No fundo da gaveta encontrei um
papel, dobrado, amarelado, bem guardado. Li seu conteúdo com uma inocência
disfarçada, pois sabia o que nele havia, mas o li por teimosia, o li para
sentir de novo, como Johnny Cash uma vez cantou: “i hurt myself today, to see if I still feel”. Sobreveio então
aqueles segundos de silêncio, onde nada é dito, nada é praguejado, nenhuma
revolta é feita, onde nenhuma tempestade surge, onde eu não começo a socar a
porta do guarda roupa ou as paredes. Eu não infligi dores físicas, tampouco internas. Foram segundos de nada, não de paz, mas sim de vazio; segundos sem
lembranças, segundos sem sentimentos, segundos com a cabeça baixa e uma
respiração controlada. Um nada complexo, um nada repleto de significados
inúteis, perdidos, saturados, cheios de muitas merdas, mas, ainda assim,
vazios, com espaços não preenchidos, solitários, desolados, bastardos,
amaldiçoados. E então, de repente, tudo passa, tudo volta ao normal, tudo de
volta à normalidade monótona dos últimos anos de indiferença. Eu dobro o papel
de volta e volto a guarda-lo no fundo da gaveta, imaginando que um dia, quem
sabe, durante um apocalipse zumbi, eu cumpra com minha jornada épica de
cavaleiro andante e vá encontrá-la e resgatá-la. Fecho a porra da gaveta e
volto à minha vida normal, tentando esquecer o que naquele pedacinho de papel
estava escrito, tentando enganar a mim mesmo que a partir daquele momento meu
dia não será uma merda – porque será, acabou de ser. Eu vou imaginar o papel,
eu vou imaginar o teu endereço nele escrito, torcendo para que você ainda
esteja lá, quando eu finalmente tomar coragem para fazer alguma coisa.
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