Cabelos castanhos
nunca me pertenceram.
Sorrisos
de verão
também não.
O que me pertenceu do verão foram as
canções, somente elas. Em dias sombrios, eu gosto de ouvir Neil Diamond cantar
que era primavera e a primavera tornou-se
verão. Você pode alcançar o mundo com algumas boas músicas, você pode
possuir o mundo inteiro com algumas belas letras e pode conquistar sonhos com
determinadas poesias.
Desejo,
desejo foi a única coisa que me
pertenceu,
o desejo por aqueles cabelos
castanhos que ao longo dos anos foram tingidos de diversas cores – um dia, até mesmo
aventuraram-se pelo vermelho.
Eu sou fraco para essas coisas, fraco
demais – fraco para cabelos esvoaçantes, bagunçados; fraco para cabelos
recém-arrumados em um rabo de cavalo após uma noite inteira de sono, fraco para
cabelos molhados, bagunçados de novo, despenteados. Fraco para cabelos
castanhos. E eles nunca me pertenceram. Eu sou fraco também para unhas pintadas
e batons vermelhos. Eu sou fraco para bocas de lábios macios e finos, aqueles
discretos que o mundo não se sente necessariamente atraído, aqueles que nem
todos ficam a imaginar a textura do beijo ou o movimentar dos afagos ou o
calor, o gosto e a temperatura do hálito.
Se desejo foi tudo o que me
pertenceu, eis aqui a prova. Por falta de posse não me refiro a desencontros, pois
os encontros foram vários, devidamente aproveitados, guardados, escritos e
reescritos, porém eles nunca de fato permaneceram:
atrelam-se a mim por meses apenas e
então
o adeus.
Aí eu fico aqui, diante destas
páginas em branco que logo são preenchidas sem propósito algum,
sem o conhecimento, sem o
reconhecimento,
sem a recordação, sem
admiração.
Cabelos
castanhos
eu gosto dos castanhos,
eu gostei repetidamente dos castanhos
porque
foram repetidamente a minha sina,
minha pobre sina.
Eventualmente, num destes tão improváveis
raiares de verão, destes encontrados
em esquinas desconexas, em madrugadas perdidas de longas e intermináveis
conversas, / outra vez por eles até aventurei-me em gêneros que há muito não desbravava;
então dediquei-os poemas desconexos, sem arranjos elaborados, sem rimas requintadas
ou parnasianismos exagerados, perdi-me nos perfumes que deles exalava e fiz
disso meu centro secreto de arfar poético, fiz disso meu labirinto esguio e derradeiro,
fiz da prosa verso de arte experimental, desenhei palíndromos perfeitos sugados
por minhas narinas mais profanas,
torpes,
intensas,
levianas.
Eu fiz desses cabelos castanhos de
novo a minha perdição,
meu exagerado conflito,
meu combustível arredio das causas
mais banais
dos causos mais afáveis
das lágrimas viscerais
que caem dos olhos meus marejados,
cintilantes,
pulsantes de
amor
tesão
desejo e
agonias por cabelos castanhos, esse
caminho maldito à minha sanidade
ruída,
adicta,
fragilizada.
Pois foram coincidências demais,
foram detalhes demais,
improbabilidades deveras improváveis
ocorrendo num desenrolar estranhamente cabalístico,
quiçá astrológico.
E de novo as canções, as canções de
verão: mas agora não Neil Diamond, mas acho que
The Police ou
talvez The Smiths.
The Smiths,
sem dúvida alguma.
Porque cabelos castanhos fazem com
que eu me sinta no auge da boa idade inocente novamente,
lançado às épocas
de ingenuidade,
bondade,
lançado às épocas de paz.
Porque cabelos castanhos são quase um
ideal, um sonho de liberdade, o feliz lamaçal que Dufresne encontra ao sair de
Shawshank.
Por isso outra vez e por isso de novo
apenas
o desejo,
o vil desejo me pertenceu – ontem e
hoje, distante a uma passagem de avião, distante a um curto sopro de
lembranças.
Cabelos castanhos são a minha sina,
cabelos castanhos nunca me
pertenceram
– assim tendem a ser as coisas belas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário