17 de abril de 2014

Endereço



No fundo da gaveta encontrei um papel, dobrado, amarelado, bem guardado. Li seu conteúdo com uma inocência disfarçada, pois sabia o que nele havia, mas o li por teimosia, o li para sentir de novo, como Johnny Cash uma vez cantou: “i hurt myself today, to see if I still feel”. Sobreveio então aqueles segundos de silêncio, onde nada é dito, nada é praguejado, nenhuma revolta é feita, onde nenhuma tempestade surge, onde eu não começo a socar a porta do guarda roupa ou as paredes. Eu não infligi dores físicas, tampouco internas. Foram segundos de nada, não de paz, mas sim de vazio; segundos sem lembranças, segundos sem sentimentos, segundos com a cabeça baixa e uma respiração controlada. Um nada complexo, um nada repleto de significados inúteis, perdidos, saturados, cheios de muitas merdas, mas, ainda assim, vazios, com espaços não preenchidos, solitários, desolados, bastardos, amaldiçoados. E então, de repente, tudo passa, tudo volta ao normal, tudo de volta à normalidade monótona dos últimos anos de indiferença. Eu dobro o papel de volta e volto a guarda-lo no fundo da gaveta, imaginando que um dia, quem sabe, durante um apocalipse zumbi, eu cumpra com minha jornada épica de cavaleiro andante e vá encontrá-la e resgatá-la. Fecho a porra da gaveta e volto à minha vida normal, tentando esquecer o que naquele pedacinho de papel estava escrito, tentando enganar a mim mesmo que a partir daquele momento meu dia não será uma merda – porque será, acabou de ser. Eu vou imaginar o papel, eu vou imaginar o teu endereço nele escrito, torcendo para que você ainda esteja lá, quando eu finalmente tomar coragem para fazer alguma coisa. 

15 de abril de 2014

Dias de silêncio



São estes os meus dias de silêncio, onde não há nada a atormentar, nada a pensar, nada a escrever. Dias que eu comparo à felicidade para um autor decadente, embora não passe das mais pura e benéfica indiferença. Dias calmos, sem intrigas, sem conflitos internos, sem interferências da mulher amada ou da mulher desejada, sem interferências da luxúria, sem interferências do desejo, da ganância, do sucesso. Dias calmos, pacíficos, dias onde nada me empurra ao precipício das metáforas ou das crônicas, contos e blasfêmias. Dias esses perfeitos a qualquer um, perfeitos aos impacientes, aos enfermos, aos pais de primeira viagem, a qualquer um que ouse julgar-se normal ou dramático, porém dias profundamente massacrantes e contra produtivos àqueles ligados a este ofício. Perturbador, desafiando todos os sensos interiores de obrigação e auto satisfação; dias de paz, agindo sobre os escultures de palavras como a mais profunda e negra representante da procrastinação, da preguiça maldita, do relógio que esvai e joga no lixo mais uma hora de suas vidas distante dos teclados, da cadeira, das bebidas, das dores inspiradoras. Dias de calmaria e dias de silêncio, imperando para mostrar que nem só de tempestades fazem-se as agonias e as perturbações. Pois o silêncio, ele é esmagador, assassino e mortal, sobretudo àqueles que de um “nada” importante sobrevivem. Sobretudo a esses pobres coitados. Malditos sejam.

4 de abril de 2014

Prosa sobre tomar no cu



E minha quota de paciência se esvai. Gente empolgada, gente convencida, gente fingindo inteligência, gente superestimando erroneamente a sabedoria que pouco tem, gente empolgada de novo e gente achando que muito sabe mesmo não sabendo porra nenhuma. E eu devo aguentar. Devo me segurar. Devo controlar esse supremo e incômodo nível de stress que só vai me fazer mal, destruir minha sanidade, paciência e reputação. E por pura garantia, oficialmente, que todos vocês – apenas os merecedores desta impaciência – tomem no cu, obrigado. Desejo proferido e verbalmente consumado. Que tomem no cu vocês e todas suas ceninhas de ciúmes, suas exigências, suas ordens e suas chateações quando não posso fazer o que querem, quando querem, porque querem tudo na hora, porra! Caralho, isso estressa. Eu não vivo em função de ninguém, porque a vida é assim e de vez em quando vocês precisam aceitar: ninguém vive em função de ninguém. Então, formalmente, tomem no cu, exceto aqueles que gostam de tomar, porque aí a história é outra. Para vocês, eu desejo... Érr, eu desejo... Eu sei lá, continuem tomando no cu, sem KY, sem saliva, sem vaselina, sem porra nenhuma. Vão para o Tártaro, Inferno, Sheol ou a uma igreja protestante com pseudo-exorcismos e gritarias exageradas, vão para o lugar que for, mas pelo amor de Deus, apenas vão. Sou pequeno demais para aguentar tantas frescuras, mimimis e o caralho a quatro. Desculpem-me pela suave falta de poesia nessa prosa, isso fica para a próxima, porque, dessa vez, é o cu que valerá a atenção. Portanto, cuidem bem dele e façam-me o favor de abri-lo por aí, nas esquinas, nos botecos, na Doca de Souza Franco, em frente a hospitais ou nos confessionários de seus templos, seja onde for, seja como for, apenas o façam.
Sejam felizes. E me deixem em paz.