Para H. A.,
Andei um pouco distante, confesso,
dos narizes altivos que continuam mirando os topos celestes que mesmo asas de
cera não conseguiram alcançar. Aí voltei ao ninho onde eles são criados, uma
quarta-feira bonita de se respirar e de se escutar o farfalhar das poucas, tão
poucas árvores que do Sol ainda nos cobrem e de aromas suaves nos enchem as
narinas. Olhar para essas coisas é um bom tipo de atitude, as pequenas coisas –
uma garota recentemente me ensinou isso, ensinou-me ela a olhar o céu.
Voltei ao ninho deles, aquele do qual
um dia também foi meu lar e meu ninho, aquele onde um dia eu igualmente ergui o
nariz. Mas meu nariz é amassado, redondo, feio, mal desenhado, não durou muito
e sumariamente foi pisoteado pelos comparsas de danoso boticário. Dei adeus e
sumi, mas nesta linda quarta voltei: admiro narizes bonitos, queria que meu
nariz fosse daquele jeito, mas os tempos agora são outros e até gosto do modo
como o meu tornou-se mais redondo, mais feio, mais proeminente, antonímia de
altivo.
Certa vez, fui arrogante e pisei em
um bom rapaz. A vida ensinou-me em pouco tempo a arrepender-me dos meus atos,
meus exageros arrogantes, minha supremacia cognitiva. Onde quer que ele esteja
hoje, com seus músculos e sua incapacidade de ser fiel às companheiras (foi o
que soube, através dos lábios [os de cima e os de baixo] que ambos
compartilhamos naquela época), peço que saiba: confesso erro, exagero e arrependimento. Eu
fui um arrogante, narcisista prepotente, eu estava furioso por você esfregar as
partes baixas em terras que não, nunca me pertenceriam nem nos mais bondosos,
inocentes e apaixonados sentidos da palavra, porém fizeram-me acreditar que sim. Eu que nunca fui dado a
territorialismos, vi-me engajado no desvario da loucura, envolvendo como posse
aquilo que por dois, três ou quatro segundos, no máximo, permitiu se autoproclamar meu na conveniência, ou meu ante os votos secretos das noites
serenas indizíveis.
Já a você, nômade e casual ser vivente, mero e perdido leitor do instante agora, saiba que somente uma coisa te pertence
(isto é um conselho):
a consciência do Eu (embora às vezes
nem isso). Nem o tempo, nem o acaso, nem o destino, nem o amor ou corações
alheios. Somente a tua consciência te pertence. A consciência de ser um danoso
boticário, a consciência de manter o nariz elevado ou a consciência de subjugar
músculos sob a mente, mesmo quando a mente maior seja tua e o músculo menor, o
teu; a consciência de pisar e a consciência de se deliciar, a consciência da
maldade, a consciência de perder a consciência e a consciência da vingança,
pois essa, já tenha dito o poeta:
nunca seja plena!
aos poucos mata a alma
certamente envenena.
Portanto, se roubarem a única posse
que a ti foi dada, cuidado:
não te perdes em lábias,
em línguas belas,
torpes lembranças
ou alvas promessas.
torpes lembranças
ou alvas promessas.
Mantém a presilha fechada, o zíper
intacto, segue o rumo daquilo que só a ti pertence – a consciência – e teus
pecados admite, mas somente os teus, somente a parte que te cabe, não a que te
pintam. Perdoa teus pés por em vãs consciências ter pisado (ou querido pisar),
embora açougueiros pugilistas saibam se esquivar – que bom.
Há de se aprender com os erros,
sejam os teus, sejam dos outros.
Músculos podem ser a resposta:
eles vencem narizes.
Por isso, camarada, peço perdão, mas pela minha parte da canalhice, não da tua.
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