Perguntaram sobre você na padaria. Às
sete e meia da manhã. O seu Dirceu perguntou, veio-me com um sorriso, um
cumprimento, perguntou o que eu queria e enfim enfiou você no assunto. “Ela está bem”, eu disse, “ela está muito bem, a propósito”, ele
sorriu, agradeceu e se despediu, mas pouco notou o fato de eu ter comprado
quatro pães naquela manhã, ao invés de seis – os seis habituais, de todas as
manhãs, os seis pães com café quente e seu achocolatado gelado. Saí dali e
passei pela vizinha que você chamava de sua avó, porque “ela lembra a minha avó, amor”, você dizia. Ela me cumprimentou com
um bom dia, perguntou como eu estava e perguntou por você. “Ela está bem”, eu disse, “ela
está muito bem, a propósito”, respondi com um largo sorriso sem brilho, ela
assentiu e voltou a atenção ao filho que saía para mais um dia de trabalho em
seu carro. Cruzei outras três casas, duas pessoas e mais duas perguntas. Todos
perguntaram por você, de novo, a dona Ângela perguntou sobre como você ia em
sua oficina de arte, quantos quadros e pinturas já havia feito e em que
momento pintaria as flores do jardim de quintal dela. “Assim que você chamá-la, não acho que vá demorar agora”, respondi,
outro sorriso sem brilho e acenei. Aí entrei em casa e abri portas e janelas,
deixei a luz entrar e sentei à mesa. Pus o café na xícara, cortei o pão, passei
a manteiga que vinha me acostumando a comer diariamente (porque você odeia
margarina), respirei fundo e dei início ao café matinal. Ao fundo, na sala, a
televisão anunciava as notícias do dia, a crescente desvalorização de qualquer
moeda na Ibovespa e qualquer caso alarmante de assalto. O café quente desceu
pela minha garganta. Mastiguei o pão. O celular ao meu lado tocou. Era uma
mensagem. A pessoa me desejava bom dia e perguntou sobre como eu havia
acordado, onde você estava e como eu me sentia com tudo isso. Tudo isso. Pensei em responder, mas o
que eu diria? Não aguentava mais contar mentiras, não em tão pouco tempo, não
aguentava mais aquele papo sobre eu estar “bem”. Eu não estava, porque só havia
quatro pães na mesa, não seis.
22 de fevereiro de 2014
15 de fevereiro de 2014
O Tênue e o Verde
Sem compromisso, com benefícios ou
relacionamento sério. Basicamente, são as principais formas de relação que
podemos evidenciar. Bem aventurados os que saem do marasmo do clichê social e
conseguem pairar entre dois dos três. Eles conseguem. Brincam e slackline com a
linha tênue entre os benefícios e o relacionamento sério. Demasiadamente
perigoso, mas eles estão dispostos a arriscar. “Fogo e gasolina”, antagônicos e
assimetricamente perfeitos. Ele é Vasco e Boêmios; ela, Flamengo e Maracatu –
sim, meio bairrista, então me perguntem depois. Ele firma os olhos nos dela.
Brada de forma agressiva e firme, segurando sua nuca: “Gostosa”. Ela morde os
lábios, um sorriso safado surge para harmonizar com seu olhar de cigana obliqua
e dissimulada Machadiana e sussurra no seu ouvido: “Gostoso”. Ele se arrepia e
também sorri. Um sabe que o outro tem histórias demais, porém isso já não
influencia em nada. São maduros, tem a cabeça centrada. A lacuna que cada um
tem a respeito do outro ajuda também. Mas tem alguma coisa a mais. Eles não
sabem exatamente o que é ou se, na verdade, existe algo. No fundo deve ter. Ele
não perderia uma partida de air hockey pra qualquer uma. Ele leva isso muito a
sério, mas o beijo de consolação valeu cada ponto perdido. Eles subiram naquela
barca onde casais sentavam e riam enquanto, do lado de fora – há uns anos – só
lhes restava menosprezo. Hoje foi ele quem riu junto à ela, sentindo um frio na
barriga. Parte pelo movimento da barca, parte por estar com ela. Todos os
momentos guardados pra contar para o filho que ele ainda vai ter. Ela não vai
ser só mais uma e eles sabem disso. Como diria Michael Kyle, eles têm certo
“fromage”. Provavelmente porque eles se completam. O esmalte dela que ele tira
com a unha, o jeito que ela brinca com a barba dele, o jeito que eles se
entendem sem falar nada até que um fica sem graça, ele observando a serenidade
do sono dela, ele sendo mágico, fazendo-a desaparecer com um abraço. Enfim,
eles são tudo e nada, se equilibrando nessa linha tênue. Ele sempre foi azul;
ela, amarelo. Mas nada impede que, ainda que por pouco tempo, eles possam ser
verde.
(T.S.
Banha)
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