Desliza em mim, ó, musa da noite,
teus finos dedos de unhas raladas,
pontas amarelas de teus minutos de devaneios.
Desliza em mim, ó, musa da noite,
tuas mãos macias, pequeninas de embustes
passados que te ralaram nós, dentes e traumas.
Desliza em mim, ó, musa da noite,
tua palma por meus membros rijos, como na
quinta fizeste e no sábado me acolheste, este calor das fibras ardentes, este
tremor palpitante do subir e do descer, dos teus olhos negros e fundos de
olheiras, esta pequena veia que te desce a pálpebra quando teu corpo nu se
despe para mim, magro, doentio, fedendo a álcool barato.
Desliza em mim, ó, musa da noite,
tua pele bruta de minúsculo corpo no meu
pequeno corpo, faz dos teus braços as cordas que me amarram hoje a esta terra e
me fincam nessas mangueiras, a única existência viva a fazer-me não ir embora
daqui, pois se daqui eu fosse, não veria teus sumiços e não piscaria ante teus
retornos de sorrisos amarelados e hálito mentolado. Pois se daqui eu fosse, não
veria este batom contornando a boca que não esqueci de beijos que me viciaram a
cabeça e me destruíram a razão, ó, Heroína
das minhas noites e dona dos meus prantos.
Desliza em mim, ó, musa da noite,
teus marrons cabelos quase louros na cara, soltos enquanto entre as pernas úmidas
deslizas por meus membros rijos de amor, ah, de amor, o amor que ousaste
infringir em mim mais uma vez enquanto de feridas antigas eu tentava me curar.
Desliza em mim, ó, musa da noite,
essa língua verde do vil veneno a oxidar minhas veias, enferrujando em mim o
ferro torpe que tatua teu breve nome embaixo da pele minha, onde homem ou
mulher alguma poderão ver, mas só sentir quando tocam-me o corpo e quando
desvendam minha mente – porque só tu, só tu, ó, musa da noite, permeia hoje
este corpo e esta pútrida alma como outrora outra musa o fez tão intensamente,
tão insanamente a cegar-me a consciência e dilacerar-me a vida, os sonhos e os
vícios.
Desliza, ó, musa da noite, tu’alma,
desliza teu sopro,
desliza teu quadril no meu e repete,
diz que me ama duas, três e cinco vezes: eu te amo, eu te amo, eu
te
amo e te amo e enfia tua unha na epiderme minha a delirar e
arranha, agatanha, deixa-me tu o teu torpe toque tão talhado de tortura, tesão,
tortuosa tara de tua tensão. Desliza em mim teu hálito, desliza em mim tua
saliva, ó musa da noite, e me interna no manicômio mais voraz pra
desintoxicar-me do que deixaste e de como vieste sem aviso, sem alertas, sem
advertência de como tão impiedosamente te esquecer desde que partiste para
provar as pernas de outras mulheres e os membros rijos de outros tão belos
rapazes que tão logo, tão cedo, ó, pobres coitados, perdidamente sem
consciência, razão ou controle ficarão e tão sistematicamente também te dirão
enquanto repetem, dizendo que te amam duas, três e cinco vezes: eu te amo, eu
te amo eu
te
amo e te amo enquanto partes para
outra aventura e a outros corpos deslizar, como deslizaste no meu e aqui me
entorpeceu com esse perfume que todo santo dia na hora santa sacramentada por
Lúcifer em carne, faz-me pronunciar e gritar no escuro do meu quarto, regado a
quinze cigarros e a litros de álcool banhar-me, porque
tu destróis o meu cais,
ó, musa da noite,
com a porra do teu cheiro viciante e
com a porra do teu deslizar tão
imperdoável de
pernas, palavras e proezas
ao sussurrar-me
ao afirmar-me
tão enganosamente
ou
tão imaturamente
repetindo-me duas, três e cinco
vezes: eu te amo, eu te amo eu
te
amo.
Faz silêncio, ó musa da noite,
Porque só eu sei que é
mentira.
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