Duas bocas pra trás e a vida foi um
sossego – sem turbulências, sem joguinhos, sem refluxos descarados, sem
intriga, ciúmes ou invejas. Duas bocas pra trás e havia paz, havia aquela
estranha sensação que a maioria das pessoas só experimenta até os primeiros
anos da vida adolescente, antes de todos os probleminhas cochichados por aí
explodirem. Duas bocas pra trás e fico feliz em saber que minha fase de “não-problemas” durou por um tempo longo
até demais – e mesmo eu, que enxergo um obstáculo a cada solução, consigo
admitir que pelo menos aí a vida foi generosa – mas terminou e veio tudo só de
uma vez, num refluxo lazarento e arrogante, sem rodeios, sem escrúpulos: duas
bocas pra frente e nasceram problemas, provocações, tons sarcásticos, menções
irônicas, olhares difamatórios e confusão. Duas bocas pra frente e nem mesmo eu,
que ainda tenho todo o direito jurídico e moral de cuspir nos pratos em que comi, não consigo fazer isso por um simples ato de lealdade à pequena parte de caráter
que me restou. Jamais teria a suprema e santa atitude da hipocrisia, não diria
mal algum dos pratos que procurei, embora hoje eles façam isso de mim porque, ora, não os continuei procurando –
espantoso que uma pequena atitude não correspondida possa gerar tanto alvoroço,
confusão e disse-me-disse. Benditas bocas
– atraentes à princípio, danosas a seguir. Duas bocas pra trás e a vida até
tinha certa tranquilidade, certa paz, certa anonimidade.
Anonimidade porque nada acontecia, nada era dito, nada era inventado, nada era
mal interpretado ou mal propagado; anonimidade porque ninguém era importante o
suficiente para se vitimizar, provocar e envenenar; anonimidade porque bocas paravam casualmente em outras como
sempre aconteceu desde o início dos tempos casuais, e nenhuma fofoca não-casual
ocorria nessa vida-simplesmente-casual onde julgam um simples fato casual por canalhice
ou sem-vergonhice. Duas bocas pra trás e não existiam joguinhos e pequenas provocações
entre um passeio e uma volta em livraria. Duas bocas pra frente e agora há de se revidar
– um silêncio, um corte de relações, uma vergonha cravada nos lábios e na
lembrança.
Duas bocas pra trás e tudo era
tranquilamente calmo, tranquilamente perfecto.