28 de junho de 2015

Jorge, Jorgismunda e Jorgina (uma história de amor dos tempos modernos)



Quando a história veio a público, a plateia urrou de espanto: Jorge havia trocado Jorgismunda pela Jorgina.
Porém se me derem a chance de defender o coitado (e até talvez Jorgismunda seja igualmente coitada na história toda), começo afirmando que nem por adultério a confusão se configurou.
Na mais verdadeira ordem das coisas, tudo aconteceu assim: amor, geladeira, indiferença, perseguição e amor de novo (só que agora pela Jorgina). Para mais sinceridade na conversa, ainda venho aqui frisar outra coisa, a grande e real razão pela qual Jorgina tem sofrido tanto no meio dessa novela e o porquê de Jorgismunda ter descido do salto e se arrastado na lama: é porque Jorgina é magra. Digo, no fundo nem “magrinha” Jorgina é, para os moldes ferrenhos da sociedade trituradora, Jorgina nada mais passa de um graveto, uma “fumaça de meia-noite” como diz meu avô, uma Olívia Palito com um pouquinho de peitos. Mas Jorgina é linda. E pra piorar tudo, Jorgismunda também é, só que a Jorgismunda é mais mulher, é mais velha que Jorgina por três anos, e é maior nas bundas, nas pernas, nos peitos e até na boca, porque o lábio superior da Jorgina é fino e quase inexistente, dando a ela uma aparência engraçada com aquele buço salientado. Aliás, enquanto Jorgina tem as pernas finas e ligeiramente inclinadas num ângulo fechado, Jorgismunda fica por aí nas esquinas cuspindo na imagem dela, debochando porque a garota “já estava na vida dele sabe-se lá desde quando”. Mal sabe Jorgismunda que o Jorge conheceu a Jorgina cinco semanas e vinte e sete dias depois que ela disse “to cansada dessa merda”, chamou-o de filho da puta e inventou ciúmes da vizinha Jorgimira, quando na verdade só queria esconder que andava há dois meses arrastando asas para o companheiro de pelada de Jorge, o Jorgildo. Só que pobre Jorgismunda, ninguém sabe que no fundo ela não é barraqueira, mas sim apenas uma mulher que queria ser devidamente amada como todo qualquer ser humano, seja Jorge, Jorgina, Jorgimira ou Jorgildo. Jorgismunda tem bom coração, mas o único que sabe disso é o Jorge. Só que o Jorge cansou, porque Jorgismunda cansou o Jorge. Jorge conheceu Jorgina enquanto Jorgismunda se vangloriava por finalmente ter recebido um orgasmo de Jorgildo – e mesmo assim quase não teve graça. Jorge conheceu primeiro o sorriso de Jorgina, depois a voz, em seguida o olhar e por muito último o aroma dos cabelos. Quando conheceu os lábios finos de Jorgina, ele ainda se corroía pela culpa de ter deixado Jorgismunda em casa com raiva, porque nem no clube de poesias do bairro ela queria deixar o coitado ir. Foi lá que Jorge conheceu Jorgina, lendo um poema de Augusto dos Anjos – mais precisamente recitando os Versos Íntimos do poeta. Mas também se engana quem acha que Jorgismunda não lê poesia ou não goste dela – poucos sabem que foi defendendo o direito dos homens e mulheres, crianças, idosos e índios que gritando um poema revolucionário Jorgismunda conquistou Jorge numa praça pública. Jorgismunda é linda, é bela, é forte e totalmente capaz. Jorge amava aquilo, mas só amou até quando deu. Para Jorge encheu, para Jorge morreu. Só que a bendita raiva da Jorgismunda enquanto rebolava com vigor sobre Jorgildo fingindo que ele era Jorge, é que Jorge foi justamente se apaixonar por uma “feia, magricela e sem graça com corpo de criança” tal qual Jorgina era. Jorgismunda não lembrava agora o quanto defendia a queda dos padrões de beleza como sinônimo de personalidade; pobre Jorgismunda, parecia ter esquecido que lutava bravamente contra homens que só julgavam mulheres pela beleza, e que agora repudiava Jorge por ter se apaixonado por alguém “menos bonita” que ela. Jorgismunda só tinha era raiva da mudança, raiva da mudança para “algo pior”.
Mal sabia ela que Jorgina era um amor. E mal admitia Jorgismunda que Jorgina era linda e perfeita aos olhos de Jorge, como outrora ela também fora. Jorgismunda mal sabia de muita coisa, por isso preferia xingar a Jorgina – era mais fácil superar assim.
E para finalizar na defesa de Jorge, tudo o que digo é que ele está bem (aposto que aquele “corpo de criança” o faz muito bem entre um suspiro e outro). Jorgina é um amor, ela até torce para o mesmo time carioca, caçoado e azarado que o Jorge torce – Jorgismunda torcia para o Timão, só para ressaltar. Jorgina faz um café excelente e frita uma salsicha maravilhosa com ketchup na frigideira. Jorgina é jovem, quase uma criança, mas tem a cabeça no lugar. Jorgina faz o Jorge feliz, de um modo que tão cedo a Jorgismunda não conseguirá fazer feliz o Jorgildo – porque o Jorgildo a essa hora nem com a Jorgismunda está, ele está com a Jorgimira, a vizinha do Jorge que a Jorgismunda fingia ciúmes.
Pobre Jorgismunda: só não queria admitir que havia perdido o Jorge por ter amado errado, e agora amava sozinha, ressentida e falando mal da Jorgina, pouco sabendo que Jorgina era um amor.
Mas, sincera e calmamente, outro dia falo sobre a Jorgina, porque Jorgina é linda e merece algo somente seu.