5 de outubro de 2017

[Parte II] segundo, um frame






Ovacionada, você subiu ao palco.
As crianças te amam: batem palmas, pulam mesmo sentadas, gritam, vibram por seu nome. As crianças te amam e isso é coisa tão rara hoje em dia, conquistar o coração desses pequenos. Uma vez, no entanto, você me disse que conquistar as pessoas era fácil, difícil era saber lidar e mantê-las por perto. Difícil era saber lidar com e manter todo este amor vivo, amor que eu vi cada uma delas ter por você na primeira semana de estágio e meses depois ainda continuar quase o mesmo – só que um pouquinho maior, desses pouquinhos que mudam tudo.
Você então está no palco e faz uma reverência como uma atriz diante do rei ao apresentar o espetáculo que ele mesmo encomendou. Você tira o papel do bolso de trás da calça jeans azul que contrasta com aquele par de alpercatas pretas e cafoninhas que eu te disse pra comprar. Você comprou, três dias depois você comprou.
A nossa camisa do Star Wars fica grande em você – e, consequentemente, gigantesca em mim. É quarta-feira agora, então, por direito, é o seu dia de usá-la. Tem as mangas dobradinhas realçando os bracinhos finos e a tatuagem do Marvin-Androide-Paranoide que ainda tá cicatrizando. Então é nesse instante que você olha pra mim e, eu sei, deve ter sido difícil me identificar sentado no chão no meio de todos aqueles pirralhinhos e pirralhinhas que aos quatro anos de idade já têm quase o dobro da minha altura, mas é verdade: você olha para mim, no meio de tanta gente para olhar, é para mim que você olha com aquele último suspiro de hesitação, de nervosismo, como se não fosse boa no que faz ou como se não fosse melhor que eu em um número infinito de coisas.
Estou sorrindo daqui, vibrando com a Gabizinha ao meu lado e usando a máscara de raposa que eles me deram. Aí eu te faço um hang loose e balanço a cabeça positivamente, tão empolgado quanto a sua plateia original.
Você dá um bom dia, cumprimenta as professoras, coordenadoras e todas aquelas a quem você precisa cumprimentar – é isso ou não teremos poder monetário para as coxinhas todas as quintas à tarde. Depois cumprimenta os pais e por fim dá um alô à criançada.
Elas te aplaudem.
Elas te amam.
Você dá aquele sorrisinho nervoso outra vez, o aparelho transparente brilhando entre os dentes e o cabelo castanho claro crescendo a todo vapor (me perdoa, eu não vou te tratar como Jordana dessa vez, vou te tratar como
você).
E você está no palco, papel em punho e sorrisinho inseguro no rosto. Anuncia a leitura:
“é Pedro Bandeira”,
você diz,
“minha mãe sempre lia pra mim”.
As crianças entram num respeitoso e admirável estado de silêncio quando você começa a falar. É quando sua voz ressoa em todo aquele pequeno salão nos fundos da escolinha que o nervosismo aí dentro dissipa e a hesitação também.
As crianças te amam, aquele amor puro, verdadeiro e gratuito que você mencionou no dia em que optou por elas ao invés do estágio que te massacraria a alma em troca de uma conta numerosa.
“eu preciso disso pra mim”,
você disse,
“eu preciso, sabe?”.
E eu disse
“vá em frente”
e você foi.
Você está aqui agora: lendo Pedro Bandeira, sendo ovacionada por todos aqueles por quem optou lutar.
Eu espero que você saiba que há alguém por aqui orgulhoso de suas escolhas e de quem você se tornou.
Espero que daquele palco tenha sido minimamente possível enxergar que alguém tem te dito
“parabéns”
mesmo que silenciosamente, mesmo que na memória ou mesmo à distância.
As crianças e as professoras e as coordenadoras e as mães e os pais e os avós e eu: todos te aplaudem ao fim da leitura. Pedro Bandeira não sabe a visão de tamanha graça e tamanha generosidade que perdeu naquele momento.
Você esteve linda, tão linda.
E eu espero que saiba disso.





Nenhum comentário:

Postar um comentário