Subi a Mundurucus.
Perdi a conta de quantas vezes eu
havia subido a Mundurucus alguns anos antes, quando esvoaçantes cabelos
castanhos por ali me chamavam. Agora não havia cabelos castanhos, nem negros,
nem loiros, ruivos ou azulados – estas palavras sequer são a respeito deles. Não
havia cabelos, na verdade. Havia meus passos, havia minha respiração quase
ofegante e a total consciência dos meus atos ao não trazer qualquer companhia
comigo, porque a presença de qualquer outra pessoa traria consigo a responsável
necessidade de não ter um progressivo ataque de pânico ou de ansiedade. Aliás, onde estão os meus óculos? Tudo
andava meio embaçado – literalmente, sem quaisquer significados conotativos. A
Máfia Branca atacava de novo: as palavras “rins”,
“alteração” e “três meses” erguiam pernas e braços diante de mim como dançarinas –
dançarinas do Diabo, se bem
entenderes a referência. A maldita Máfia Branca atacava de novo, trazendo-me
notícias das quais eu não andava muito disposto a ter conhecimento. Aí eu paro
na esquina da Mundurucus e Serzedelo, o semáforo está vermelho. Respiro fundo. O que eu faço agora? Corro para anunciar
a notícia, abraço feito um maricas o travesseiro antes de dormir ou sento e
simplesmente começo a gargalhar? Gargalhar. É o que quase estou fazendo – e tenho
feito muito ultimamente: rindo descontroladamente diante de todos, no meio da
rua, dentro do ônibus, sentado em uma praça pública ou bebendo aquela cerveja
quente e odiosa no fim da noite enquanto todos vão embora da festa. Eu estou
rindo. Rindo gloriosamente desesperado. Rindo. Rind. Rin. Rins, alteração e 3 meses não soam muito bem em uma mesma frase. Não
soam muito bem em uma mesma frase vinda em sua direção, lançada como uma bomba
de merda no ventilador.
Continuo a subir a Mundurucus e sinto
saudades de sete anos atrás, quando eu fazia o percurso com outro propósito e com
a certeza de uma vida inteira pela frente. Mas agora lembranças estavam enterradas,
casas estavam desocupadas, quartos eram habitados por estranhos, jardins não
testemunhavam virgindades perdidas e nem o fast food da esquina possuía o mesmo
significado, porque tudo isso está morto tanto quanto eu... Ei. Ironia
fresquinha. Pela primeira vez percebo que há um hospital na Mundurucus. Na
verdade, um Centro. Monteiro Leite. Hemodiálise.
Rins. Alteração e 3 meses. É dali para baixo: o que começava com algumas pílulas
agora levava para o fundo do poço que sempre o estivera chamando, embora você
nunca tenha se permitido pular. Agora que pula, tudo vem à tona – as voltas do
Universo, o Karma por talvez ser comunista na vida passada ou simplesmente a
efetivação da lei de Causa e Efeito.
Uma bomba no ventilador.
Paro diante do Centro e começo a rir. Puta merda, isso é sério? Você realmente
sempre esteve aí ou não passa de um infeliz, sádico e genial deboche? Talvez
seja essa a feliz vontade do destino, uma vez mais sendo o bom e velho destino.
Continuo a subir a Mundurucus com um
sorriso nos lábios – eles estão secos, meu peito ofegante e antes fosse pelo
cansaço físico.
Estou rindo e odiando a Máfia Branca –
Máfia que me persegue desde a infância, Máfia que eu deveria manter por perto,
ao invés de fugir por tantos anos. A Máfia Branca diz que está aqui para ajudá-lo
a melhorar, diz que se importa e que pretende salvá-lo de si mesmo. É aqui que discordo: arauto da tragédia, fajuto Tirésias. Você está aqui para anunciar as notícias ruins, você está aqui para anunciar
notícias ruins que nunca irônica ou verdadeiramente se efetivam antes de seus
discursos polidos, exames precisos, diagnósticos dramáticos ou soluções (nada)
empolgantes serem instituídos.
Maldita Máfia Branca, antes de pisar
ali, eu juro que tudo andava bem, tudo andava nos conformes.
Eu preferia o estado anterior, eu desejava
não saber até o preciso momento crítico e derradeiro – esse, aliás, sempre fora o plano.
Afinal, é como dizem: ignorância pode
ser privilégio.