21 de agosto de 2014

Senso de obrigação



Então é isto: aquele cara vagabundo jogado pelos cantos da vida, sustentado por ajudantes bem intencionados e bem visto por pessoas que insistem em garantir a ele a melhor reputação entre os homens e descendentes sanguíneos. Já ouviram falar daquele suposto talento desperdiçado, que teve tudo, mas não aproveitou nada? Pois é. Com a pequena ressalva de que “aproveitar” talvez não seja a palavra mais adequada, quando temos aqui mais uma questão de vocação do que determinação e desperdício. É. Nas coisas mais importantes, para esse cara, não há um senso urgente de obrigação, sobretudo nas coisas que dizem respeito ao meio acadêmico. Em sua cabeça deturpada, toda essa corja não passa de sujeitos arrogantes de queixo empinado que se julgam superiores por possuírem um diploma que, cá entre nós, nem sequer caráter garante necessariamente. Mas não generalizemos, que fique claro. Nesse meio de ovelhas peludas, acomodadas e cultas, para ele é um extremo esforço de paciência galgar semestres e anos, quando no fundo só enxerga a tudo como uma sutil diversão, feita apenas por distração e “vamos lá, talvez seja legal, faço por status e porque o script manda”. Não há nenhum senso íntegro e fidedigno de obrigação aqui, apenas um estorvo transbordando de balelas e idealizações alheias que só pretendem a tudo opinar, opinar e pouco agir ou se autocriticar.
Para esse suposto “talento desperdiçado”, o verdadeiro senso de obrigação não reside num trabalho para a próxima semana, uma apresentação de seminário ou presença na listinha do grande e brilhante docente. Para esse lixo menosprezível ambulante, o verdadeiro senso de obrigação é sentar para digitar coisas irrelevantes e mesquinhas como esta; alguns parágrafos por dia; algumas pequenas grandes e imperceptíveis histórias que ninguém percebe, porque a vida é mais altiva que isso e para os outros continua a girar com distrações e obrigações mais importantes. No fim do dia ou no fim da semana, no fim do mês ou no fim do ano, quando esse suposto “talento desperdiçado” não cumpre com sua particular carga horária ou plano de escrita, o incômodo bate forte como uma punheta bem dedicada, tão forte e sádica, dolorosa, repleta com o mais puro e sujo sentimento de culpa. O que realmente incomoda é esse desperdício permeado pela procrastinação da não-escrita - porque isso sim é o que vale para ele.
Sua verdadeira vocação são as linhas diárias, seja de uma crônica suja e utópica, seja de uma grande ficção fantasiosa de terror e suspense. Reprovar semestres e acumular faltas para ele é meramente um peso irrelevante, pois o que pesa é o desperdício de sua vida a cada momento em que não finaliza suas vãs criações.
Esse é seu verdadeiro senso de obrigação. Ele nasceu para essa merda.


2 comentários:

  1. Você continua genial.
    Ninguém em sã consciência haveria de dizer o contrário.
    Merdas como essa valerão ouro um dia.

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    1. Que os deuses te escutem, anônimo. Que os deuses te escutem!
      Muito obrigado! :D

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