15 de janeiro de 2016

Beleza é fundamental





“As muito feias que me perdoem, mas beleza é fundamental”.

E que os muito feios me perdoem também, mas beleza, como bem disse Vinicius, é fundamental. E ai de quem não a possuir, ai de quem não a deter nos dias de hoje – nesse mundo insano de voltas e palavras insanas, com julgamentos e certezas e leis e regras insanas. Beleza, como eu naturalmente tantas e tantas vezes já recitei por aqui, é fundamental. Beleza é cobrada tanto quanto a falta dela é notada – pois eis o meu exemplo: hipocrisia seria dizer que não ligo para ela, que não me importo em ser feio e que minha personalidade cem porcento bem construída é incólume e rechaça qualquer desmoralização estética. Puta balela. Mentira minha seria fingir que não ligo quando olho diante do espelho e encaro essa boca grande demais, esses dentes ridículos, pequenos, mal unidos e mal feitos; o sorriso escroto e os olhos sempre inchados, que mesmo quando não estão sonolentos, o parecem; o corpo mal feito, os braços de louva-deus e a estrutura esquisita, a baixa estatura, a frágil e pouco respeitada aparência. Estaria eu mentindo se dissesse que não me importo com essas coisas, quando diariamente sou bombardeado por piadinhas e olhares esquisitos. Estaria eu mentindo se dissesse que fui treinado, desde a infância, a aguentar chacotas e piadas, porque não fui – eu nem sequer fui treinado a ser aquele que fazia as piadas, porque aí, talvez, eu deixaria de olhar para a minha própria feiura para notar somente a feiura alheia.
Porém não, não sou fruto de uma psicologia forte. Sou fruto da psicologia que se deixa abater por cada olhar enviesado de escárnio e de superioridade, pelos comentários que por aí me julgam de “feio” quando questionam o porquê de eu desposar uma pretendente tão linda. Aliás, eles sempre o fazem: comparam-na por não combinar comigo, comparam-na por ser vários centímetros mais alta; dizem, com suas palavras infames, que pela minha magreza eu jamais daria conta daquele corpo tão esbelto, e julgam-me indigno de seu amor, de sua presença, de sua companhia ou amizade – só porque eu sou feio demais, e ela, linda demais. Estaria eu mentindo descaradamente se dissesse que não ligo para merda nenhuma, e estaria mentindo, com cada fibra de minha existência, se dissesse que me contento ao perceber que ao longo da vida inteira tentei compensar a falta de beleza com um pouco de inteligência, educação ou bondade. Estaria eu mentindo se dissesse que o argumento “o importante é o caráter” me agrada, ou que “tanta gente bonita por aí, mas não possuem a metade da inteligência ou coisas boas que você” me convence. Porra nenhuma, que se lasque essa filosofia perdedora, de quem quer dar significado ao pouco que tem.
O mundo que me perdoe, mas beleza é fundamental. Se não fosse, tantos de nós não seriam julgados, tantos de nós não seriam esculachados e pisoteados pela ignorância dos belos e por todo o sucesso que eles alcançam.
Estaria eu mentindo se dissesse que me sinto feliz, grato ou verdadeiramente em paz e privilegiado pela capacidade neural de pensar e raciocinar que cultivei até hoje, em detrimento da falta de beleza claramente estampada em meu feio ser exterior – e por vezes, agora gradativamente, no interior também. Estaria eu mentindo se dissesse que não ligo para o aborto satânico que vejo todos os dias diante do espelho – isso quando tenho a vontade de encará-lo. Estaria eu mentindo se dissesse que não sofro e que sou um homem-másculo-forte-e-inabalável e que toda essa reclamação existencial é pura frescura, coisa de mariquinha e de gente criada a leite com pera. Estaria eu mentindo se dissesse que não cultivo ódio por todos que caçoam de mim, porém que não enxergam seus rostos que lembram um rato, ou ao corpo magro conquistado à base de dias de fome e doses de laxante, ou aos balofos ofegantes com pizzas embaixo do sovaco que amam ressaltar minha feiura, ou a cada fracassado arrogante que levanta o nariz para me olhar de cima só por ter uma nota de dez reais a mais na conta, por morar na porra de um bairro nobre, por gostar de música clássica, por julgar-se detentor dos melhores gostos por filmes e séries, por ter lido um livro primeiro, por gostar mais de uma porra ou outra, por ter a pele mais branquinha, por ter estudado a merda da vida inteira em colégio abastado, por comprar a própria cocaína com o suor de um emprego conquistado através do velho e maroto Quem Indica, por frequentar a porra de uma academia, por ser mais galã, frequentar baladinha ou estacionar o carro-dado-pelo-papai na praia, por ter “comido” mais bocetas na vida ou por quaisquer outros fatores que fazem deles as pessoas mais admiráveis, lindas, pomposas, estonteantes e singulares do mundo.
Estaria eu mentindo se dissesse que não me deixei levar pela raiva, pela repulsa e pelo desprezo.
Estaria eu mentindo se dissesse que não acredito na verdade deles, porque, amigos, eu acredito sim. Não importa o quanto eu lute, não importa o quanto eu me convença, não importa o tamanho da mesquinharia da beleza, não importa o tamanho da harmonia das filosofias que tentam dizer o contrário para acalmar os feios, os horrorosos e todos aqueles à margem da consolidada estética moderna. Nessa ácida e particular guerra, eu com certeza me deixei convencer por uma verdade “absoluta” que ouvi a porra da vida inteira – e que estou fadado a presenciá-la a cada dia, seja na língua deles, seja perante meu reflexo.  
Infelizmente, eu acredito.
Pois já havia dito o poeta: beleza é fundamental.