19 de julho de 2017

Deslizar




Desliza em mim, ó, musa da noite,
teus finos dedos de unhas raladas, pontas amarelas de teus minutos de devaneios.
Desliza em mim, ó, musa da noite,
 tuas mãos macias, pequeninas de embustes passados que te ralaram nós, dentes e traumas.
Desliza em mim, ó, musa da noite,
 tua palma por meus membros rijos, como na quinta fizeste e no sábado me acolheste, este calor das fibras ardentes, este tremor palpitante do subir e do descer, dos teus olhos negros e fundos de olheiras, esta pequena veia que te desce a pálpebra quando teu corpo nu se despe para mim, magro, doentio, fedendo a álcool barato.
Desliza em mim, ó, musa da noite,
 tua pele bruta de minúsculo corpo no meu pequeno corpo, faz dos teus braços as cordas que me amarram hoje a esta terra e me fincam nessas mangueiras, a única existência viva a fazer-me não ir embora daqui, pois se daqui eu fosse, não veria teus sumiços e não piscaria ante teus retornos de sorrisos amarelados e hálito mentolado. Pois se daqui eu fosse, não veria este batom contornando a boca que não esqueci de beijos que me viciaram a cabeça e me destruíram a razão, ó, Heroína das minhas noites e dona dos meus prantos.
Desliza em mim, ó, musa da noite, teus marrons cabelos quase louros na cara, soltos enquanto entre as pernas úmidas deslizas por meus membros rijos de amor, ah, de amor, o amor que ousaste infringir em mim mais uma vez enquanto de feridas antigas eu tentava me curar.
Desliza em mim, ó, musa da noite, essa língua verde do vil veneno a oxidar minhas veias, enferrujando em mim o ferro torpe que tatua teu breve nome embaixo da pele minha, onde homem ou mulher alguma poderão ver, mas só sentir quando tocam-me o corpo e quando desvendam minha mente – porque só tu, só tu, ó, musa da noite, permeia hoje este corpo e esta pútrida alma como outrora outra musa o fez tão intensamente, tão insanamente a cegar-me a consciência e dilacerar-me a vida, os sonhos e os vícios.
Desliza, ó, musa da noite, tu’alma,
desliza teu sopro,
desliza teu quadril no meu e repete, diz que me ama duas, três e cinco vezes: eu te amo, eu te amo, eu
te
 amo e te amo e  enfia tua unha na epiderme minha a delirar e arranha, agatanha, deixa-me tu o teu torpe toque tão talhado de tortura, tesão, tortuosa tara de tua tensão. Desliza em mim teu hálito, desliza em mim tua saliva, ó musa da noite, e me interna no manicômio mais voraz pra desintoxicar-me do que deixaste e de como vieste sem aviso, sem alertas, sem advertência de como tão impiedosamente te esquecer desde que partiste para provar as pernas de outras mulheres e os membros rijos de outros tão belos rapazes que tão logo, tão cedo, ó, pobres coitados, perdidamente sem consciência, razão ou controle ficarão e tão sistematicamente também te dirão enquanto repetem, dizendo que te amam duas, três e cinco vezes: eu te amo, eu te amo eu
te
amo e te amo enquanto partes para outra aventura e a outros corpos deslizar, como deslizaste no meu e aqui me entorpeceu com esse perfume que todo santo dia na hora santa sacramentada por Lúcifer em carne, faz-me pronunciar e gritar no escuro do meu quarto, regado a quinze cigarros e a litros de álcool banhar-me, porque
tu destróis o meu cais,
ó, musa da noite,
com a porra do teu cheiro viciante e
com a porra do teu deslizar tão imperdoável de
pernas, palavras e proezas
ao sussurrar-me
ao afirmar-me
tão enganosamente
ou
tão imaturamente
repetindo-me duas, três e cinco vezes: eu te amo, eu te amo eu
te
amo.
Faz silêncio, ó musa da noite,
Porque só eu sei que é
mentira.





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