16 de abril de 2017

Frame congelado n.1







Para A.T.




I love you, baby, and I always will
Ever since I put your picture in a frame

(Picture in a frame - Tom Waits)


Quando eu penso naquela primeira noite ao ar livre, na mente me vem o teu sorriso.
Sei que em algum nível de compartilhamento, aquela noite foi nossa, tão minha quanto sua, mas desconfio que os conceitos de “nosso” ou “compartilhamento” não sejam iguais entre nós dois. Por essa razão, nestas linhas, sempre que eu citar os termos “nossa + noite”, partirá de mim um sentimento deveras especial, específico em força, intensidade e memória.
“Memória” talvez defina aquela noite.  
Poderia eu descrevê-la em centenas de palavras em um ímpeto criativo de suprema inspiração que, ainda assim, não representaria a sutileza da realidade que minha memória guarda ou as sensações exatas que naquele dia senti. Perfeição não é retratada, não é representada, não é reproduzida. Perfeição existe em um frame congelado, em uma canção do Tom Waits, em uma brisa gélida de noite chuvosa ou um grito aleatório de alguém feliz atrás de nós. Perfeição é aquilo que eu jamais conseguiria transportar para essas linhas ou criar em uma nova realidade inventada. Aprendi recentemente que “história” e “estória” já não se distinguem mais, de modo que você livremente pode escrever “história” ao mencionar um universo criado, sem o apego à realidade. A destruição dessa distinção baseia-se no fato de que, mesmo inventada, uma história fictícia é, em si, realidade – em algum plano, em algum nível, em alguma análise –, pois o real vai muito além do palpável ou do descrito em livros de História ou existentes na memória.
Veja, eu poderia escrever em um conto ou em um romance inteiro (como bem disse que poderia te escrever e como até bem já criei um título) a nossa experiência naquela noite chuvosa, a primeira verdadeiramente importante em público, ao ar livre. Ainda assim, não se compararia ao que restou de lembranças na minha cabeça ou de instantes carimbados no tempo. Pois aquele lugar nos pertenceu – aquele barco festivo, aquela chuva enjoada que nunca decide se vai embora ou se fica, aquelas latas de cerveja ou aqueles tragos de cigarro. Talvez a vida imite a arte, mas duvido que até mesmo Richard Linklater fizesse melhor. Por isso eu não ousaria reproduzir em palavras, representar em prosa ou desenhar em poema os eternos e inúmeros frames daquela noite. Não conseguiria reproduzir, representar ou desenhar aquele teu sorriso que se abre totalmente apenas com o canto da boca e soa meio sacana, mas que na verdade (se eu bem sou um observador teu), significa um nível de sinceridade e agradável desconcerto, desses sinais que me provam que consegui atravessar as linhas territoriais da tua indecisão e da tua autoproteção. Se daquela noite eu pudesse congelar um único frame, entre teu cabelo desarrumado, entre as divagações sobre o Universo e a vida lá fora, entre nossos beijos (atrasados, sim, mas muito bem aproveitados), eu certamente congelaria o teu sorriso meio aberto de ponta.
Porque (sem exagero algum de dramático prosador) aquilo para mim significou um nível particular de felicidade.
Um nível verdadeiro de singela perfeição.





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