Não me foi concedido um manual com
este tipo de sobrevivência. As páginas dele, afirmo, me são ainda totalmente
estranhas. Não sou apto a amolar esta lâmina para caçar, não sei manobrar o bambu,
não aprendi a construir um abrigo; me falta alimento, minha barriga dói tanto
quanto meu peito, talvez seja a mesma dor se apoderando de outras áreas. Tenho fome. A fogueira é a pior parte: não
há em mim o combustível necessário, não faço a mínima ideia de como mover esta
palha ou girar a madeira, atritar, esquentar - eu não sei. É um manual inexistente que me foi dado, e me enrolo
nas roupas antigas, procuro abrigo durante à noite, sinto o frio da solidão, a
iminência do afastamento. Eu tenho medo, eu choro e não ligo para o que os
deuses antigos que me observam pensarão sobre. Sou apenas um menino perdido e
inconsolado dentro de mim mesmo, que não sabe sobreviver a este antigo desastre.
O que me resta são fotos e sons que retumbam na mente, memórias de uma voz e de
uma época antiga. O que me resta é isso, durante uma noite escura e profunda
sem estrelas lá em cima, com um milhão de demônios e lobos a me espreitar como
próxima refeição. Estou cedendo, pouco a pouco, confesso. Deixarei que eles me
consumam, me devorem, estuprem minha dignidade da alma, caráter e orgulho são
agora coisas enfadonhas, sem sentido, sem valor, tão perdidas quanto eu por
inteiro. Não me foi concedido um manual de sobrevivência. Não sei o que faço, não
sei o que ando fazendo – há muito, muito tempo.
23 de setembro de 2013
17 de setembro de 2013
Chupadores
“Eu
poderia ser encaixotador, carregador, ajudante de auxiliar. Eu poderia ser
qualquer coisa e ainda assim voltaria até aqui”. Recebi um olhar de
desprezo, típico de chupadores de merda que adoram parecer superiores, mas que
estão na mesma merda que você – ou até pior, ao menos eu uso a porra do meu cérebro.
Olharam-me desconfiados, sem sequer entender minhas palavras, digo, não o seu
significado superficial, mas o profundo. “E
como tu vais ganhar dinheiro?”. Isso é um emprego! Não entra na cabeça de
ninguém? Quis responder algo mais baixo, quis até responder isso, mas não coube
ao meu cansaço, eu estava fraco demais para discutir a mesma conversa depois de
tantos anos repetindo, repetindo e repetindo. Por isso retruquei “é um emprego, têm-se um contrato, ganha-se
por isso. Você trabalha diariamente,
cumpre um prazo e entrega o material”. É tão difícil assim entender? Só estou
tornando meu ofício de sempre um “ofício oficial”. De um jeito ou de outro, os
chupadores de merda continuaram com aquele olhar de superioridade, dando
palpites sobre a parte da minha vida que eles nem sequer tinham se esforçado a
chegar. Deixem-me. Eis a minha profissão, só estou agindo conforme aquele ideal
que vocês tanto adoram dizer com frescura e idealização: siga seus sonhos. Eu estou seguindo os meus, ou tentando, não estou
parando, apesar de todo o pessimismo. “Ao final do dia, eu ainda sento aqui e
escrevo alguma coisa, jogo diante do mundo ou engaveto para o futuro, estou
fazendo a minha parte, e vocês, chupadores
de merda”? Eu quis tanto dizer isso, mas balancei os ombros e deixei que se
fodessem com suas certezas falhas e cheias de críticas. Não fazem nada além de
um blá blá blá longo e interminável, perdem suas vidas com palavras inúteis,
perdem-se no tempo, em seus quartos, nas janelas observando os vizinhos e
julgando-se superiores. Pois bem. Então irei trabalhar com o que gosto de
fazer, e um dia, quem sabe, eu até escreva um livro cheio de merdas filosóficas,
porém profundamente coerentes. E aí vou querer vê-los chupando pelo menos isso.
Vão continuar falando, mas aí eu já estarei lá, e vocês... É, vocês continuarão
onde estão. Chupando, chupando e chupando... Sempre as mesmas bostas.
10 de setembro de 2013
A menina era de Deus
Pairava ali algo inegável, uma
oportunidade boa e saudável do envolvimento iminente. Ela tinha um olhar
intenso, vivo de simplicidade e beleza, tão profundo e superficialmente enigmático.
Era uma piscina dúbia de atração e tranquilidade, ah, aqueles olhos. Mas a
menina era de Deus. Emanava Deus na maioria das palavras, embora mostrasse o
mesmo respeito que um homem profundamente sábio entre as farpas de dois
extremistas. Sim. Ela exalava Deus e respeito, mas, ainda assim, o pertencia de
corpo e alma – e mente, diga-se de passagem. Eis o entrave secular para este tão
mísero bobo que a admirava: no menino havia a contestação dos cientistas e o
humor dos kamikazes. Perca o amigo, mas
jamais perca a piada. Deus era piada, Jesus era piada, religião era piada. Ele
emanava piadas do mesmo modo que ela, respeitosamente, emanava o ser divino
venerado pelos mais bob... Pelos mais devotos,
quero dizer. Entrave histórico, entrave filosófico... Entrave de caráter. Ele
não jogaria fora a própria descrença para se dobrar diante de alguém tão santo
com excesso de crença. Orgulho? Talvez. Residia mais no respeito por ela. No
fim, talvez não quisesse se envolver para não magoá-la com suas piadinhas
infames e banhadas de blasfêmia. É, talvez nem fosse pelo orgulho e temor de se
corromper à fé, mas sim ao sacrifício de não magoá-la, ao sacrifício de não
ofender o que ela acreditava. Essa era sua forma de respeito, essa era sua
forma – quem sabe deturpada – de caráter. Como um homem santo que joga fora sua
própria vida em nome daqueles que tanto o julgariam, ele até aprendia
lentamente com isso a venerar o rei dos Judeus, que em seus dias vindouros pôs
o próprio cu na reta pelos pecadores que o depreciavam. Sacrificava a própria –
provável – felicidade para não machuca-la com trocadilhos secos e inteligentes.
Tão lindo, tão belo, tão divino - pena que a menina era de Deus.
9 de setembro de 2013
Queria foder
Ele pegou um cigarro do bolso e
acendeu. Abriu a lata de cerveja e bebeu. Sentou-se em um banco qualquer, num
lugar da cidade qualquer que tivesse árvores e ar mais sereno. Fumou e bebeu. Ele
queria outras coisas, queria sair dali, estar em outro lugar e em outra vida,
bebendo outro tipo de bebida e não fumando. Mas era a realidade. Não usava
aquelas porcarias por rebeldia ou para representar o quão derrotado estava. Há
um momento na vida que você apenas se sente compelido a realizar tais
atividades, e vinha sendo seu eterno momento há anos. Uma mulher, com sua
boceta amável e sorriso nos lábios pode, de todas as maneiras, foder com o cara
do jeito mais cruel que se possa imaginar. Homens também o fazem com seu
palavreado e paus sedentos por gozo. Seres humanos fazem isso frequentemente,
sejam homens ou mulheres. E ele pensava exatamente isso: não há estatísticas
sobre quem é mais ou menos infiel, devasso ou mentiroso. Eram todos os mesmos.
Sempre há um predador e uma presa. Ou
predadora e presa. Então ele bebia e fumava. Faltava foder, mas o salário
tinha terminado e o auxilio bancário da tia também. Sim, ele até poderia foder,
mas estava sem grana para procurar sua garota preferida – ela o amava como
qualquer outra, por um bom preço, ele recebia todo o amor do mundo por uma
noite inteira. Mas estava sem grana, então fumava e bebia. Estava fodido,
pensando em outra vida, outro sonho, um
nome diferente. Cogitava as chances de comprar uma arma com o
próximo salário, cogitava finalmente ter coragem para finalizar o plano – era
só um plano, é, um bem distante, como um plano D, caso as coisas viessem a dar
tão errado. Por isso ele fumou e bebeu. Terminou a latinha em menos de seis
minutos, já era a terceira ou quarta... Não, talvez a quinta, que se foda. As
coisas andavam ruins, independente do número de álcool no sangue. Amassou a
bituca no banco e jogou na lixeira ao lado. Tirou outro cigarro do bolso. Havia
gastado os últimos trocados nas latinhas e na carteira. Bebeu. Fumou. Queria
foder, mas simplesmente foder não aliviava o que realmente o atormentava. As
coisas geralmente são assim.
Bebeu. Fumou.
8 de setembro de 2013
Além
Ele queria desistir. Diziam pra ele desistir. “Isso aí não vale de porra nenhuma” ele ouvia a cada desafio e se sentia ofendido. Mas isso só lhe dava mais força. A cada queda, usava o próprio chão pra se reerguer. Seu pai dizia “calma... depois piora”, “pior é na guerra... ainda tem bala” mas as ironias paternas já não faziam mais efeito sobre sua cabeça. Já não era mais aquele garoto que tinha saído de sua cidade. Não que já fosse um homem feito, mas já tinha amadurecido muito em todos os aspectos.
A vida já cobrou alguma coisa dele, menos do que ela cobrou de muita gente, ele sabia. Mas não tinha com quem compartilhar a sua dor. Nunca teve. Nunca quis ter. Como dizia a letra daquele RAP que gosta tanto: “Desde pivete tenho amigos, mas me sinto sozinho/ meus problemas são meus, vou resolver sozinho” ou do outro que tanto ouve “colegas, eu tenho vinte; amigos eu tenho seis; que vejo sempre, só quatro; que posso contar, só três”. Não tinha mais nenhum. Não desmerecendo os que o acompanhavam. Jamais. Porém tem muita coisa que eles não fazem ideia que acontece, que ele pensa, deseja, desiste de.
Ele só quer que seu próximo sonho se realize, quer novas ares, novas pessoas, momentos. Não cria esperanças, mas expectativas. Se forem superadas, bom; se não, tenta-se até sentir-se bem, mas nunca satisfeito. Ele não busca fama, dinheiro... mulheres talvez... Ele só que o seu El Dorado, seu Graal, seu além do horizonte.
(T.S. Banha)
Você e o seu texto e o quão desgraçado você é
Fodido - juro por Deus que é a mais
pura verdade e que as explicações me são necessárias tal como o ar que respiramos.
Eu me achar o popular e melhor de todos? Não. Chamar a mim mesmo de lindo? É
ironia, e farei questão de deixar claro. Há coisas que preciso explicar, coisas
das quais não sou capaz de fazer e necessito acrescentar palavras como “se eu tivesse”, “se eu pudesse”, “se eu
fizesse”, “se eu fosse”. Sempre
um “se”, pois é ele o senhor da minha vida, bem como Deus é tudo na vida de um
cristão – ao menos teoricamente. Não, eu não estou brincando quando me
ridicularizo na frente dos outros; não são caprichos as piadas sobre meu
fracasso; não é psicologia reversa quando ironizo o fato de eu ser incapaz. Eu sou, ponto final. “Quanto menos se
acreditava na vida, menos se tinha a perder”, algum velho safado e divino
escreveu isso certa vez, e quando li, há muito havia adotado tal estilo de
vida. Fiquei feliz por pensar igual a um
humano moribundo já morto, porém que muitos idolatram e veneram através das
páginas de suas obras. Fico feliz, a cada linha, por notar que penso igual ao
solitário filósofo Fulano ou ao decadente escritor Ciclano. Faz bem. Significa
que aonde quer que eu vá quando morrer, residirei ao lado desses vagabundos apreciadores
da boa poesia, do ócio e da desgraça – a espiritual, a mental e a passional. Talvez
seja a única vez em que fico verdadeiramente em paz e feliz, pois sei que no
fundo não estarei sozinho. Que esse dia chegue – logo! –, já que, por enquanto, eu vou levando assim: sendo humilde,
maldito e fodido, cuspindo blasfêmias contra Deus (o mesmo pelo qual jurei no
início), minha própria pessoa e à hipocrisia que nos cerca.
Pois a vida não passa de uma grande
ironia. E da minha, ha ha ha, só faço rir.
5 de setembro de 2013
Ficticium
Há duas escolhas: posso seguir em
frente ou simplesmente parar. As duas me soam tentadoras, mas a primeira é
sempre um estilo de vida. Há quem diga que meu mistério nem mistério é, a não
ser o gosto pelo sofrimento e pela dor; há quem diga que tornou-se meu ideal,
meu motor básico para tal combustão diária. E sendo estas palavras
essencialmente metalinguísticas, ponho-me a pensar: “o que será dos 16, quando já imagino os 45?”. O que será de um futuro
próximo, quando já vivo o futuro distante? E faço um milhão de perguntas ao meu
senso mais racional, aquele que mora em um lugar profundo e distante desse meu
“eu” babaca que vos interage diariamente. É
hora de parar? Vale tanto a pena? Pergunto-me isso há tanto tempo sem nunca
ter chegado a uma resposta, que agora sei que quem deve construir a solução sou
eu. Mas, ora, é apenas uma vida literária e fictícia, que mal há de fazer à
minha reputação? Trata-se apenas de um alter
ego inegavelmente destruído. Igualmente
destruído. Mas será essa destruição verdadeira? Será a exposição
necessária? Eu deveria parar e assumir novas perspectivas? Há tempos ando me
questionando, e presumo que por tempos assim continuarei. É como dizem: os
questionamentos movem o mundo.
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