, num momento em que dentro eu estava morto e perdido. Ainda sinto que tudo o que eu disse aqui, não se resume a 15% do que eu realmente queria expressar. Porque é difícil encontrar palavras para coisas ou pessoas que lhe são especiais. É nesse momento que você para, e percebe o quão inglório agiu na tentativa de representar todas as emoções que lhe transcorrem. Mas, eu tentei, e espero que tenham entendido - aos interessados que chegaram a essa parte do texto. 
 ­ ­ E, acima de tudo, quero enfatizar que, não foi somente este álbum que mudou minha vida, e sim, cinco caras que me fizeram pirar nos momentos de "meditação", e me inspirar em quase todas as horas dos meus dias.
Gerard e Mikey Way, Frank Iero, Ray Toro e - nosso eternamente querido, ex-integrante de banda, inesquecível e preferido baterista - Bob Bryar.
Eles constituiram minha vida, e a pessoa que sou hoje. Esse album me fez enxergar o mundo com outros olhos, dos quais jamais desejarei mudar. Tudo o que sou hoje, e tudo o que sempre desejarei ser.

Meu simplório e mais sincero agradecimento. Com toda minha vida, além das memórias de minha futura morte... Obrigado.

We'll carry on,
We'll carry on
And though you're dead and gone believe me
Your memory will carry on
We'll carry on
And in my heart I can't contain it
The anthem won't explain it.





25 de fevereiro de 2011

Girl From The North Country


Bem, se você estiver viajando pelo norte do país,
Onde o vento sopra forte na fronteira,
Fale de mim para quem mora lá,
Ela foi certa vez, meu verdadeiro amor.

Bem, se você for quando a neve estiver caindo,
Quando os rios gelarem e o verão estiver terminando,
Por favor veja se ela esta usando um casaco quente,
E a mantenha afastada do ganido dos ventos.

Por favor veja se os cabelos dela esvoaçam,
Se balança e escorrem sobre seu peito.
Por favor veja se os cabelos dela esvoaçam,
É assim que mais me lembro dela.

Eu fico imaginando se ela ainda lembra de mim.
Por vezes tenho muito rezado
Na escuridão da minha noite,
Na claridade do meu dia.

Então se estiver viajando pelo norte do país,
Onde o vento sopra forte na fronteira,
Fale de mim para quem mora lá.
Ela foi certa vez, meu verdadeiro amor.

(Bob Dylan and Johnny Cash)

21 de fevereiro de 2011

A Floresta




­ ­ ­ Jenny olhou em volta, não conseguia distinguir o local da da floresta em que estava. Talvez alguns metros da estrada, talvez quilomêtros ou anos-luz. Por essa razão o pavor escorria-lhe a espinha feito sangue numa lâmina assassina; ele abrangia muito mais que pernas trêmulas, respiração ofegante ou olhos vidrados. O pavor desfiava o controle da garota com mãos de ferro afiadas, comendo-lhe a alma com a fúria de um predador. Sem chances de serenidade. Sem saída.
­ ­ ­ A garota resolveu correr impulsionada pelo desejo de fuga, embora no fundo soubesse que sequer tinha conhecimento de qual rumo tomar ou destino seguir. Jenny correu o mais rápido que suas pernas longas e esbeltas conseguiam. Os gravetos a arranhavam, cortando a pele como navalhas gélidas. Sutis filetes de sangue já desciam-lhe pernas àbaixo. Ela chorava, a respiração a denunciava.
­ ­ ­ O Predador a ouvia.
­ ­ ­ Jenny corria, e corria. Não tinha ideia para aonde, apenas correndo. Tampouco sabia quem ou o quê estava brincando de caça com ela. Tudo o que sabia - e era o suficiente para apavorar a ponto de encobrir qualquer vontade de descoberta - era que, o que quer que fosse aquilo, era a mesma coisa que há minutos sugara - literalmente - seu namorado, Johnny, da margem da estrada para a escuridão da floresta, ouvindo seus gritos e depois nada mais que o silêncio mortal.
­ ­ ­ E­­la tentava fugir daquilo - era sua total prioridade -, sem a mínima fagulha de esperança dentro de si. Tentava por puro instinto. Puro.
­ ­ ­ Correu por mais um tempo sem ao ao menos encontrar um foco de luz ou salvação naquele lugar. Jenny sentia-se perdida.
­ ­ ­ Ela mal sabia que já estava há muito tempo. A partir do momento em que pisou naquela floresta.
­ ­ ­ A garota parou de correr. Sentiu algo atrás de si, uma presença gelada que petrificou-lhe a alma já em frangalhos.Jenny virou de costas subitamente. Julgou que alguém ou algo a espreitava, mas nada havia ali. Nada. A presença havia desaparecido, mas ainda assim estava espreitando - sem que Jenny soubesse. Observando. Esperando.
­ ­ ­ Jenny não conseguiu se mover em seguida. Não porque não queria, ou porque o corpo amedrontado a impedia, bloqueando todos os movimentos num acesso de medo. Não. A garota não se movia pelo simples fato de algo aprisioná-la ao chão, segurando seus pés com um aperto tão forte que seria capaz de esmargar-lhe os ossos. Jenny olhou para baixo, na direção dos próprios pés.
­ ­ ­ Silêncio. Alguns longos e intermináveis segundos de silêncio.
­ ­ ­ Seus olhos foram tomados de horror, a boca se abriu ameçando um grito.
­ ­ ­ As raízes das árvores em volta enrolavam suas pernas, numa pressão que já lhe estourava as veias. Aos poucos, aquelas coisas chegavam de todas as direções. Vivas. Deslizando pelo solo como serpentes famintas. Mas não eram serpentes.
­ ­ ­ Eram as árvores, eram suas raízes.
­ ­ ­ Só então Jenny percebeu que não estava sozinha, já que s floresta parecia ganhar vida ao seu redor, como se estivesse falando, olhando, agindo, armando. Se mexendo.
­ ­ ­ A garota novamente tentou - em vão - se livrar, soltar-se de todo aquele pesadelo, mas não podia. Era impossível. As raízes envolviam seu corpo por completo, ja enrolando-lhe os quadris, esmagando-lhes os ossos.
­ ­ ­ A boca abriu-se ainda mais, tentou gritar. Não houve tempo.
­ ­ ­ O chão se expandiu num enorme buraco negro, desprovido de qualquer iluminação ou vida. ­ ­ ­ Escuro. Dilacerante. Gélido. Mortal.
­ ­ ­ Jenny foi puxada para o buraco, arrastada por todas as raízes envoltas por seu - fraco e quebrado - corpo. Sugada por ele feito uma desprezível existência, a garota tentou gritar, mas o grito não saiu, foi totalmente calado pela escuridão daquele tão recente abismo. Totalmente engolida.
­ ­ ­ O buraco se fechou. A floresta viva pareceu vibrar pela vitória.
­ ­ ­ E então se calou.


(Felipe Santiago)

18 de fevereiro de 2011

Citação #3

O fracasso é apenas a falta de sucesso. Qualquer tolo consegue um fracasso. Mas um fiasco... Um fiasco é um desastre de dimensões míticas. Um fiasco é uma lenda, que é contada para os outros e que faz outras pessoas se sentirem mais vivas porque não aconteceu com elas.

(Elizabethtown)

14 de fevereiro de 2011

Paro neste segundo...



 ­Sabe, estou parando. No entanto, não parando de caminhar, de tentar, ou de viver. Paro apenas por um segundo, abro mão de todos os sentimentos nesse peito para desbravar os horizontes do lugar onde piso, para enxergar muito mais além do que habitualmente não enxergo. Por esse breve segundo, preciso - ou, mais que isso: necessito - abdicar de toda a sensibilidade poeticamente romancista que vem me tomando a mente e a alma. Para quê o faço? Simples: romancistas são superficiais e egoístas, tão mesquinhos e cheios de si, com seu mundo meramente idealizado, integralmente sedentário e egocêntrico. Apenas eles amam, apenas eles sabem o que é amar, ou apenas eles sabem dar esse amor. Vivem em seu mundo, voltam suas vidas somente para aquilo, e não mais importa o resto. Sei que me tornei isso, e só hoje vejo. Não estou envergonhado, tampouco revoltado. Apenas parei por um segundo, na intenção de analisar e lembrar a época em que a mesquinharia do amor não havia me atingido.
­ ­No tempo em que o amor voltava-se não para meus sentimentos, e sim para as questões éticas e morais de nossa espécie. Lembrei a época em que eu era desprovido de amor, e dotado somente de meu senso crítico. Era bom, muito bom. Mas, em contra partida, o que vivo hoje é igualmente bom, tão bom quanto antes. Não é culpa, vergonha, raiva ou revolta o que se abate dentro de mim. É apenas o saudosismo. Apenas lembranças e reflexões. Apenas isso, só por um breve segundo. Porque o homem, as pessoas e a vida, não se resumem em regras ou leis. E portanto, não somos ou vivemos um jogo pré-definido.
­ ­Somos como a lua, temos nossas faces em determinados momentos. Nascemos, crescemos, aprendemos, e vivemos cada momento de forma diferente, afinal, somos adaptáveis, mutáveis, e no dia em que eu não for mais dessa forma, então não mais estarei vivendo. Serei um vegetal, um belo e monótono vegetal sem experiências de crítica, dor, alegria, tristezas e - como hoje, como ultimamente - de amor. É simples assim.

13 de fevereiro de 2011

Podemos fugir



Os olhos estreitos e penetrantemente negros cruzaram a rua de um ponto ao outro. Ele olhou no relógio surrado em seu pulso. A boca se contorceu num espasmo desagradável e incômodo de desaprovação, estava irritado, e certamente não era preciso conhecê-lo a fundo para ter certeza disso. O garoto cruzou os braços e os apertou forte – até demais – contra o próprio peito, chegando a notar a súbita interrupção no fluxo de oxigênio por isso. Afrouxou os braços, moveu a boca novamente naquele espasmo, não gostava de esperar.  
O céu começava a tomar tons rosados, o Sol ao longe - escondido atrás de todos aqueles prédios monótonos e sem vida do subúrbio – anunciava sua partida com um brilho gradativamente mais fraco. O caos naquela rua era notável, carros, buzinas, pessoas voltando para suas casas, pessoas começando seu trabalho – principalmente jovens meninas sem opção de vida -, mais carros, outra vez carros e um pouco mais de buzinas. Apesar de ser inverno, o calor da poluição ardia através das retinas, queimando-lhe o cérebro e ressecando-lhe a alma. O garoto não gostava daquilo. Ele não gostava de nada daquele lugar.
Por isso olhou novamente em seu relógio. Praguejou algo baixo ao notar o quão rápido o tempo se locomovera desde a última vez que espiou a hora. Estava começando a ser tomado pelo estresse. Olhou em volta mais uma vez: esperou, praguejou, contorceu a boca e bateu os calcanhares no chão; relembrou as últimas semanas, os perfumes que inspirou e a pele que acariciou. Fechou os olhos. Esperou. Imaginou: os cabelos, as curvas e o suor misturando-se ao seu. O cheiro. A carne. A pele macia e os pelos do corpo. O suor novamente. A carne, agora mais quente e vívida. O cheiro do prazer, e depois não somente o cheiro, o líquido. Os suspiros, gemidos, gritos. O prazer. Os batimentos em ambos os peitos, a intensidade, o ápice de todas as promessas. O amor. A concretização. Um e um. Dois, se tornando apenas um.  
O garoto sorriu. Subitamente toda aquela inquietação tinha partido, se dissipado com todas as lembranças boas. Acabara de fazer – em pouquíssimos segundos – o que os monges faziam em horas e os padres em dias. Meditava. Alcançou o ponto máximo de sua tranqüilidade e agora sentia – literal e figurativamente – sua alma lavada. Como a de um menino inocente. Não. Mais que isso: como a de um menino inocente que ama, e apenas ama sem medos e receios. O garoto sorria mais abertamente, mostrando ao mundo sua alegria, seus dentes brilhantes de felicidade, seu âmago explícito e a realização – quase – plena.
Ele abriu os olhos. Então se deparou com a imagem que fez seu coração palpitar por uma aparente última vez, e disparar ao extremo em seguida. Do gelo ao fogo, da serenidade ao fervor. As mãos se desfizeram, caíram ao lado do corpo e não mais encontram qualquer ação seguinte. A boca se moveu no mesmo espasmo, mas um espasmo de sorriso e deleite. O garoto sentia-se vivo. Contemplava um rosto a sua frente, a poucos centímetros do seu.
A menina diante dele se moveu na ponta dos pés para alcançá-lo, esticou-se o máximo que conseguia e beijou-o nos lábios. O beijo soou estalado e alto, mas inocentemente doce em meio à tão barulhenta rua do subúrbio.
- Vamos. – Foi tudo o que ela disse, segurando as alças da mochila que se prendia em suas costas.
O garoto assentiu, fazendo o mesmo com a mochila que também carregava. Ele segurou a mão da menina e ambos seguiram rua abaixo, num caminho que nem mesmo eles sabiam aonde daria.
Eles não ligavam. Pouco importava.    

Outro delírio de amor



Estou te procurando por aí, onde estás? Por onde você caminhou? Os caminhos que seguiu e os rostos que vislumbrou? Aonde fostes? Nesta alegria pálida de um cálido relógio ultrapassado? Quais as emoções viveu por esse caminho curto e tenebroso?  Aonde levou esse destino incerto da juventude e de arfares fiéis, e se levou tudo o que tinha outrora consigo, mostra os restos dos teus pés. Aonde fostes? Qual caminho seguiu e qual face beijou? Qual júbilo te uniu, que corpos imortalizou? Onde foi parar teu veneno que por meu corpo correu, que nas pernas imaginárias dela cessou e de um pobre orvalho secou? Aonde fostes? Onde estás? Não demoras, porque o tempo é hora, a hora que passa feito asas, de asas que voam e me ressecam. Batem feito vento, matam como velas, dissecam meus espelhos e arregaçam tuas órbitas. Aonde fostes? Onde estás? Não demora. Pois sem você estou morto, quase levado por esse rio de outonos, inútil às palavras alheias e desfeito de minhas velhas veias. Aonde fostes? Onde estás? Pois preciso de ti, preciso da sanidade. Preciso da razão que um dia me beijou os lábios, a razão que me roubou a inocente felicidade, a razão que se foi, e se foi levando minh’alma ensandecida, levando meu coração sábio desprovido de ciúmes, fantasias e medos. Aonde foi? Onde está? O velho jovem homem que se formava, desprovido de amor, incertezas. Aonde foi, onde estás? Tudo aquilo que ela roubou? Aonde foi, onde estás? Toda a sanidade que não volta atrás?

1 de fevereiro de 2011

Hoje, só por hoje


­ ­ ­ Hoje, só por hoje, estou sozinho. Talvez isto seja uma confissão, talvez sejam palavras tristes, talvez seja uma revelação desprezível ou o grito silencioso da minha alma. Letras melosas, frases depressivas, linhas chorosas. Abandonado por memórias longínquas, vozes distantes e sorrisos apagados. Promessas vivídas e hoje já mortas, idealizações e sonhos destruídos por razões que ainda preciso entender. Hoje, só por hoje, meu solo não mais treme sob meus pés, tampouco me fez cair, ele está inanimado, junto com todas aquelas flores que outrora brilharam diante de mim. As flores murcharam, as flores perderam seu cheiro, as flores me deixaram. No solo infértil do meu coração, ele se tornou pedra - só por hoje -, alguém o destruiu, e nem sequer o ódio se ergue para proclamar vingança, tampouco a compaixão para cantar o perdão. Hoje, só por hoje, não fui eu culpado pela minha solidão. Hoje, só por um hoje talvez eterno, estou sozinho sem o calor no peito. Hoje, só por hoje, estou sozinho.