13 de setembro de 2014

Complexo de Lúcia



Agora eu lembro dos primeiros textos escritos e dos primeiros planos para tornar a semente em algo maior. Daí nasceu Lúcia, aquele broto que sinceramente nunca chegou a florescer de verdade, e nem precisou, morreu ali mesmo no buraco raso em que cavei com mãos rasas e unhas sujas. Lúcia morreu lá, não num depósito de nascimento, mas numa tumba artesanal, esquecida por tantos anos que ninguém além de mim há de lembrar. Lúcia tinha outro nome, como há de se presumir, um nome tão esquecido que é até engraçado lembrar isso agora. Lúcia era chamada T naquela época, antes que tempestades mais arrebatadoras e que se prolongam até hoje me atormentassem. Lúcia ali foi catacumbada, morta, esquecida, libertada da minha obsessão poética e real. E no entanto, um dia qualquer desses, um dia de frutífero planejamento meramente criacionista, Lúcia renasce, não como T, não como M, não como G, mas como obra própria, e sim como Lúcia propriamente dita, do mesmo modo que Maria nasceu sem ter existido ou sem ter se originado do derradeiro C. Lúcia é Lúcia assim como Maria é Maria. O problema é que o complexo de Lúcia e o complexo de Maria tendem a se inclinar em previsões completamente proféticas por obras irônicas do destino, no meu caso, a vida imita a minha arte, bem antes de minha arte passar para o papel, bem antes do mundo conhecer a arte da qual me refiro, quando ela reside apenas nos meus planejamentos pensativos e esboços perdidos em meio às matérias no caderno e nos blocos de nota que espalho pelo quarto.
O mais engraçado, em minhas conclusões introspectivas, é que os complexos de Lúcia e Maria têm o mesmo ímpeto trágico do complexo de Cassandra, aquele que é tão usado em obras fictícias de ciência e enredos mais fantásticos. Já as minhas ficções, com âmbitos mais realísticos, irônicos, sujos e relendo minha própria realidade, com casas cheias de lobos solitários e perdidos, embora não tão fantasiosas assim, insistem em imitar o complexo de Cassandra - e eu juro que lembrei de Cassandra no exato momento em que passei a escrever sobre ela neste texto. Nem isso eu planejei, e porém até aqui a vida profetiza, brinca e escarna.
É engraçado. É irônico.


2 comentários:

  1. Devo admitir que não acompanho tanto seu blog quanto gostaria. Deve ser a terceira ou quarta crônica que leio e cada uma me encanta de um jeito único. Novo ao mesmo tempo em que traz nostalgia.
    Kisu ^3^ no kokoro <3

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    1. Obrigado, Maria! Nem precisa acompanhar sempre, é só dar uma volta de vez em quando por aqui e eu já sou grato!

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