26 de novembro de 2012

Capítulo II, Here Comes Santa Claus




Red From Christmas, Capítulo II, Here Comes Santa Claus

A arma ainda estava firmemente posta na mão direita de Stacy. Um fraco zumbido saía dela, indicando que estava ligada e poderia ser usada a qualquer momento. No entanto, isso não assustava Evan de forma alguma, já que no fundo ele sabia que a garota nutria uma pequena disposição para ouvir o que ele tinha a dizer e, caso este não fosse o caso, a distância que estavam daria tempo suficiente para ele fugir.
Eu não sou um louco, afinal.
Estavam em silêncio, ele perdurava há  longos minutos. Os olhos de Stacy não paravam, pulavam de um canto ao outro enquanto repassava cada palavra de Evan por sua cabeça. Ele a tinha dito cada detalhe sobre os pesadelos que tivera nos dias anteriores, ela conseguia ver – sem explicação aparente, como uma ligação existente entre os dois capaz de fazê-la enxergar através dos olhos dele – tudo o que havia narrado com perfeição: cada gota de sangue esparramada no chão, todos os três corpos ceifados e a sala de estar da casa dele, com o indivíduo diante de Evan como uma sentença iminente de morte.
Alheio a isso, o fato de estar intrinsecamente ligada a Evan a assustava bastante. Chegou a cogitar se aquilo apenas não era fruto do afeto que mantinha por ele, pela admiração e identificação. Talvez fosse isso que não a fez correr e que afastava o medo que deveria sentir por toda a história, mantendo-a ali, diante dele, ouvindo a tudo com espanto e incredulidade – mesmo que o bom senso fosse teimoso para ficar por muito tempo, pois havia grande parte da garota que ansiava em acreditar nele. No mais, Stacy apenas lutava contra a própria razão e a ideia em admitir que o garoto pelo qual - tinha quase certeza – sentia-se atraída, estava afogado em uma loucura fantasiosa que o levara a um extremo preocupante.

22 de novembro de 2012

Coroa




Sem problemas com a coroa. Coroa?  Tá novinha, vai, admito, nem às margens dos 40, com rostinho de 30. Aliás, volto a repetir: sem problemas com ela, e uso ”coroa” porque ela é minha – me pertence – e assim escolhi tratá-la neste texto. Prosseguindo: nos damos muito bem, bem demais. Eu não sobreviveria sem ela, devo minha vida, por sinal. Mas é o jeito que ela me olha de vez em quando, sabem? Aquela tonalidade sutil com um sorrisinho misterioso no rosto. Ela me avalia porque, assim como ela me pertence, eu também pertenço à ela. A coroa me conhece mais do que ninguém, porque me educou e me viu crescer. Mas às vezes, e como todo o bom filho, eu dou uns vacilos e sou um estúpido bruto. É justamente aí que ela me olha e começa a ter aqueles pensamentos que, acreditem, eu sei muito bem quais rumos estão tomando, porque antes ela já verbalizou com nojo e desorgulho, e nunca esqueci. Não sou vítima, sou o culpado, que fique claro. Quando ela me analisa com desânimo e responde todas minhas perguntas. Fica claro pra mim porque sou assim, tanto por fora, quanto – principalmente – por dentro. Ela tem razão, afinal. As mães sempre têm razão. E quando ela diz que terminarei essa vida sozinho, sem ninguém ao lado, é porque ela não está sendo carrasca ou extremista, e sim verdadeira. No fundo, é um suave conselho que me sussurra: “Faça certo, seja diferente, por favor. Por favor, meu filho, ou você estará perdido, sem ninguém, sem alegrias”.

A vida é canalha



Canalha, mas boa.
A vida é canalha, mas boa. Muito boa mesmo. Eu comecei a escrever essa crônica derrubando minhas frustrações cotidianas no computador, me fazendo de vítima culpando a vida por tudo, reclamando como uma criança contrariada. Apaguei e reescrevi tudo. Apaguei por ter percebido que minha vida é boa. Imensuravelmente boa. Sem demasias. E teorias conspiratórias à parte, a sociedade impõe essa insatisfação para nós. Por meio de um corpo que dificilmente alcançaremos, um carro que nunca iremos dirigir, uma vida pela qual não poderemos pagar. E nós, ao invés de nos revoltarmos e entendermos que não é necessário, simplesmente nos mecanizamos para alcançarmos o tão fabuloso ‘sonho americano’. Admiro meu professor, que tem um carro ’98 e não faz questão de trocar. Ele é exemplo pra todos nós, até porque ele tem dinheiro pra ter um carro do ano. Isso diferencia as pessoas. Acreditar que a vida é mais que tudo aquilo que não temos é essencial, imprescindível. E a partir do momento em que você entende isso, tentar provocar essa mudança nos outros se torna uma obrigação. Talvez já tenha alcançado esse ponto. Realmente espero, já que eu tenho uma ideologia anarquista muito grande, mesmo que eu não pratique ativamente, já que às vezes me deixo levar pelos encantos capitalistas. Ainda sou muito imperfeito, tenho algumas das aspirações materiais desnecessárias que eu tanto critico. Sim, sou um pouco hipócrita, mas tenho feito todo o possível pra me aproximar do que eu considero correto, por mais que as coisas não sejam tão fáceis. De qualquer forma, não posso reclamar da vida, afinal, se fosse fácil não teria graça alguma. E toda vez que eu falar que ‘tá tudo ótimo’, ainda que seja irônico, pode crer que eu estou tentando me convencer disso, já que antes de mudar o mundo, temos que primeiramente começar pelo mais difícil: mudar nós mesmos.

(T.S Banha)

18 de novembro de 2012

Parem




Pelo amor de Deus, parem de vir falar comigo como se eu fosse o mestre do suspense ou o senhor supremo das palavras e da língua portuguesa. Todo meu conhecimento é ralo, não tenho curso superior baseado na área e tudo o que sei foi em função de algumas regrinhas básicas aprendidas no colégio ou através da leitura. Mas de resto... Putz, eu não sou nada. Nada, entenderam? N-A-D-A. Peço, formal e descontraidamente, que deixem de ser formais comigo. Essa formalidade toda me dá nos nervos, e parece que estou conversando com robôs ao invés de pessoas que tanto amo. Eu cometo milhares de erros de português, tanto na gramática quanto na coerência e coesão. Sou uma simples pessoa, um moleque de 18 anos que vive com mamãe e papai e com pouquíssimas experiências de vida. Caralho. Só ontem eu consegui fazer meu primeiro café a vácuo digno, quente e no ponto, porque antes eu sobrevivia de cafeteira – e olhe lá! Sou idiota e sempre fico reprimido no meio de gente que sabe dançar; nunca peguei um porre, não gosto de bebidas alcoólicas definitivamente. Acho que posso contar nos dedos de uma só mão o número de festas que fui e voltei de madrugada. Por favor, parem de me tratar como um Tolkien ou Martin, King ou Lovecraft. Vocês não têm noção de quantas obras literárias clássicas (nacionais e internacionais) eu ainda não li ou nunca ouvi falar. Sério. Sei escrever legal, mas não nasci assim. Vim da merda, do lugar mais babaca e imbecil do nível literário. Nunca recebi prêmios, não sou condecorado. Não sou o gênio da minha geração, não venderei best-sellers em mais de 30 idiomas diferentes. Não é assim que a banda toca, não é assim que vai ser. Me tratem como uma pessoa comum, com sentimentos comuns. Eu não escondo nada. Eu não minto. Não sou um James Bond mulherengo ou o vampiro misterioso do colegial. Que merda! Eu sou simples. Não me idolatrem, porque, acreditem, tem gente que anda fazendo isso e é exatamente essa parte que me irrita. Parem. Por favor, parem.

Doritos




É, ela não trouxe o Doritos. Não trouxe sorvete, não trouxe nem meu biscoito favorito. Não trouxe nada de bom, cacete! Eu avisei. E agora fico pensando como serão minhas madrugadas de vadiagem. Porque amanhã tem festa e, como sempre, não posso sair; e também não vou à aula, estou reprovado na matéria daquela bicha metida à simpática e boazinha. De qualquer forma, reprovado ou não, eu nem iria mesmo, essa porra não é pra mim e só faço gastar dinheiro com o ônibus. Aí fico acordando até às três horas, imaginando se aquele papo de “a hora dos demônios na terra” realmente é verdade. Puta que pariu. Um gato gemeu ali, parece uma criança sendo sacrificada em ritual de magia negra. Odeio gatos. Odeio gatos. Morte aos gatos. Morte ao Felis silvestris catus. Passou, voltou ao normal. Maldita madrugada, à base de filmes pra baixar e séries que eu acabo nunca assistindo, ou à base de parágrafos de livros que eu também nunca termino. E ela não trouxe o Doritos. É, pelo menos tem miojo e coca cola zero. Vou terminar aqui, nessa rotina de fim de noite e começo de dia. Tem sido um saco. Sem grana, sem ânimo, sem namorada pra amar ou permissões para sair. Me sobra a madrugada. Não tem Doritos, ela não trouxe a porra do Doritos. E ele que tava lá, ilustrativo com a merda de uma embalagem vermelha e chamativa. Mas ela não trouxe. É, tudo bem, mãe, não vou deixar de te amar por isso. Vou ficar aqui na madrugada, curtindo a solidão. Me inspirar e escrever um texto desses. Sobre Doritos, mas sem o Doritos.

15 de novembro de 2012

Adoro a tristeza



Adoro a tristeza. Paradoxal, mas verdade. Ela traz à tona tudo que a nossa realidade colorida e bela, criada por nossas mentes ou postas lá por quem quer que seja, omite. Não quero dizer que geralmente isto é uma constante na minha vida, longe disso. Sou feliz, até demais. Ao ponto de ser chato por tanto otimismo e positivismo. Por isso as pessoas estranham quando não estou bem - o que, pra mim, difere de estar feliz. Felicidade é fugaz, bem-estar é perene. Eu estou bem, mas posso não estar feliz; Posso estar bem e estar triste; posso todas as variações que puder encontrar. De qualquer forma, a tristeza liberta da utopia que criamos buscando, ao modo árcade, um estado de satisfação pessoal impenetrável, avulso à realidade em que estamos inseridos. É deprimente. Fazemos o papel de vilão de nós mesmos. Contudo, eu não aconselho ninguém a sair desse estado de nirvana em que se encontra. A realidade dói, machuca. Muito. Quando você supostamente pode alcançar, tem tudo pra fazê-lo, mas não consegue é pior ainda. Mantenha-se nesse universo paralelo, onde a “grama é verde e as garotas são bonitas”. Por mais desnecessário que seja, ser alienado protege de muitas coisas, inclusive de nós mesmos. Ou do pior, como as verdades que sabemos, não queremos acreditar mas que estão ali, esperando pacientemente, pra que elas possam nos puxar desse universo paralelo ao qual estamos piamente vinculados.

(T.S. Banha)

12 de novembro de 2012

Capítulo I, Jingle Bell Rock




Red From Christmas, Capítulo I, Jingle Bell Rock

O vasto bosque era cortado por trilhas de passeio. Placas metálicas fincadas no chão com hastes de madeira sinalizavam a exata localização do perímetro, com indicações de outros caminhos (pequenos postos de atendimento de guardas), além de mensagens alertando para a conscientização de não poluição do lugar, já que era uma área de preservação ambiental aberta ao público da pequena cidade, usada para o lazer. As imensas árvores estavam desfolhadas e esbranquiçadas, retraídas e tímidas em função do inverno. A brisa fraca estimulava o mover dos galhos mais esguios e finos, embora não se mexessem tanto. Poucos animais pintavam o quadro melancólico do bosque, volta e meia alguns deles surgiam através da neve acumulada sobre o solo, saíam correndo e se escondiam entre o horizonte das árvores ou sob tocas na terra.
O alambrado em caracol de mais ou menos 1 metro de altura ladeava a trilha, limitando o acesso de pessoas – fácil pular, mas o aviso raramente era desrespeitado. O segmento metálico ocupava o amplo espaço do lugar, organizando a trilha. Ao ar livre, a área ambiental servia de fácil acesso – e grátis – aos habitantes da cidade, assim como oferecia pesquisas para colégios ou âmbitos científicos mais regionais de universidades próximas à cidade. A segurança de uma rede privada fora contratada pela gerência da prefeitura e exercia o serviço geral de controle e monitoramento. A logística permitia o estratégico posicionamento de homens uniformizados e armados, apesar de não utilizarem as armas para fins mais extremos (nunca houve situações que exigissem isso). Alguns tinham a função de monitorar certos perímetros a pé, enquanto outros monitoravam em pequenas tendas de madeira, distribuídas pelo imenso espaço que o parque e bosque detinham, cada uma com estoques de medicamentos para primeiros socorros, além de rádio para a comunicação entre os guardas e vários outros aparatos em casos de emergências. A administração fluía bem.
Apesar de toda a boa eficiência dos guardas, entre as árvores, afastados e longe da atenção de qualquer um, dois garotos estavam de pé sobre a neve fofa. Um deles segurava o punho direito entre a palma esquerda, num frenesi quase doentio e sádico. O outro parecia ter mais controle da situação, embora também demonstrasse sadismo no olhar; seus cabelos crespos e castanhos estavam embaraçados, enquanto segurava uma terceira figura pelo pescoço e forçava-o num mergulho torturante no chão, espremendo e abafando seus gemidos.
Entre a neve, o rosto de Evan Dover era massacrado como um lixo qualquer.

7 de novembro de 2012

Realidade




É à noite que os medos dele atormentavam, talvez por isso madrugadas inteiras são tecidas de olhos abertos e xícaras já frias de café. O temor de pregar os olhos latente e palpável ganhava força a cada dia, já não eram somente os pesadelos que o assustavam, e sim as formas de vida que as sombras ganhavam em seu quarto. Por alguma razão estranha, nas poucas vezes que conseguia deitar para dormir (quando se esforçava a isso), insistia em deixar as luzes apagadas por duas razões: primeiro que ele não era acostumado a dormir no claro e, segundo, necessitava superar esses medos infantis. Mas alguma coisa o dizia que existiam monstros de baixo da cama, demônios profundos moldados no interior mais obscuro de sua criativa mente; mãos ensanguentadas saíam das paredes para acariciá-lo os cabelos; humanoides deformados arranhava e faziam “toc-toc” na janela acima de sua cabeça; espectros negros ganhavam forma nas intersecções das paredes do quarto, movimentando-se como nuvens de um dia tempestuoso. A pior parte, no entanto, era ter de imaginar que algum dos familiares estaria – e de fato está - a ponto de chegar ao fim da jornada, porque acidentes acontecem o tempo inteiro e porque alguns deles já estão idosos. Na realidade, ele tem medo de ficar sozinho porque sabe que a presença dessa ideia é iminente. Mas apesar de toda a tormenta que poucos sabem que se abate dentro de sua cabeça, ele ainda consegue dormir. Seu problema não é a insônia, afinal. Os monstros psicológicos de sua mente são fruto da própria criação, já que no ofício do dia, o garoto não vai escrever sobre seus medos e pesadelos, pelo contrário: é por tanto pensar nesses demônios, que ele acaba tendo os pesadelos. Entendem? Ele dá vida aos próprios medos através das palavras, não os medos que dão origem às palavras. Sim. Na realidade, seus tormentos monstruosos são consequência e não a causa. Esse acaba sendo o preço por imaginar demais. Mas no fim, há de virar costume.
Sempre vira.

5 de novembro de 2012

Prólogo



Red From Christmas, Prólogo.

Quando Evan caiu, tudo o que ouviu foi um grito. Um grito longe e perdido, desesperado. Feminino. Não soube por quanto tempo esteve apagado. Nessas situações, o tempo tem um jeito estranho de correr. Era como tentar dormir ouvindo música com os fones de ouvido. Você de repente sente o começo de uma canção e, logo em seguida, já se depara com o término dela, como se jamais tivesse existido um meio. Ficava sempre uma lacuna, e você se pergunta: “eu adormeci tanto assim? O que me pareceu ser uma noite inteira de sono, foi apenas alguns trechos de música perdidos e cochilados?”. Era estranho, e para Evan a comparação era a mesma.
Ser arremessado por um punhado de areia do mau e cair no chão. Ele sequer tivera a sorte de ser aparado por uma pequena montanha de neve, acumulada na entrada da garagem ou... Ou seja lá onde ele tinha caído. Tudo o que sentia era absolutamente nada. Não tinha dor, não tinha sofrimento. Sem lágrimas, nem cheiro de sangue. Tentou se mexer, e deu graças a Deus quando percebeu que ainda detinha o poder sobre o corpo. Talvez eu ainda não esteja tetraplégico. Mas a visão ainda estava turva, além da sonolência. Ele fechou os olhos, abriu e voltou a fechar. Esperou a visão se ajustar, percebendo que ainda estava na frente de casa, mas bem afastado... Muito mais distante. Girou o rosto, buscando um conforto. Os lábios encostaram em algo ainda mais frio: o asfalto. Talvez estivesse no meio da rua, ou quem sabe na calçada. Fechou os olhos. Reabriu. Enxergou Stacy nos braços de Chris. Ela se debatia, esperneava com veemência. Fechou os olhos. Quando abriu, ela já estava ao seu lado, não, não. Ela estava sobre ele, de joelhos no chão, acariciando-o o rosto. Seja lá como ela tinha chegado ali, Evan tinha certeza que um segundo atrás estava sendo segurada por Chris. É... Aquilo era como dormir com fones de ouvido. Você não sente a música passar, sem perceber, fecha os olhos, transitando entre a sonolência e o mundo real. Aí segundos se transformam em horas de sono ou vice versa. Como cheguei aqui no fim da música? Como passei... Como... Como cheguei em outra música? Como?
- Stacy? – Perguntou, ainda perdido e sonolento, oscilando entre o desmaio e a consciência – Stacy? É você? Stacy...
- Evan, Evan... – Ela segurou o rosto dele, tocando com a ponta dos dedos. O toque era delicado e cuidadoso, como se a qualquer momento ele fosse rachar feito um copo de vidro – Calma, você vai ficar bem. Você, você vai...
Lágrimas despencaram dos olhos escuros de Stacy. Ela o segurava nos braços como uma mãe com o filho. Ele sentia suas mãos, sentia seu calor em meio ao frio. E mais que isso, Evan sentia a neve caindo com mais força, quase congelando as lágrimas da garota. Ele fechou outra vez os olhos, desejando poder dormir e esquecer tudo o que tinha acontecido. Estava atordoado e o mundo girava sem nexo ao seu redor. Quando deu por si, já estava sentado, os braços dela o envolviam as costas e o rosto enterrado em seu ombro. Sentia o aperto. Reabriu os olhos, achando que eles já estavam abertos – devido à vívida sensação que o corpo da garota lhe trazia. Então reuniu forças para retribuir o abraço. Quando forçou a visão, enxergou Chris se abaixando para pegar algo do chão. Dentro de sua cabeça, a voz do outro gritava, as palavras estavam longe, mas Evan pôde identificá-las. Chris gritava “a arma, a arma, a arma”, uma dezena de vezes.
Estreitou os olhos, mais fundo, com mais força. O assistiu agarrar o objeto no chão, correr para dentro da casa após arrombar a porta. O sono veio outra vez. Evan sabia que talvez estivesse à beira da morte. Não sabia quantos metros fora arremessado, mas notou que suas pernas esticadas tocavam o limiar da calçada e do asfalto. Não tentou calcular a distância na qual voou e se espatifou quase no meio da rua. Afinal, os números nunca fizeram sentido na sua cabeça. Os braços ternos de Stacy o envolveram uma última vez, num aperto mais forte, Evan fechou os olhos, agora certo de que não voltaria a abri-los. Sentiu o corpo leve, embora pudesse movê-lo sem dores ou dificuldades. Desejava levantar, correr para casa e salvar a vida do pai, tirá-lo da iminência do pesadelo profético; queria salvar Chris, porque era o mínimo que deveria fazer, certo? O cara acabara de entrar numa tentativa que borrara todo o próprio plano de se manter longe de Krampus, num ato heroico e suicida; ele entrara na casa para salvar o pai de Evan, ou talvez apenas o fazia por causa do livro? É, claro. Era óbvio. Chris jamais se arriscaria por alguém. Apenas correra com a arma em punho para encontrar o livro e colocar fogo, na sua tentativa desesperada por sobrevivência. Que seja. Chris tinha feito o seu melhor, Evan não negaria tal verdade, muito menos estava decepcionado com a última dedução a seu respeito. Diante da morte, ele não conseguiu nutrir raivas ou mágoas. Era tudo limpo, silencioso e tranquilo.
Não havia agonias em morrer. Apenas paz.


4 de novembro de 2012

Porque?



Certo dia, me perguntei por que escrevia. Não consigo lembrar exatamente quantas respostas diferentes eu alcancei. Quando não falavam de sentimentos que eu tenho total certeza que não tinha dentro de mim, elas lembravam de autores que me influenciavam. Drummond, Pessoa, Neruda. Na maioria eram poesias, genéricas, que qualquer garota se sentiria lisonjeada em receber. Não pelo conteúdo, que diziam ser “perfeito”, mas só pelo fato de receberem. Acho que escrevia para tentar enganar mais alguém além de mim. Hoje eu posso afirmar que escrevo por um motivo de verdade, por mais que o motivo não entenda isso do mesmo modo que eu. Eu sei que ainda tenho muito que lapidar desse dom - ou maldição. Muito mesmo. Crônicas servem pra que me expresse, criticamente, sobre mim mesmo e sobre o que realmente sinto e vivo. Poesia tem hoje também essa função, mas só pras coisas boas. Enquanto eu permaneço nessa infindável briga literária, vou botando no papel a poesia e no computador a crônica, dividindo humildemente minhas inseguranças com quem lê o NIT. Não buscando fãs ou leitores assíduos, mas alguém que se identifique sinceramente com o que escrevo, e veja materializado em algumas dezenas de palavras, aquilo que sempre quis falar, mas que, independente do motivo, ainda não foi capaz de verbalizar. Ainda.

T.S. Banha

3 de novembro de 2012

Corrosão




Há um pensamento denegrindo minha paz mental, talvez até a sentimental. Juro que estava tudo bem aqui dentro, as coisas transcendiam caminhos taciturnos e tranquilos. Eu estava quase inabalável. Mas de repente surge uma tormenta, rodopiando estruturas que por meses você construiu à base de concentração e esforço. É um pensamento corrosivo, bem pior que a mais física das substâncias ácidas. Algo que sempre temi, e que agora me veio revelado como uma sólida verdade. Agora eu imagino e não há como não me sentir mal. Não se trata de algo que me pertence, mas que, de certo modo, foi me tomado em uma parcela importante. Chega a ser ilusão julgar que um dia seria ou será meu, mas a consciência do acontecimento – da qual sempre tive – não anula o fato de me deixar abalado. Imensamente abalado. Meus alicerces mentais já haviam secado, agrupando-se numa solidez irrefutável. Agora, no entanto, uma implosão veio banal, rápida e sem intenções de destruir. Mas destruiu. Me pergunto por quanto tempo o pensamento continuará denegrindo e corroendo a vã barreira que eu julgava indestrutível. O pior de tudo é concluir que ainda sou extremamente frágil perante o determinado assunto que aqui abordo. E eu que havia terminado com todos esses textos, estava sem inspirações, nem mesmo vontades eu tinha de vir aqui escrevê-los. Era uma sensação boa. Tecer esse gênero de literatura sempre me soou arrasador e é, sem dúvida alguma, um indicador básico da minha insatisfação interior. Antes eu estava em paz, mas agora escrevo isso. Graças a um pensamento incômodo, uma ideia pertinente e nojenta; algo que eu deveria ter feito, mas que o mundo não me permitiu. Até quando?

Quanto vale o esforço?


Quanto vale o esforço? Enquanto eu estou escrevendo durante a pausa do meu trabalho que tomou todo meu dia, tem gente em casa, aproveitando tudo de bom que foi dado pelo papai, pra compensar a sua ausência. Sei que existem aqueles que não gostam desse tipo de tratamento, conheço pessoas assim, mas são exceção. Ainda não consegui a minha independência financeira, mas batalho pra isso. Agradeço a Deus, Jah, Alá, força inexistente pros ateus, ou qualquer coisa que esteja acima da minha vã compreensão deísta. Não pelo que consigo, mas pela dificuldade que me levou até o objetivo. O importante é o caminho que eu trilho. Quanto mais tortuoso, melhor os frutos. Que fique bem claro que isso não é uma crítica, mas se foi entendido assim é porque você se identifica. Isso foi um desabafo, necessário para que eu alivie um pouco esse peso e possa voltar a trilhar normalmente meu caminho. Um objetivo? Fácil. Ter dinheiro suficiente pra mostrar pro meu filho que quando queremos, conseguimos. Presentes, sim. Mas sempre levando grandes palavras da minha não tão velha mãe: na casa do bom homem, quem não trabalha não come. Não ao pé da letra, evidentemente. Só não quero ter que subornar uma família porque o idiota do meu filho mimado bateu no pai com uma sua Mercedes a quase 200km/h. Quero tudo, menos deixar todo meu legado pra um moleque cretino. Quero que honre o nome que ele carrega. Quero que, assim como eu, não goste de ser chamado de “filho do Banha”. Quando esse dia chegar, terei certeza de que pelo menos uma pessoa está no caminho certo.

(T.S. Banha)