2 de julho de 2017

Não é problema nosso



Tem feito um calor de fritar o cérebro ultimamente.
Especialistas disseram outro dia no jornal que por mais que as metas de emissão de CO² sejam reduzidas em 2%, este planeta continuará apocalipticamente quente pelos próximos 100 anos. É tempo demais, que sorte a minha não durar tudo isso e provavelmente dar um tchauzinho bem antes. Quando vi a notícia na tua televisão, você estava ao meu lado tirando as cutículas do dedão do pé, na verdade nem pareceu se importar muito e foi aí que eu vi que isso não poderia ser tão sério assim, caso eu assumisse uma postura tão egoísta e anti-ambiental. Isso automaticamente me fez pensar no episódio de Futurama, quando o lixo do século 21 jogado no espaço está voltando à Terra no século 22 com um grave poder de ameaça. Como solução, a humanidade joga o lixo do século atual contra o lixo do século passado e no final uma pergunta é feita:
- e se esse lixo voltar daqui a 100 anos? – alguém questiona.
- não é problema nosso. – Fry responde.
Não é problema nosso.
Nem é problema seu.
O problema seu, neste século e neste instante, é a cutícula do dedão do pé. Eu te contei uma vez que acho pés femininos bonitos, os bons pés pelo menos. Não é um fetiche sexual, que fique claro, pelo menos não ainda, assim espero. Eu troco de canal. Ultimamente os canais de documentários exibem apenas programas sobre pechinchar velharias e leões em savanas – “A Leoa”, “A Grande Leoa”, “Leoas”, “O território dos felinos”, “Savanas”, “O Leão”, “O Grande Leão”, “Leão”, “O Rei da Savana” etc.
Nada contra leões, nada contra você, nada contra sua configuração astral, inclusive.
Troco de canal. Antigamente (e isso até pouquíssimos meses atrás), você adorava e gargalhava assistindo Apenas um Show. Apenas não sei o que aconteceu agora. Você continua com essa cutícula interminável. Diminuo o volume e trocou de posição na sua cama, ela é imensa e logicamente não ocupo tanto espaço. Viro de ponta cabeça, me enrosco entre os panos, deito a cabeça ao lado do teu pé, pra ver se me nota.
- o que que tá rolando? – eu pergunto e
claramente você não responde, me exprime um sorrisinho triste com aquela tristeza envergonhada nos olhos que eu já vi três vezes antes na vida. Três vezes antes já é demais para que eu não precise repetir a pergunta, pois já sei a resposta.
- a unha tá bonita, eu beijaria suas unhas se isso não fosse nojento.
Você deveria sorrir agora, mas só arqueia as sobrancelhas e diz com tom discretamente lamentável:
- credo, tão submisso.
É verdade,
eu respondo mentalmente.
Acho que deveria parar.
Três vezes antes e eu ainda não aprendi, não tanto como aprendi sobre esses olhares envergonhados que não querem exatamente dizer o que sentem.
- São só unhas, deixa disso. – dou uma piscadela para disfarçar qualquer reação imediata que tenha brotado no meu rosto, mas que sorte você não ter olhado.
Cruzo os dedos por trás da cabeça e observo o teto do teu quarto, mas não antes de bisbilhotar teu rosto. O cabelo chanel sumiu junto com os olhares de leveza, eles agora estão maiores depois do dia que você acordou estranha, olho-se no espelho e disse:
- cansei desse cabelo, vou deixar crescer e
simplesmente deixou
crescer.
Tem deixado.
Além de unhas e pés femininos, eu sou admirado e submisso por cabelos femininos.
Admirado e submisso pelos teus cabelos também,
mas eles estão crescendo
 e eu não posso fazer nada agora.





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