10 de abril de 2017

Com Jordana, Blues. ou uma referência a Caio F.



Novamente ela falou sobre minha eterna, compulsiva mania e apreço para com as palavras tristes.
É a quinta ou décima vez que Jordana me diz isso.
O modo como ela chegou até mim é parecido com o modo como todas as outras antes dela também chegaram: sem as artimanhas que o mundo julga que utilizo com vilanesca e premeditada presunção. Alguns dizem que utilizo de minhas palavras para conquistar mulheres como Jordana, quando mal sabe o mundo que as palavras acabam por se tornar muito mais consequência do que causa. Fico em demasiado orgulhoso ao saber que não sou como os bons galãs de ultimamente, com seus cabelos longos e hidratados, sorrisos de dentes bem compostos, violão no colo, suavidade na voz e “poesia pura” na alma. Uma fórmula bonita, bela, eficaz: você tem um harém diante de si.  Fico em demasiado orgulhoso ao saber que não apelei para este tipo de poesia barata e oportunista, estampada por poetas-canalhas destes fluxos boêmios da noite belenense. Um poema bem composto aqui; um violão sob a mangueira ali; coque arrumado, sapato engraxado com a bermuda dobrada sobre os joelhos.
Voilà. “Poesia pura”, baby, diriam eles.
“Poesia pura” e oportunista para ao fim da noite conquistar o que todos nós, homens, somos treinados para alcançar desde os primeiros passos. E assim os bons e verdadeiros intentos que cercam a construção da mais sincera e pura poesia (dessa vez a poesia pura sem aspas, independente da forma como vá se materializar) torna-se, nos superficiais gozos da madrugada, puro objeto de manobra, de ego inflado e de sexo garantido. Os rapazes da faculdade debatem-se para saber como o pirralho conseguiu a atenção da moça de cabelo Chanel negro que, até o presente momento destas palavras, ainda não aceitou o vigésimo convite na caixa de solicitação. Abarrotam-se eles como macacos Bonobos desalmados, sempre comentando, cochichando e dizendo coisas que, de tanto a vida inteira escutar, servem-me mais como material para piadas sádicas e autodegradativas do que ofensas de fato. A velha história acontecendo de novo, repito comigo sempre que Jordana me diz “passa aqui”, então lá eu passo e espero plantado tão devotamente que qualquer dia desses levo um bouquet com rosas de plástico. Ainda bem, pensei após a sétima ou nona vez que Jordana tocava no assunto, que nunca usei premeditadamente minhas palavras para conquistar qualquer uma delas.
Na verdade, acabo por sempre usar ingenuamente minhas palavras para perder cada uma delas.  
Jordana outra vez pergunta por que minhas palavras de cunho tão tristonho são compostas e eu, novamente, deitado na cama a contemplar o teto, dou de ombros sem muito saber a resposta que já deveria ter na ponta da língua a essa altura.
“Suas histórias são tristes e seus finais também”.
Que sorte, querida. Ela era a primeira em muito tempo que lia algum final de história feita por mim, porque geralmente nunca sou de finalizar coisa alguma. Ela vinha acompanhando nos últimos meses minha produção com o bastardo e o britânico e leu em meus planos ambiciosos o recente fim que dei aos dois. O recente fim que algumas coisas por aqui necessitam ganhar. Jordana se dobra em meu colo enquanto faz a pergunta que eu nunca sei responder, porque acha ela que minhas palavras estão tristes, quando no fundo ouso discordar: elas nunca estiveram no auge e nunca antes tão afastadas do niilismo e do decadentismo pelos quais fiquei tão falado nas bocas alheias e tão odiado nos corações de outrora. Jordana não sabe, mas quando ela se dobra assim sobre mim e pergunta (acho que na boca dela já virou piada e talvez apenas eu não tenha percebido) sobre o teor tristonho de minhas palavras, mal percebe ela, quando sento aqui para tecer alinhamentos a seu respeito, que elas andam muito mais pacíficas e calmas de um modo que jamais julguei que estariam um dia.
Jordana é a primeira que me pede para escrever sobre ela e a quem o pedido atendo com prazer, ao invés de encarar com desdém pela aparente petulância. Acho que é o horóscopo: andei sabendo que felinos como ela são típicos e desgraçados narcisistas. Tudo bem, eu topo o desafio – porque o cafuné após cada um desses arranjos de palavras escritas, entregues e expostas é, sumária e maravilhosamente muito bem recompensado.
Jordana mais uma vez pergunta sobre o teor tristonho de minhas palavras.
Acho que há aí um pouco de piada, já não tão sério quanto achei que fosse ou talvez ela não se incomode de verdade através daquela implicância e daquele sorrisinho sacana que faz questão de exibir.  
Por hoje, fico apenas com este arranjo meio sem sentido e em suma metalinguístico, referenciando Caio Fernando Abreu no título e transformando a menção de um texto triste feito por ele em composição de um texto esperançoso, feito por mim.
Porque Caio tinha Ana e depois nem isso.
Já eu, tenho Jordana, Blues.
E depois nem sei.







(Referenciando o conto "Sem Ana, Blues", de Caio Fernando Abreu)

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