25 de janeiro de 2014

Tártaro



Vou aqui contar nos dedos as crônicas de uma vida que escrevi, mas ao mundo não mostrei: uma, duas, três... Talvez quatro, talvez cinco, no máximo seis. Não só como diz o ditado, aqui na minha situação também não é a quantidade que importa, e sim a qualidade, a seiva em questão de um bruto que o mundo nunca leu, a alma que você jamais vai vislumbrar. Não, porque já é tarde, tarde demais para continuar com aventuras literárias e desabafos mal direcionados que nunca chegarão a ser atingidos. Eu escrevi, eu escrevi tanto, eu quase morri sobre esses teclados e do mundo recebi um milhão de respostas, mas de quem realmente interessava, nada. Tantos e tantos parágrafos falando sobre distâncias físicas, sentimentais e pessoais, sobre amizades impossíveis, sobre abutres famintos e ao mesmo tempo vitoriosos, sobre homens e menininhos bem melhores que eu, mais bonitos, mais significativos, mais maduros e vividos. Sobre tantas coisas que já nem faço questão de lembrar, porque morreram juntamente com seus respectivos títulos e linhas. Já era, já deu. Só o que não deu foi essa vontade de continuar, de voltar atrás e corrigir as coisas que eu acho que errei (embora os amigos insistam em dizer que de erros totais, pouco me vali), das palavras não ditas, somente escritas, escritas e escritas. Palavras não mudam nada e promessas são areia na tempestade. Forças ainda tenho, forças posso buscar para escrever mais um pouquinho de toneladas de lamentos, desejos e sonhos, mas não o farei, porque preciso crescer e engolir essa baboseira. Guardarei essas linhas assim como guardei tantas outras, e talvez seja melhor assim, porque, como sempre, eu jamais seria correspondido. Que morram neste Tártaro, todas elas, malditas, venenosas, porém tão vitais, tão necessárias, tão repetitivas e verdadeiras. Que morram. Que morram. Que morram...

22 de janeiro de 2014

Ataraxia



Ataraxia pode ser conhecida como um “distúrbio” ou uma patologia em que o afetado é praticamente indiferente ao mundo e às emoções à sua volta. Corrijam-me se eu estiver dizendo merda, mas sendo de fato uma patologia ou um mero estado filosófico da mente, em que o próprio “afetado” acomete a si mesmo à tal mudança, ou sendo qualquer hipótese inerente apenas à mente dos mais loucos, em dados momentos me pergunto se isso também não me acomete. Não me considerando um louco perturbado (embora alguns insistam em afirmar isso), pervertido tarado sem coração, frio, sujo e inescrupuloso, mas vez ou outra abandono uma aventura sentimental do mesmo modo em que mergulhei nela. E assim a garota atraente da semana passada, logo após nosso envolvimento, torna-se tão desinteressante quanto uma atração física pelo retrato de uma velha feia que viveu há um século. Pergunto-me de onde vem todo esse desinteresse e as ligações que não faço, a mensagem que não envio por celular ou a falta de vontade que tenho em convidá-la para sair. Há algo de errado em mim, disso tenho quase certeza, algo que não é a ataraxia, mas beira tão próximo a margem que chega a espantar. Há também quando alguém está perigosamente doente e eu preciso fingir preocupação, porque enquanto todos estão se desesperando, estou calmo; como quando minha própria mãe beirou um diagnóstico de câncer e eu agi normalmente, preocupado, claro, mas não desesperado analisando cada possibilidade de tragédia. Se é isso um feto ou mera semente de um estágio anômalo ao distúrbio antes citado, eu não faço a mínima ideia, mas há algo aí... Digo, aqui, aqui dentro, nesta cabeça deturpada e estranha, onde eu não ligo, onde eu não me importo verdadeiramente, onde apenas me forço porque quero sentir e quero me preocupar. Mas realmente não sinto, realmente não me importo.

16 de janeiro de 2014

Amizade



Puta que pariu da coisa foda. E nessa frase se resume o que é a amizade. Tubarões que andam em bando e lutam por si, como diria uns dos meus melhores amigos. Mas o mais belo é que não existe um modelo, um molde, um conceito concreto do que é amizade, até porque existem tipos diferentes. A aleatoriedade determina isso. Apesar do clichê, são irmãos de outras mães, mas são os irmãos que escolhemos. A afinidade determina isso. Seja pela bebida, mulheres, esportes ou escrita. Amizade é chamar a mãe do seu parceiro de todo um leque de expressões, menos de moça. Amizade é ter o wi-fi conectado automaticamente quando você entra na casa do outro. É pegar as coisas na geladeira e mandar o outro pra casa do caralho por que ele faz a mesma coisa. É tirar onda por que ficou com aquela mulher feia e elevar o status porque ele ficou com a que todos desejavam. De forma geral, a amizade é a forma mais simples e bonita de amor, já que não envolve dinheiro, interesses e sexo, ainda que estudos provem que isso fortalece a amizade, homem-mulher, mulher-mulher, homem-homem, tanto faz. O importante é ser feliz e ter ao seu lado aqueles que te façam bem e que estejam ali por também se sentirem bem. Todos são livres pra decidir com quem querem estar. Isso é básico, fundamental e irrevogável. Aqueles que se aproximam ou tem amizades por interesse, meus mais profundos pesares. Aos que estão só por estar, deixo a frase do meu brother Chewbacca, vulgo Bruno: “Vocês são os filhos da puta mais filhos da puta que eu tive o desprazer de conhecer”. Mas não existe nada que afaste de vocês, pois a amizade é tudo, amigo é coisa pra se guardar debaixo de sete chaves, juntos somos carvão, enxofre e salitre e valeu por vocês existirem, amigos, bando de moleque leite com pêra.

(T.S.Banha)

15 de janeiro de 2014

Preço



Eu um dia também sonho em me vender, e espero que isso ocorra lentamente, que eu me transforme em uma máquina pré-direcionada e comece a contestar meus próprios padrões e meus próprios materiais. Espero isso pela experiência, porque o maior erro de um ser humano, por mais que clichê que seja dizer, ainda é o de não querer arriscar, de não querer ser e não fazer. E por isso também em me vender, seja por dinheiro, seja por amor, seja por objetivos sujos, seja pela vingança, pela primorosa vitória, pelo sucesso, ou por uma legião de seguidores. Seja pelo que for, seja por qualquer coisa, também sonho em me vender, tornar-me tão previsível quando o pau de um playboy drogado e garanhão. Quero descobrir o preço do prêmio máximo e por consequência, o preço amargo e ácido do arrependimento, o verdadeiro valor da vergonha, a compensação de tantas risadas externas e chacotas eternas. Eu o farei, eu realizarei, sem medo das boas ou más consequências – porque como o dito popular avisa: “o futuro só a Deus pertence”. Ele pode saber o que acontecerá, mas jamais me impedirá de fazer o que eu quero, o que eu sonho, o quanto quero ganhar – ou perder. O futuro a ele é visível, mas só a mim é moldável. Não importa o preço e o valor, não importa o fim, não importa o início. Se eu tiver de me vender, pelo puro e simples prazer do gosto, da curiosidade, do risco, da excitação pelo desconhecido, então me venderei. Pois ela é minha, e faço eu dela o que bem entender.

6 de janeiro de 2014

É assim que você se torna uma mulher



Não nego o mau caráter de um homem, moça. Não nego que muitos de nós não valemos o chão que pisamos, e que eu mesmo não vali certos chãos que pisei ao longo de minha curta vida. Não nego nossa natureza vil e perigosa, extremamente mentirosa quando há de ser, não nego, não me defendo – condeno a mim e talvez a todos, talvez até mesmo aos mais inocentes que aqui sequer merecem ser citados. Não nego o grande direito de uma mulher ao reclame, à oposição, o direito de questionar e cobrar explicações – quem sabe até a justiça –, mas isso não a concede o direito de menosprezar algo bom em função de uma ocasião que saiu errada. Isso não a concede o direito de encher nossos ouvidos com indiretas banais que nunca atingirão o alvo garanhão, porque provavelmente ele já estará cortejando outra garota, seduzindo-a para um rápido namoro para aconchegar o pau nessa próxima e respectiva vagina. Homens não prestam, é, eu sei, vá em frente, diga isso, não contestarei, só não coloque a culpa em um sentimento puro e bondoso (que você achou estar sentindo) em função de uma desilusão besta e passageira. Há mulheres e garotas com boa intuição, há mulheres e garotas com intuição nenhuma, mas isso não significa que você precisa ser uma panaca mongoloide que acha que encontrou o amor da sua vida na primeira semana de conversa. Sim, homens não prestam, é, eu sei, vá em frente, diga isso, não contestarei, mas não é culpa de todos os seres do meu gênero ou culpa do “amor” que você disse sentir se sua atitude foi infantil e típica de uma princesa babaca da Disney. Isso não é um conto de fadas, moça, viver em um mundo onde “todos os homens, sem exceção, não prestam” te obriga a ser mais esperta e menos medíocre. E aqui vai um conselho: falta de mediocridade não significa ser ranzinza, chata, grosseira ou uma feminista-xiita. Não é culpa de ninguém que sua ilusão tenha dado errado, portanto, não venha culpar o mundo por um vacilo seu; não venha dizer que todos os homens só pensam com o pau, se os poucos com quem você se envolveu só faziam isso. Talvez eles estejam sendo extremamente mentirosos e oportunistas porque viram em você uma garotinha boba e iludida, cheia de expectativas e sonhos levianos. Não culpe um determinado sentimento por uma boba desventura que você teve – é o que quero que você entenda, é o que quero que você aprenda. Uma mulher de verdade... Aliás, uma pessoa de verdade só cresce, verdadeiramente, quando aproveita as coisas boas de um relacionamento e aprende racionalmente a amadurecer com as coisas ruis.
É assim que se cresce, garota: sem culpar ninguém, a não ser a própria ingenuidade e os próprios vacilos.
É assim que você se torna uma mulher.                                                                                                                

Quando encontrei Maria



Quando encontrei Maria, eu andava um caos. Um caos pacífico, desses não destrutivos, desses que não machucam vidas, estava mais para um caos “pós-tempestade”. Quando encontrei Maria, ah, eu lembro muito bem, pouco imaginaria que ela teria um importante papel a desempenhar dali em diante, pouco tinha em mente qual arquétipo de personagem ela seria dentro daquele destruído e massivo roteiro. Quando encontrei Maria, o mais tormentoso problema não era a carência ou o desespero de completar, e sim a solidão de se estar na lama sem amigos ou alguém um pouco além disso. Foi aí que ela apareceu, ironicamente da mesma maneira que a Virgem Santa surgiria para um afogado alcoólatra que busca um propósito. Só que esta Maria em especial era mais real e menos virgem que a mãe de Cristo, ela realmente existia e tinha um marco a cumprir. Quando encontrei Maria, ah, sim, certas coisas fizeram sentido e novamente senti-me afogado em seios maternos – entenda isso como quiser – e calorosas pernas. Quando encontrei Maria, até estive ao ponto de escrever um bom romance inteiro, mas pela primeira vez, vi-me dedicado mais ao tato que à literatura. Escrever tornou-se enfadonho e sem sentido, porque quando encontrei Maria, tive coisas melhores a fazer – como viver.

2 de janeiro de 2014

Chuva de verão



Observei-a cruzar o hall de entrada, absorta do mundo à sua volta. Ela tinha uma espécie de tranquilidade na alma que eu nunca entenderia, e que nunca fizera questão de entender, porque algumas coisas você apenas admira e se apaixona, não tenta entender. Ela parou, fez o seu pedido e olhou para trás, quase na minha direção. Ajeitei os ombros e prendi o ar nos pulmões. Senti as mãos geladas. Obriguei-me a não rir do quão idiota andava sendo naqueles tipos de instantes. Então ela voltou a olhar para o atendente e deixei escapar o ar. Suspirei. Meus punhos se cerravam numa boba apreensão, ela continuou com aquela calmaria inerente à própria pessoa. Sorri, meio abobalhado. Enquanto pagava o que quer que houvesse pedido, a chuva continuava a cair lá fora, contrastando com o céu limpo de sol forte de poucas horas atrás. Eis um detalhe que você nunca vai entender também sobre esta cidade: ela é tão imprevisível quanto o coração de uma mulher, por isso é tão linda e amável, em meio a tantos poréns, você apenas desiste de entender e se entrega ao momento do instante, ao instante do momento, esquece que nem tudo é para ser compreendido, e sim amado – mesmo que seja da forma mais simplória ou extrema, sejam essas coisas mínimos detalhes. A chuva continuou caindo, singela e inocente lá fora, sem agressões, sem ventos fortes, sem fúria ou revoltas, apenas uma chuva normal, uma chuva de verão que volta e meia acolhe-nos as costas, os tetos e os olhos. Enquanto isso, à garota, foi dada uma bandeja e ela esperou pelo tempo que foi necessário, sem contrair os lábios em impaciência, pois em seu rosto era tudo paz. Aí seu pedido foi entregue e ela agradeceu com um fervoroso sorriso, girou sobre as sapatilhas e veio em minha direção. Saboreei minha bebida e contei os segundos. Mil e um, mil e dois, mil e três. Passou por mim e expressou um sorriso educado, do tipo que sempre me oferecia quando nos encontrávamos. Retribui da mesma forma e perdi-a com a visão periférica. Sentou-se no fundo do restaurante, puxando conversa com o rapaz que a acompanhava. O sorriso e o olhar que dava a ele eram verdadeiros, fiéis e dedicados, ambos com estonteantes e amadurecidos brilhos. “Será que ela ainda lembra? Será que também era assim comigo?” Foi meu último pensamento antes de me perder em outras coisas ao olhar lá fora, para a chuva. Pela primeira vez, sem rodeios ou dramatizações, eu estava em paz. E pude finalmente observar a chuva cair.