17 de julho de 2017

As coisas belas não me pertenceram



Cabelos castanhos
nunca me pertenceram. 
Sorrisos de verão
também não.
O que me pertenceu do verão foram as canções, somente elas. Em dias sombrios, eu gosto de ouvir Neil Diamond cantar que era primavera e a primavera tornou-se verão. Você pode alcançar o mundo com algumas boas músicas, você pode possuir o mundo inteiro com algumas belas letras e pode conquistar sonhos com determinadas poesias.
Desejo,
desejo foi a única coisa que me pertenceu,
o desejo por aqueles cabelos castanhos que ao longo dos anos foram tingidos de diversas cores – um dia, até mesmo aventuraram-se pelo vermelho.
Eu sou fraco para essas coisas, fraco demais – fraco para cabelos esvoaçantes, bagunçados; fraco para cabelos recém-arrumados em um rabo de cavalo após uma noite inteira de sono, fraco para cabelos molhados, bagunçados de novo, despenteados. Fraco para cabelos castanhos. E eles nunca me pertenceram. Eu sou fraco também para unhas pintadas e batons vermelhos. Eu sou fraco para bocas de lábios macios e finos, aqueles discretos que o mundo não se sente necessariamente atraído, aqueles que nem todos ficam a imaginar a textura do beijo ou o movimentar dos afagos ou o calor, o gosto e a temperatura do hálito.
Se desejo foi tudo o que me pertenceu, eis aqui a prova. Por falta de posse não me refiro a desencontros, pois os encontros foram vários, devidamente aproveitados, guardados, escritos e reescritos, porém eles nunca de fato permaneceram:
atrelam-se a mim por meses apenas e então
o adeus.
Aí eu fico aqui, diante destas páginas em branco que logo são preenchidas sem propósito algum,
sem o conhecimento,                                    sem o reconhecimento,
sem a recordação,                            sem admiração.
Cabelos castanhos
eu gosto dos castanhos,
eu gostei repetidamente dos castanhos porque
foram repetidamente a minha sina,
minha pobre sina.
Eventualmente, num destes tão improváveis raiares de verão, destes encontrados em esquinas desconexas, em madrugadas perdidas de longas e intermináveis conversas, / outra vez por eles até aventurei-me em gêneros que há muito não desbravava; então dediquei-os poemas desconexos, sem arranjos elaborados, sem rimas requintadas ou parnasianismos exagerados, perdi-me nos perfumes que deles exalava e fiz disso meu centro secreto de arfar poético, fiz disso meu labirinto esguio e derradeiro, fiz da prosa verso de arte experimental, desenhei palíndromos perfeitos sugados por minhas narinas mais profanas,
torpes,
intensas,
levianas.
Eu fiz desses cabelos castanhos de novo a minha perdição,
meu exagerado conflito,
meu combustível arredio das causas mais banais
dos causos mais afáveis
das lágrimas viscerais
que caem dos olhos meus marejados,
cintilantes,
pulsantes de
amor
tesão
desejo e
agonias por cabelos castanhos, esse caminho maldito à minha sanidade
ruída,
adicta,
fragilizada.
Pois foram coincidências demais,
foram detalhes demais,
improbabilidades deveras improváveis
ocorrendo num desenrolar estranhamente cabalístico,
quiçá astrológico.
E de novo as canções, as canções de verão: mas agora não Neil Diamond, mas acho que
The Police ou
talvez The Smiths.
The Smiths,
sem dúvida alguma.
Porque cabelos castanhos fazem com que eu me sinta no auge da boa idade inocente novamente,
lançado às épocas
de ingenuidade,
bondade,
lançado às épocas de paz.
Porque cabelos castanhos são quase um ideal, um sonho de liberdade, o feliz lamaçal que Dufresne encontra ao sair de Shawshank.
Por isso outra vez e por isso de novo apenas
o desejo,
o vil desejo me pertenceu – ontem e hoje, distante a uma passagem de avião, distante a um curto sopro de lembranças.
Cabelos castanhos são a minha sina,
cabelos castanhos nunca me pertenceram
– assim tendem a ser as coisas belas.   





Nenhum comentário:

Postar um comentário