No fundo da gaveta encontrei um
papel, dobrado, amarelado, bem guardado. Li seu conteúdo com uma inocência
disfarçada, pois sabia o que nele havia, mas o li por teimosia, o li para
sentir de novo, como Johnny Cash uma vez cantou: “i hurt myself today, to see if I still feel”. Sobreveio então
aqueles segundos de silêncio, onde nada é dito, nada é praguejado, nenhuma
revolta é feita, onde nenhuma tempestade surge, onde eu não começo a socar a
porta do guarda roupa ou as paredes. Eu não infligi dores físicas, tampouco internas. Foram segundos de nada, não de paz, mas sim de vazio; segundos sem
lembranças, segundos sem sentimentos, segundos com a cabeça baixa e uma
respiração controlada. Um nada complexo, um nada repleto de significados
inúteis, perdidos, saturados, cheios de muitas merdas, mas, ainda assim,
vazios, com espaços não preenchidos, solitários, desolados, bastardos,
amaldiçoados. E então, de repente, tudo passa, tudo volta ao normal, tudo de
volta à normalidade monótona dos últimos anos de indiferença. Eu dobro o papel
de volta e volto a guarda-lo no fundo da gaveta, imaginando que um dia, quem
sabe, durante um apocalipse zumbi, eu cumpra com minha jornada épica de
cavaleiro andante e vá encontrá-la e resgatá-la. Fecho a porra da gaveta e
volto à minha vida normal, tentando esquecer o que naquele pedacinho de papel
estava escrito, tentando enganar a mim mesmo que a partir daquele momento meu
dia não será uma merda – porque será, acabou de ser. Eu vou imaginar o papel,
eu vou imaginar o teu endereço nele escrito, torcendo para que você ainda
esteja lá, quando eu finalmente tomar coragem para fazer alguma coisa.
17 de abril de 2014
15 de abril de 2014
Dias de silêncio
São estes os meus dias de silêncio,
onde não há nada a atormentar, nada a pensar, nada a escrever. Dias que eu
comparo à felicidade para um autor decadente, embora não passe das mais pura e
benéfica indiferença. Dias calmos, sem intrigas, sem conflitos internos, sem
interferências da mulher amada ou da mulher desejada, sem interferências da luxúria,
sem interferências do desejo, da ganância, do sucesso. Dias calmos, pacíficos,
dias onde nada me empurra ao precipício das metáforas ou das crônicas, contos
e blasfêmias. Dias esses perfeitos a qualquer um, perfeitos aos impacientes,
aos enfermos, aos pais de primeira viagem, a qualquer um que ouse julgar-se
normal ou dramático, porém dias profundamente massacrantes e contra produtivos àqueles
ligados a este ofício. Perturbador, desafiando todos os sensos interiores de
obrigação e auto satisfação; dias de paz, agindo sobre os escultures de
palavras como a mais profunda e negra representante da procrastinação, da
preguiça maldita, do relógio que esvai e joga no lixo mais uma hora de suas
vidas distante dos teclados, da cadeira, das bebidas, das dores inspiradoras. Dias
de calmaria e dias de silêncio, imperando para mostrar que nem só de
tempestades fazem-se as agonias e as perturbações. Pois o silêncio, ele é
esmagador, assassino e mortal, sobretudo àqueles que de um “nada” importante
sobrevivem. Sobretudo a esses pobres coitados. Malditos sejam.
4 de abril de 2014
Prosa sobre tomar no cu
E minha quota de paciência se esvai. Gente
empolgada, gente convencida, gente fingindo inteligência, gente superestimando
erroneamente a sabedoria que pouco tem, gente empolgada de novo e gente achando
que muito sabe mesmo não sabendo porra nenhuma. E eu devo aguentar. Devo me
segurar. Devo controlar esse supremo e incômodo nível de stress que só vai me
fazer mal, destruir minha sanidade, paciência e reputação. E por pura garantia,
oficialmente, que todos vocês – apenas os merecedores desta impaciência – tomem
no cu, obrigado. Desejo proferido e
verbalmente consumado. Que tomem no cu vocês e todas suas ceninhas de ciúmes,
suas exigências, suas ordens e suas chateações quando não posso fazer o que
querem, quando querem, porque querem tudo
na hora, porra! Caralho, isso
estressa. Eu não vivo em função de ninguém, porque a vida é assim e de vez em
quando vocês precisam aceitar: ninguém vive em função de ninguém. Então,
formalmente, tomem no cu, exceto aqueles que gostam de tomar, porque aí a história
é outra. Para vocês, eu desejo... Érr, eu
desejo... Eu sei lá, continuem tomando no cu, sem KY, sem saliva, sem vaselina,
sem porra nenhuma. Vão para o Tártaro, Inferno, Sheol ou a uma igreja
protestante com pseudo-exorcismos e gritarias exageradas, vão para o lugar que
for, mas pelo amor de Deus, apenas vão. Sou
pequeno demais para aguentar tantas frescuras, mimimis e o caralho a quatro. Desculpem-me
pela suave falta de poesia nessa prosa, isso fica para a próxima, porque, dessa
vez, é o cu que valerá a atenção. Portanto, cuidem bem dele e façam-me o favor
de abri-lo por aí, nas esquinas, nos botecos, na Doca de Souza Franco, em
frente a hospitais ou nos confessionários de seus templos, seja onde for, seja
como for, apenas o façam.
Sejam felizes. E me deixem em paz.
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