Novamente ela falou sobre minha
eterna, compulsiva mania e apreço para com as palavras tristes.
É a quinta ou décima vez que Jordana
me diz isso.
O modo como ela chegou até mim é
parecido com o modo como todas as outras antes dela também chegaram: sem as
artimanhas que o mundo julga que utilizo com vilanesca e premeditada presunção.
Alguns dizem que utilizo de minhas palavras para conquistar mulheres como
Jordana, quando mal sabe o mundo que as palavras acabam por se tornar muito
mais consequência do que causa. Fico em demasiado orgulhoso ao saber que não
sou como os bons galãs de ultimamente, com seus cabelos longos e hidratados,
sorrisos de dentes bem compostos, violão no colo, suavidade na voz e “poesia
pura” na alma. Uma fórmula bonita, bela, eficaz: você tem um harém diante de
si. Fico em demasiado orgulhoso ao saber
que não apelei para este tipo de poesia barata e oportunista, estampada por poetas-canalhas
destes fluxos boêmios da noite belenense. Um poema bem composto aqui; um violão
sob a mangueira ali; coque arrumado, sapato engraxado com a bermuda dobrada sobre
os joelhos.
Voilà. “Poesia pura”, baby, diriam
eles.
“Poesia pura” e oportunista para ao
fim da noite conquistar o que todos nós, homens, somos treinados para alcançar
desde os primeiros passos. E assim os bons e verdadeiros intentos que cercam a
construção da mais sincera e pura poesia (dessa vez a poesia pura sem aspas, independente
da forma como vá se materializar) torna-se, nos superficiais gozos da
madrugada, puro objeto de manobra, de ego inflado e de sexo garantido. Os
rapazes da faculdade debatem-se para saber como o pirralho conseguiu a atenção
da moça de cabelo Chanel negro que, até o presente momento destas palavras,
ainda não aceitou o vigésimo convite na caixa de solicitação. Abarrotam-se eles
como macacos Bonobos desalmados, sempre comentando, cochichando e dizendo
coisas que, de tanto a vida inteira escutar, servem-me mais como material para
piadas sádicas e autodegradativas do que ofensas de fato. A velha história acontecendo de novo, repito comigo sempre que Jordana
me diz “passa aqui”, então lá eu
passo e espero plantado tão devotamente que qualquer dia desses levo um bouquet
com rosas de plástico. Ainda bem,
pensei após a sétima ou nona vez que Jordana tocava no assunto, que nunca usei premeditadamente minhas
palavras para conquistar qualquer uma delas.
Na verdade, acabo por sempre usar
ingenuamente minhas palavras para perder cada uma delas.
Jordana outra vez pergunta por que
minhas palavras de cunho tão tristonho são compostas e eu, novamente, deitado
na cama a contemplar o teto, dou de ombros sem muito saber a resposta que já deveria
ter na ponta da língua a essa altura.
“Suas histórias são tristes e seus finais também”.
Que sorte, querida. Ela era a
primeira em muito tempo que lia algum final de história feita por mim, porque geralmente
nunca sou de finalizar coisa alguma. Ela vinha acompanhando nos últimos meses
minha produção com o bastardo e o britânico e leu em meus planos ambiciosos o
recente fim que dei aos dois. O recente
fim que algumas coisas por aqui necessitam ganhar. Jordana se dobra em meu
colo enquanto faz a pergunta que eu nunca sei responder, porque acha ela que
minhas palavras estão tristes, quando no fundo ouso discordar: elas nunca
estiveram no auge e nunca antes tão afastadas do niilismo e do decadentismo
pelos quais fiquei tão falado nas bocas alheias e tão odiado nos corações de
outrora. Jordana não sabe, mas quando ela se dobra assim sobre mim e pergunta
(acho que na boca dela já virou piada e talvez apenas eu não tenha percebido)
sobre o teor tristonho de minhas palavras, mal percebe ela, quando sento aqui
para tecer alinhamentos a seu respeito, que elas andam muito mais pacíficas e
calmas de um modo que jamais julguei que estariam um dia.
Jordana é a primeira que me pede para
escrever sobre ela e a quem o pedido atendo com prazer, ao invés de encarar com
desdém pela aparente petulância. Acho que é o horóscopo: andei sabendo que
felinos como ela são típicos e desgraçados narcisistas. Tudo bem, eu topo o
desafio – porque o cafuné após cada um desses arranjos de palavras escritas,
entregues e expostas é, sumária e maravilhosamente muito bem recompensado.
Jordana mais uma vez pergunta sobre o
teor tristonho de minhas palavras.
Acho que há aí um pouco de piada, já
não tão sério quanto achei que fosse ou talvez ela não se incomode de verdade
através daquela implicância e daquele sorrisinho sacana que faz questão de
exibir.
Por hoje, fico apenas com este
arranjo meio sem sentido e em suma metalinguístico, referenciando Caio Fernando
Abreu no título e transformando a menção de um texto triste feito por ele em composição
de um texto esperançoso, feito por mim.
Porque Caio tinha Ana e depois nem
isso.
Já eu, tenho Jordana, Blues.
E depois nem sei.
(Referenciando o conto "Sem Ana, Blues", de Caio Fernando Abreu)
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