O que tu fazes
e como tu fazes
não é a minha praga
correndo na cozinha
ou dentro do armário
roendo minhas cousas
ou defecando
em minha pia.
A praga que rói as minhas
fibras,
a peste que corrói a minha
paciência
é quem tu és e quem finges ser,
caro Florista,
ó, jardineiro das cartas.
A praga que assola meu
pulmão,
a praga que apunhala meu
Ardor
(com o mesmo “A”
do Ás que
tão fortemente vangloria-te
em seres o melhor)
é o pulso negro,
o nariz levantado,
as madeixas longas,
a barbicha tonta,
a insânia da tua imagem
tão porcamente bela
borrada nos espelhos
desta cidade
com mil olhos cegos.
Se jardinar estas flores
e florir estes poemas
é mero jogo de Astúcia
vozeado em curvilínea
língua de prata,
se jardinar estas flores
e florir estas poesias
é mero jogo de cegueira
injetado em corações
admirados,
e se jardinar estas flores
e florir estes contos
é mero jogo de vaidade
orquestrado em tabuleiro
manipulador e violento,
então toma aqui minha luva,
toma aqui meu alicate,
toma aqui meus manuais
toma aqui minha sensibilidade.
Então toma aqui os mestres,
toma aqui o sistema
e também as regras
sobre como quebrá-las.
Entrego-te minhas ferramentas,
minhas letras e meu legado.
Entrego-te o que me sussurraram
Eliot e Gabo.
Ó, Jardineiro,
entrego-te todo o preço necessário
para alcançares tua montanha.
Entrego-te tudo
e abandono este jardim
(vou-me ali reaprender a criar)
(vou-me ali
reaprender
de outro jeito).
Se jardinar é
o que chamas de
“Arte” com “A”
maiúsculo,
meio torto,
distorcido e anuviado
como o Ás com “A”
da Altivez e da Arrogância
que trazes na manga,
então não quero jardinar.
O que quero,
Ó, jardineiro das cartas,
é criar sem esquecer
o que eu sou
e quem eu sou
ante a criação.
O que quero,
Ó, jardineiro das cartas,
É criar para tentar,
ao menos,
brotar menos homem
e florescer mais humano.
(Felipe
Santiago, 01.05.2018)