20 de março de 2017

Monforte



Conto os segundos.
Alguém está falando sobre determinado rosto alvo, cabelos dourados e face rubra, alma de ímpetos profundos e caros desejos. Alguém cita Vênus Citeréia e recordo que, não há muito tempo, escrevi um conto sobre a deusa. Não pode ser coincidência, certo? Basta abrir os olhos. Não há muito tempo também, disse eu (em algum alinhamento perdido de palavras que nunca vou compartilhar com o mundo) que alguns sinais são muito mais fáceis de se notar quando você está verdadeiramente inclinado a enxergar. Ultimamente, sou todo sinais. Vejo-os a cada canção tocada em bares, ruelas e avenidas; em músicas entoadas por artistas desafinados em sextas chuvosas do Horto ou imediatamente tocadas em meu celular, em modo aleatório, justo quando eu penso exatamente nelas.
Não pode ser coincidência.
Conto os segundos.
Alguém citou Vênus Citeréia. Citeréia já foi o nome dado a uma de tantas cidades gregas, claramente venerada para a grande deusa. Tivera ela diversos nomes e uma centena de influências, alguns dizem mesmo que suas raízes vieram da magnífica Ishtar e da antiga Babilônia, nesse tão típico e natural aglomerado de miscigenação mítica e sincretismo religioso quase primal das culturas humanas.
Conto os segundos.
Quando eu vou te reencontrar agora?
Alguém cita dourados cabelos, rubras faces e olhos profundos. Alguém cita a beleza estonteante de Maria Monforte e eu, com frágil coração e imediata associação, penso nos teus cabelos dourados, na tua rubra face e nos teus olhos profundos. Estou sentando atrás de uma mesa, aliviado por meu instante de oratória já ter passado, mas à minha frente, enquanto aquele alguém desmembra a trama de Eça de Queirós, poucos rostos interessados nos fitam, eu banalmente estou pensando o quão parecidas são: Monforte e você. Entretanto Monforte de fato não é uma Vênus, tampouco será ou foi eterna com titânica beleza; entretanto você não é uma Vênus, tampouco será eterna com titânica beleza. Nenhum de nós será, seja com os belos requintes da face, seja com os belos requintes da alma.
Tudo acaba, penso comigo, e conto os segundos para este momento terminar.
Preciso rever teu rosto.
Dali a pouco o farei, dali a pouco fingirei postura, fingirei uma sábia maturidade que meu coração descontrolado já pouco vem me permitindo nesses últimos cento e oitenta dias e contando, dali a pouco fingirei o que descontroladamente Pedro não fingiu com Monforte e que Calos Eduardo não fingiu com Maria Eduarda.
Conto os segundos de novo.
Alguém cita Monforte, descreve-a. No entanto, Maria é trapaceira e astuta, uma sedutora Lichanura Trivirgata a embrenhar-se nas areias mais finas do coração de um homem. Embora tão avidamente assemelhe-se você com Monforte, embora as maçãs de seu rosto tão alvas e avermelhadas pareçam com as dela quando, nua, suspirava embaixo de mim com entrecortados gemidos, alerto-me que você não é ela. Talvez não, torço para isso. Embora a semelhança assustadora seja (o que me faz rir em meio àquela apresentação de seminário e em meio àquelas pessoas tão insolentemente desinteressadas), devo e me esforço a alertar-me que vocês duas não são a mesma pessoa. Por outro lado, recordo, com profunda tragédia, que são as mulheres malditas que mais aplacam-me o peito: geralmente, aquelas que me abandonam, que me desprezam, que me traem e que vão embora, pois são elas que inspiram-me belas palavras, desgraçadas histórias e infindáveis lembranças.
Eu amo o tipo de mulher que pode chutar minha bunda”, disse Spike Spiegel.
É trágico.   
Conto os segundos.
Estou a poucos minutos de rever teus cabelos dourados de rubra face e olhos profundos, mas a apresentação não finda, mas o tempo não passa.  
Conto os segundos.
Gosto desse tipo de mulher.
Conto os segundos.
Gosto desse tipo Monforte.



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