Para A.T.
I love you, baby, and I always will
Ever since I put your picture in a frame
(Picture in a frame - Tom Waits)
Quando eu penso naquela primeira
noite ao ar livre, na mente me vem o teu sorriso.
Sei que em algum nível de
compartilhamento, aquela noite foi nossa, tão minha quanto sua, mas desconfio
que os conceitos de “nosso” ou “compartilhamento” não sejam iguais entre nós dois. Por
essa razão, nestas linhas, sempre que eu citar os termos “nossa + noite”,
partirá de mim um sentimento deveras especial, específico em força, intensidade
e memória.
“Memória” talvez defina aquela noite.
Poderia eu descrevê-la em centenas de
palavras em um ímpeto criativo de suprema inspiração que, ainda assim, não representaria
a sutileza da realidade que minha memória guarda ou as sensações exatas que
naquele dia senti. Perfeição não é retratada, não é representada, não é
reproduzida. Perfeição existe em um frame congelado, em uma canção do Tom Waits, em uma brisa gélida de noite
chuvosa ou um grito aleatório de alguém feliz atrás de nós. Perfeição é aquilo
que eu jamais conseguiria transportar para essas linhas ou criar em uma nova
realidade inventada. Aprendi recentemente que “história” e “estória” já não se
distinguem mais, de modo que você livremente pode escrever “história” ao
mencionar um universo criado, sem o apego à realidade. A destruição dessa
distinção baseia-se no fato de que, mesmo inventada, uma história fictícia é, em si, realidade – em algum plano, em algum
nível, em alguma análise –, pois o real vai muito além do palpável ou do
descrito em livros de História ou
existentes na memória.
Veja, eu poderia escrever em um conto
ou em um romance inteiro (como bem disse que poderia te escrever e como até bem
já criei um título) a nossa experiência naquela noite chuvosa, a primeira
verdadeiramente importante em público, ao ar livre. Ainda assim, não se
compararia ao que restou de lembranças na minha cabeça ou de instantes
carimbados no tempo. Pois aquele lugar nos pertenceu – aquele barco festivo,
aquela chuva enjoada que nunca decide se vai embora ou se fica, aquelas latas de
cerveja ou aqueles tragos de cigarro. Talvez a vida imite a arte, mas duvido
que até mesmo Richard Linklater fizesse melhor. Por isso eu não ousaria reproduzir
em palavras, representar em prosa ou desenhar em poema os eternos e inúmeros
frames daquela noite. Não conseguiria reproduzir, representar ou desenhar
aquele teu sorriso que se abre totalmente apenas com o canto da boca e soa meio
sacana, mas que na verdade (se eu bem sou um observador teu), significa um
nível de sinceridade e agradável desconcerto, desses sinais que me provam que
consegui atravessar as linhas territoriais da tua indecisão e da tua
autoproteção. Se daquela noite eu pudesse congelar um único frame, entre teu
cabelo desarrumado, entre as divagações sobre o Universo e a vida lá fora,
entre nossos beijos (atrasados, sim, mas muito bem aproveitados), eu certamente
congelaria o teu sorriso meio aberto de ponta.
Porque (sem exagero algum de
dramático prosador) aquilo para mim significou um nível particular de
felicidade.
Um nível verdadeiro de singela
perfeição.
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