Esperei tempo suficiente para isso, e
no fim, o que consigo absorver de tudo? Força.
Superação. Sua história foi sempre sobre os finais, todos eles, dos pouco
felizes aos mais trágicos, aos mais sarcásticos, irônicos e – pasmem vocês –
raríssimos depressivos. Quando você chegou até a última linha em seu último
suspiro, a história se completou com uma lição que o mundo jamais entenderá. Porque
você não almejou a morte como destino final, na verdade você lutou contra ela,
mostrou-me que, por mais que ela fosse inevitável, isso pouco significaria
diante de uma risada forte e canalha. Você me ensinou, em meio às lágrimas, que
chorar é profundamente necessário, porém não o ponto principal da jornada. Ensinou-me
que eu preciso abraçar a dor, sentí-la, entendê-la e seguir em frente; ensinou-me
que por vezes as merdas serão grandiosas e onipotentes, mas jamais fortes a
ponto de me vencerem. Você me ensinou, em cada frase que o mundo interpretou
erroneamente, que no fundo eu sou mais forte que qualquer um deles, justamente
porque tenho a decência de não esconder minha dor, sofrê-la o quanto devo e seguir em frente, lá na frente, sempre em
frente, à frente.
No final dessa magnífica jornada,
traçada por poucos daqueles que se dispuseram a caminhá-la, entendi que a morte
nunca será de fato um fim, e sim um lembrete de nossa breve, porém
indescritível imensidão enquanto vivos. A morte é e sempre será um memorando,
uma memória quase física do que viemos fazer e o quanto devemos deixar nossa
presença em pequenos gestos, pequenas letras, atitudes, livros ou músicas. Ensinou-me também que, enquanto alguns riem de
mim – o que provavelmente estarão fazendo neste exato momento –, devo continuar
pacífico e compreensível à incompreensão alheia; ensinou-me que o mundo é um
lugar sujo, fétido e abandonado, recheado de almas boas tentando fazer o máximo
para mudá-lo, talvez minimamente, talvez quase nada, porém alguma coisa. E aí, consequentemente, aprendi que talvez o
mundo nunca mudará, não enquanto eu ou meus netos estivermos respirando, talvez
a mudança nunca ocorra, talvez nunca aconteça, mas, caralho, e daí? Entre as
inúmeras lições que eu aprendi com você, lembro todos os dias que um dia eu
também terminarei em morte, ossos e pó, não farei a mínima diferença num futuro
a curto ou longo prazo, mas isso não deverá me desanimar, pois é exatamente
essa a real lição de viver: fazer valer a pena, saber sofrer, morrer todo santo
dia e se reerguer juntamente com o Sol nascente. Merdas virão, sempre e sempre,
de novo e de novo, merdas sempre nos farão companhia, principalmente a
derrotados como nós, sobretudo a lindos
perdedores como cada um de nós, mas, novamente,
e daí?
Porque foi o que eu aprendi com você,
e não somente neste um ano de ausência e luto, como também em todos os anos em
que esteve ao meu lado. Estando você verdadeiramente morto ou não, sendo sua
morte uma grande farsa regada a dramas, lágrimas e gargalhadas, fica-me claro o
sentido de tudo isso, as coisas que aprendi, o quão forte meu “coração à prova de balas” precisou ser
ou precisa vir sendo. Essa morte, genuína ou não, vem para lembrar sua
verdadeira ação em vida: não me deixou cair, por mais que a você fosse
atribuídos caráteres pessimistas, depressivos, decadentes ou autodestrutivos.
Bem, eles não te conheceram, porque eles não foram ao fundo da privada comigo,
estavam ali mais para rir do que me puxar de volta. Os malditos desgraçados com
rabos alargados só souberam agregar a você – friso: “erroneamente” – coisas
das quais sempre me ensinou a combater. Eles não te entenderam, e como bons
críticos “alá baseados em porra nenhuma”, continuarão falando, falando e
falando. Mas eles não viram o que eu vi, jamais enxergaram o que eu realmente
enxerguei, pois você me tirou da merda do poço em cada santo dia que eu jurei
dar um fim ao meu melodrama patético, você me manteve, me fez olhar no espelho
e aceitar: “esta merda que eu sou, é quem
eu sou, e é uma bela merda, uma merda linda de se ver”.
E eis aqui o seu fim: com críticas,
viadices, ironias bem montadas, mais críticas e um pouco mais de viadices. Fantasiando,
forjando, falsificando ou não esta morte, você me ensinou, acima de tudo, que o
que importa não será jamais o destino, e sim a jornada. Eu entendo sua partida,
eu a compreendo e não a amaldiçoo. Porque ela é a prova final de tudo que a mim
e a muitos outros foi ensinado. É como o bom final de uma história bem montada:
já era previsto, nos foi revelado desde o momento em que você nasceu, e por
isso sua missão foi cumprida. Missão
cumprida, tarefa ensinada. Quando é chegada a sua hora, dores não deverão
ser clamadas muito menos revoltas ou desistências, pois o significado de toda
essa negra e ensanguentada jornada não estava focado na sua morte, e sim na sua
vida. Por isso ela nunca irá me
parar. Nem a mim, nem a qualquer um de nós.
Tenha certeza disso.