16 de fevereiro de 2017

As manchinhas do teu ombro




Sou um repetitivo desastre, com vãs palavras avariadas sobre os mesmos dramas de outrem. Eu repito os cabelos e geralmente estou me jogando neles, como me jogo nos seus agora – negros e brilhantes, aparados à altura dos ombros alvos e pintados pelas manchinhas herdadas do seu pai, “esse velho marinheiro pilantra”, como você carinhosamente costuma reclamar. É quase um segredo, mas da última vez que comi o bom churrasco sulista do velho, contou-me ele uma peripécia que aprontou para enfim aportar em definitivo na Terra das Mangueiras por causa da sua mãe de sorriso fácil, gargalhada gostosa e professora recitadora de Drummond.
Assim, ele aqui ficou e assim você aqui brotou, com as manchinhas nos ombros que ele carrega no rosto e a acolhedora risada que sua velha carrega na alma. É dessa forma que em teus ombros tocados por teus cabelos eu me perco, repetindo as mais proferidas, porém articuladas palavras que tantos homens antes, durante e depois de mim proferiram ou haverão de proferir – não para você, é claro, mas bem poderia ser. Aqui eu facilmente me perco, durante o churrasco sulista do teu velho marinheiro pilantra de manchinhas no rosto e da tua velha e sábia professora de cativante sorriso, que até Drummond recitou pra mim naquele domingo, em sinal de sincera empatia. Acho que teus velhos gostam de mim, é um bom sinal, pois assim haverei eu de retornar aí e cair de mente e peito revirado por esses curtos cabelos negros, beijar esses aveludados lábios de orvalho e afagar as manchinhas do teu ombro com meus dedos indignos, perdidos, vadios e profanos.
Sou um repetitivo desastre, com vãs palavras empasteladas sobre os mesmos dramas de outrem – ombros, cabelos e sorrisos.
Os melhores temas a me desgraçar.


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