7 de maio de 2015

Cavaleiro das Trevas (Parte 2)



Frank Miller, essa é para você.
Eu queria aqui dizer o quanto poderia citar o nome de sua obra, eu queria verdadeiramente fazer dessa referência uma claridade aos olhos do mundo, mas acho que deixar subentendido no turbilhão das minhas ideias já é o que basta: Ele retorna, e retorna em paz. Aliás, Frank, não é necessariamente para você que direciono todas estas palavras, não é nem para ninguém diretamente, e sim talvez para este pequeno alívio que me escapa os lábios. Caráter sempre importou, mas reputação incomoda – e uma reputação limpa depois de tanta lama erroneamente espirrada é o maior dos alívios que um mendigo espiritualista pode ter. Tudo o que me basta agora é saber que no fim das contas nem tudo foi como eu havia enxergado, porque talvez eu estivesse cego e desesperado demais para perceber, jogado no meio do furacão que me sujava com vilania e canalhices. Por um tempo eu até cheguei a amar aquela letra que celebrava o novo membro no clube, isso porque, na época, de fato havia me convencido de que talvez o mundo tivesse razão. E minha personalidade fraca, ao invés de mostrar o contrário, decidiu abraçar a máscara e fazer dela a minha realidade. Mas não era, Frank; mas não era, Matanza. Esse canalha talvez seja quem eu me transformo vez ou outra, em um lapso e outro, mas sabe aquele lance sobre caráter? Então. É o que eu tenho, e isso ainda que me seja uma derrota acaba configurando um alívio: melhor ser um idiota em paz do que ser feliz em um balde de lama.
Não que o meu caráter seja dos mais limpos, mas ver os acusadores revelando-se como sempre partidários da minha causa é de uma gratificação imensurável. Eles nem sequer eram os juízes que eu havia julgado, talvez não passassem de peças igualmente jogadas num tabuleiro repleto de artimanhas e trapaças, que os controlava tanto quanto controlavam a minha imagem – a minha sujeira.
É com pesar que me arrependo de tê-los odiado tanto. É com alegria que hoje celebro minha alforria.
Caráter custa muito, mas reputação incomoda – ou alivia.
É, Frank, acho que agora posso fazer a referência: O Cavaleiro das Trevas Retorna.  



CAVALEIRO DAS TREVAS (PARTE 1)



1 de maio de 2015

Escarlate



Havia um punhado de ódio naqueles punhos, enraizando-se sob a pele, carne, sangue, por entre as veias, cravado nos dedos. E então ele matava, degolava e destruía, sem pensar duas vezes. Tanto ódio, menino, tanta inveja compulsiva. Inveja por você ter tudo o que eles querem e eles terem tudo o que você quer. A grama do vizinho é sempre tão mais bela, verde e bem cuidada, ou a grama do vizinho tem sempre tem aquele arranjo de flores que a sua nunca terá. Daí vem a raiva, daí vem a inveja. Mas e se isso for justificável entre as justificativas que você cria em sua cabeça, aqui vai: eles não merecem essas cores, eles não merecem essa normalidade; só merecem, talvez, toda aquela falta de cérebro, de astúcia, de inteligência, “cognição” nas palavras da admirável professora. Ah, não, eles não merecem nada de tudo o que possuem exceto o que já não possuem. Mundo injusto, mundo ingrato, mundo vil da verdadeira meritocracia. Lembre-se, no entanto, que a maldição circula nas veias, garoto. Intrincada nas mesmas veias pelas quais corre esse ódio, essa fúria, essa inveja, essa injustiça. Pelo sangue se prolifera a má sorte, o azar, a infelicidade, e muito bem prosperará em caso de reprodução – por isso você detesta a ideia de criar uma vida e trazer um ser inocente a este planeta sujo de seres sujos e imundos. Poupe uma vida, poupe-a de viver, poupe-a de existir.
E se puder, garoto, pule esse muro com um galão de gasolina. Toque fogo naquela grama, mas não esqueça da sua. Tudo o que eles possuem é um punhado de flores bonitas e bem cuidadas, profundamente frágeis. Mas não esqueça da sua. Toque fogo nela quando estiver pulando o muro de volta, toque fogo na sua própria grama, queime o seu verde, queime suas flores tão belas que nasceram sem nem ao menos terem sido regadas. Eu garanto que elas vão crescer de novo – porque o solo é bom, fértil e esperto, verdadeiramente valioso –, num tom vibrante e escarlate mais forte, mais vivo, com todos os adjetivos de antes e todos os adjetivos dos vizinhos. A isso eu chamo de karma: maldito, sujo, a volta do anzol. Não nesta vida, garoto, não em uma década, não em duas, não nesta existência.
Talvez na próxima, porque você ainda está arcando com o karma da vida passada – e tão cedo não vai parar de pagar.