Sofia era
jovem quando veio até mim. Era pisciana, alguns vários anos mais nova que eu e
tinha uma bunda do tamanho do mundo.
O modo
como aquele tipo de pessoa vem aconchegar-se ao seu lado é sempre tão
misterioso: porque você, sendo um estabelecimento chinfrim de beira de estrada,
sem muito a oferecer, com pouquíssimas vagas no estacionamento, nunca
compreenderá o que leva certas visitas e certas manobras de calhambeques
daquele tipo a estacionarem em você e decidirem ficar.
Ela
ficou. Contradizendo décadas de experiências frustradas com tipos daquele tipo (mas acima de tudo
enriquecedoras e construtoras de caráter). Quero dizer, o colegial fora para
mim um inferno, uma selva de macacos selvagens portadores das mais agressivas e
corrosivas doenças neurológicas. Eram Bonobos, aqueles primatas da África
Central que resolvem tudo à base da fricção: esfregam-se uns nos outros, sempre
excitados e dispostos a cometerem relações sexuais com quem quer que fosse – irmãos
e irmãs, filhos e filhas, cônjuges, primos e primas, pastores da universal ou terraplanistas.
Qualquer que fosse o parceiro, desde o mais avançado ao mais mongol, os Bonobos
estavam sempre preparados para uma friccionada.
Acontece
que o colegial era um mar deles: rapazotes de cabelos bem arrumados, uniforme
impecável e relógios que mudavam de cor nos pulsos, escalados pelos times de basquete
ou de futebol e sempre à procura das boas moças tão impecavelmente maquiadas
que andavam em grupos e de braços entrelaçados, umas com as outras, desfilando
pelos corredores e pelas ruas com cabelos esplêndidos, com gostos refinados e
majoritariamente autodenominando seu próprio grupo de amigas com algum apelido deveras
criativo: Meninas Atentadas, As Valquírias, As Maldosas, As Escamosas, As Irmãs,
As Maudites Suffragettes etc, etc,
etc. O resto era apenas um nicho composto de pessoas que você mal conseguiria
lembrar o nome, todos aqueles que não faziam parte do bando dos Bonobos, as
pessoas normais, os sujeitos e sujeitas comuns que, um dia, talvez, você
perceberia que teriam sido uma bela companhia durante aqueles dias de
penitência existencial caso os chimpanzés-friccionistas, com seus pulos, com
seus gritos e com seus quadris roçadores não estivessem ocupados demais
deixando-os acuados e esquecidos em algum canto da instituição.
Tais
relações sexuais entre os chimpanzés-pigmeus eram frequentes, diárias, semanais
e sempre tão rigorosamente avaliativas: um parceiro ou uma parceira sempre
recebia uma nota ao final do coito, cuja qual tornar-se-ia pública já na manhã
seguinte. Caso você fosse macho, havia um critério muito específico e especial
ao qual estaria fadado a ser avaliado, aquele do qual todos os garanhões da
macacada acotovelavam-se para receber as devidas notas: o tamanho do manjolo, o certificado de prolongamento, o RG – Registro
Grandão –, o tamanho do documento etc, etc. O critério era um show à parte
e as informações sempre vinham a público, fizesse ou não você parte do nicho.
Então
se você fosse um animal que não possuísse um RG tão bom, digno das melhores notas
e avaliações das fêmeas-bonobo, sua reputação estaria fadada a piadas por três
razões muito óbvias:
1. Bonobos-machos que tinham manjolos
pequenos e que submetiam-se à avaliação estavam loucos demais para friccionarem-se
apesar dos comentários, ou não tinham consciência da destruição à qual
renegariam suas reputações;
2. Todos os indivíduos machos que não se
submetiam à avaliação, porque não eram Bonobos, porque eram Bonobos do tipo não-louco-por-fricção,
com certeza possuíam um RG pequeno, e a não predisposição voluntária à
avaliação tornava claro a todos os outros (machos e fêmeas Bonobos) que você
não possuía um manjolo lá dos maiores e, portanto, era inseguro quanto ao ato
do coito e nascera para ser uma piada – sim, a culpa era sua;
3. Por fim e mais importante: fosse Bonobo
ou não, fosse desse ou de outro nicho zoológico, você precisaria aceitar que
sempre seria avaliado e alvo de piadas graças ao seu baixo e mixuruco RG, pois
a vida é assim, macacada!
Ter
consciência dessa condição corporal e social, de um RG tão irrisório, definia
de certa forma um impecável caráter para as vindouras relações em sociedade,
fosse a vida de chimpanzés-pigmeus, fosse a vida de outros bichos.
E por
isso era sempre estranho quando um tipo como o de Sofia estacionava em minha
porta e decidia ficar – você tentava se convencer de que talvez fosse pela jovem
idade, de que, tão imatura e empolgada pelas aventuras da vida, houvesse ela
enxergado em você um parceiro em potencial digno de compreensão e de
companheirismo. Talvez fossem suas piadas. Talvez fosse sua consciência de
possuir um RG tão abaixo da média e ainda assim garantir ao prazer dela certos
confortos e certos truques que a maioria não domava tão bem – você aprendia a
se virar com as outras partes do corpo e tocar os lugares certos. Ou talvez
fosse algo mais que você não soubesse. Mas uma coisa era certa: se uma fêmea-bonobo
daquele porte, com longos cabelos longos e com um corpo de ninfa clássica já
aos vinte, em detrimento e em companhia de você e de seu corpo tão ralo já na
praia dos trinta, estivesse ao seu lado por seus dotes humorísticos ou de
personalidade, e não pela impecável beleza da qual não dispunha ou pelo manjolo
que não era clássico, galante e gigante e veiúdo como dos outros machos, então
algo haveria de ser verdade – no mínimo. Talvez as fêmeas-bonobo realmente possuíssem
coração. Talvez nem todas fossem iguais como os bandos da sociedade levaram-me
a crer.
Sofia,
vinte anos e do signo de Peixes, com uma bunda do tamanho do mundo que
confortava toda minha cara desfigurada quando nela decidia sentar (ou quando
assim eu pedia), estava ali em meu estacionamento, dizendo palavras sinceras e
jurando lealdade, jurando fidelidade e amor e todas as outras coisas que você
não espera receber de tipos como aquele. Então não haveria de ser outra coisa a
não ser a mais pura verdade.
Alguns
meses depois de muita estadia e de companheirismo e de truques e de calores e de
gritos, Sofia veio a mim com a tão ousada proposta que esclareceu, em certo
aspecto, algumas de suas razões de estar por ali ao meu lado:
–
Quero que você coloque na minha bunda.
–
Colocar o quê?
– O
seu RG. Quero que coloque o seu RG na minha bunda. Eu te amo e nunca dei ela
pra ninguém. Quero dar pra você, quero que você coloque tudinho porque eu te
amo.
Foi
desta maneira que resignificamos atos meramente bonobais sob a nova e universal
ótica do amor: com carinho, com zelo, com paixão e compreensão. O único
entrave, no entanto, era o tamanho colossal da bunda de Sofia. Era maior do que
todas as outras pelas quais eu já havia passado – pequenas, inexistentes,
medianas e até algumas grandes, mas nenhuma delas tão gigantesca como aquela.
Às vezes, a obra de arte chegava a me amedrontar e constantemente era fruto de
dores de cabeça, pois nem mesmos os outros homens de minha família eram imunes
a ela: olhavam-na com indiscrição e encaravam-me como incapaz do serviço,
sempre com piadinhas aqui e risadinhas ali, palmadinhas no ombro e frases como:
“que cara sortudo”, “que orgulho”, “isso
aí, hein, filhão?”. Em suma, os genes bonobais estavam impregnados na
maioria dos sujeitos de nossa sociedade, um certo hibridismo genético que
compelia sobretudo os indivíduos do sexo masculino das mais diferentes
espécies, raças, crenças ou ideologias – todos afogados no mais roçador
instinto dos saltos, descontroles, línguas tendenciosas e dados a comentários
nunca medidos, nunca planejados, nunca discretos e sempre tão animadinhos.
Sofia
nunca escutava aqueles comentários, estava sempre tão distante e imune à
compreensão daqueles olhares ou tons de vozes, fato que nos aliviava das
situações. Vez ou outra, quando percebia certo incômodo vindo de mim (do qual
eu nunca reclamava ou nunca de fato revelava), ela me acariciava os ombros e
dizia para irmos embora, pois estava comigo e seja lá o que houvesse
acontecido, tudo passaria. Então nós partíamos e ela nunca, nunquinha percebia os olhares
animalescos e carnais em cima de suas pitorescas nádegas celestiais.
Nossos
problemas com a gestão do ato vieram logo após o convite: o traseiro de minha
amada Sofia era muito grande, mas mais que isso, o problema não era de fato
esse, mas a combinação de uma gigantesca bunda com tão minúsculo RG. Usávamos
todos os tipos de lubrificantes possíveis, dos mais vastos aromas e sabores,
das mentoladas, das frutas cítricas às vermelhas até à boa e velha saliva, mas
a entrada no recinto era sempre prejudicada por um fator de suma simples: a curta
extensão de meu documento.
Sofia
ficava com as mãozinhas e o rostinho afundados nos travesseiros, o a face meio
vacilante e temerosa devido a dor, mas esperando amorosamente o momento de
entrada. A imensa bunda arrebitada para cima, aberta e chamando-me; a pele
lisa, magnífica e reluzente graças aos
produtores-beneficiadores-de-recepção-anal para facilitarem minha entrada, mas era
tão difícil! O problema era que a cabeça de meu instrumento ficava perto demais
da base dele, sobrando-me minúsculos centímetros de espaço para colocar as mãos
e apoiá-lo, o que facilitaria o sucesso na pontaria e na precisão do alvo. O
problema foi recorrente nas primeiras vezes, e foi inevitável não imaginar a
pouca ou inexistente dificuldade que os Bonobos monstruosos espalhados por
nossa sociedade deviam possuir, pois a cabeça de seus instrumentos era separada
por centímetros de distância da base, onde seguravam com segurança, rijos e
prontos para o ataque, acertando com precisão o tão almejado alvo.
O meu,
no entanto, pelo pouco comprimento, tornava toda a tarefa complicada: quando a
ponta da arma estava prestes a entrar, eu aplicava medida e carinhosa força de
encaixe, mas tudo era frustrado porque o espaço (tão irrisório) entre cabeça e
base comprimia-se, tornando-se um só espaço achatado, apesar de rijo, e
consequentemente dificultando o ato.
– É difícil
isso aqui, Sofia.
–
Tenta mais um pouquinho – e ela geralmente dizia isso gastando mais um bocado
de loção deslizante. – Vai, tenta mais um pouquinho, meu amor.
– Ok.
E eu
tentava. Mudávamos a posição, esticávamos joelhos, respirávamos e nos
acariciávamos de novo para que a vontade não amornasse. E então ela empinava
sua colossal bunda para cima e dizia:
–
Enfia tudinho na minha bunda, meu amor.
–
Tudinho?
–
Tudiiiinho.
O
diminutivo era a pior escolha lexical para tal ocasião, especificamente para
minha anatômica situação. Mas ela não fazia por mal e eu relevava sua
compreensão e vontade máximas de insistir no desejo.
Mais
algumas tentativas frustradas (aquela já devia ser a terceira ou quarta noite
de tentativa), mais lubrificantes de cereja, de limão e de chocolate depois,
muita saliva e muita força de vontade também, a cabeça de meu instrumento
finalmente penetrou-a com carinho e com amor. A princípio vagarosamente, regulando
sempre a intensidade da entrada de acordo com os gemidos que ela soltava – se
eram mais próximos à dor, eu maneirava; se eram mais próximos ao prazer,
intercalados por murmúrios de “vai, vai,
vai, amorzinho”, então eu continuava.
Com o
meu pequeno RG (todinho) dentro de Sofia,
a sequência de movimentos foi mais fácil. E mesmo quando a intensidade era
maior e ele acabava escapulindo para fora (o que era frequente de acontecer,
pois era ele mixuruca demais, apesar de duro como o capeta, e quaisquer
movimentos mais longos no retrocesso faziam-no sair da bunda dela). Colocá-lo
de volta foi mais fácil, pois a santa e redundante eulogia do espaço que era
seu orifício anal aparentava estar mais receptivo e aberto para minha estadia,
muito diferente do primeiro contato, sempre tão ríspido e resistente.
Assim,
maneirando nos movimentos de retrocesso e intensificando nos movimentos de
entrada, tornando-os mais fortes proporcionalmente aos gemidos prazerosos de Sofia,
continuamos pela noite inteira. Mudamos até de posição – ora com a bunda
maravilhosa arrebitada para cima, ora com ela deitada de costas e com as pernas
torneadas abertas como um belo frango assado na mesa de família para louvar o
nascimento do menininho Jesus, ora em cima de mim, acocada e ignorando a dor
(que, sinceramente, não sei se de fato sentia devido ao meu patético tamanho).
De um jeito ou de outro, Sofia parecia satisfeita, e se assim ela estava, eu
três vezes mais estaria também.
Ela
gritava:
– Ai,
ui, ui, ui, caralho. Ai, amor. Ai, ai, ai, ui. Isso, assim. Coloca tudinho...
“Tudinho”.
–
Coloca tudo em mim. Assim. É. Assiiiiim. Ui, ui, ui...
Melhorou.
–
Coloca tuuuudo.
“Tudo” é bom.
–
Tudinho meu amor. Tudinho em mim, isso. Ai, ai, ai. Ui, ui...
“Tudinho” não.
–
Tudiiinho.
“Tudinho” é mal.
– Ui,
ui, ui. Tuuuudo!
“Tudo” é sempre melhor.
– Ui,
ui, uiii. Tudinho, ui, ui...
Diminutivos não. Diminutivos são...
–
Tudiiiiiiinho...
...maus, muito maus.
– Eu
te aaaaaamo.
Quando
terminamos e preenchi seu interior com toda minha forma fluida e fértil de amor,
atenção e suporte, ela virou para mim com o rosto num misto de dor e prazer e
beijou-me. Disse-me que só faria aquilo comigo e que só havia feito comigo e
que fora incrível.
Repetia
várias vezes:
– Foi
incrível, meu amor. Eu te amo.
– Eu
também te amo.
Assim
desmistificou-se (ou desmistifiquei) a bunda de Sofia que era tão grande e
linda e redonda e bela quanto o mundo. Assim voltei lá em várias e várias ocasiões,
às vezes com as mesmas dificuldades iniciais (a cabeça tão próxima da base era
algo que sempre traria problemas), às vezes muito mais fáceis de se lidar, pois
quanto mais me conhecia, mais a bunda de minha amada tornava-se uma boa
anfitriã acostumada com minha presença.
Então
os meses e os anos vieram, e com eles o resfriamento inevitável de todas as
relações humanas. Sofia disse-me insistentemente que não queria partir e que
estava disposta a buscar soluções que nos mantivessem presos um ao outro, mas o
cansaço e o desgaste (não apenas o anal) eram destino implacável, irrefreável. Despedimo-nos
de maneira amigável e nos amamos pela última vez com o que quer que restasse do
sentimento que tanto dedicamos um ao outro. No fim de tudo, não éramos como
eram todas as fêmeas-bonobo e todos os machos-bonobo. Ela, acima de tudo, não
era como a imagem que tão erroneamente eu construíra ao longo da vida. Sofia me
fez acreditar através de todo o seu amor e sua fidelidade e sua sinceridade
que, ao menos para ela, eu pude ser único para alguém, apesar do RG.
Alguns
anos depois, em uma mesa no aniversário de Laís, filha de meu primo Carlos, com
sujeitos desconhecidos e baforentos e familiares Bonobos (todos Bonobos,
diga-se de passagem), um do sujeito do qual eu não sabia o nome bateu na mesa
com punhos fechados e sorriso triunfante de bebum no rosto:
–
Agora eu tenho que contar uma pra vocês – ele disse –, deem uma olhada nessa
belezinha aqui.
E
mostrou uma foto no celular para todos da mesa, esbanjando-a como o troféu da Liga
de Pelada do bairro.
– Eu
tô pegando esse filézinho aqui, ó – fez um sinal de “ok” com a mão direita e
todos assentiram, alguns boquiabertos, outros descrentes. O celular rodou por
muitas mãos antes de chegar até mim, mas não quis pegá-lo. Do jeito bonobal
como o sujeito agia, eu não o pegaria nem se não conhecesse o “filézinho” da foto. Infelizmente, era
Sofia. Clara e nitidamente, Sofia. Meus tios e primos sorriam, meio sacanas,
meio desconcertados.
– Acho
que meu sobrinho aqui tem propriedade pra falar disso aí, né, filhão? – Tio
Cláudio, um velho barrigudo e desdentado que sofria com problemas de ereção e
sonhava em ter uma arma de fogo de baixo do travesseiro (para compensar algum
tipo de carência, presumo) bateu em meus ombros com o mesmo tom de voz e com o
mesmo olhar que, anos depois, não mudara em nada.
O
filho dele, primo Carlos, acompanhou-o de imediato:
– Isso
daí é uma bandida de primeira.
Tio
Cláudio deu-lhe um pontapé.
Os
outros riram.
Algum
deles disse “foda-se”.
Outro
disse “É, foda-se!”.
– Que
porra que vocês estão falando? – Questionei, voltando-me sobretudo ao primo
cuzão.
–
Bandida pra cacete. Quando tava contigo, a gente olhava praquele rabão e ela se
fingia de desentendida, isso quando não ria nas tuas costas e dava mole pra
todo mundo.
– Tá
ficando doido, porra? – Levantei da cadeira.
– Ela
se fazia de desentendida, mas adorava um elogiozinho.
– Ela
só é pisciana, filho da puta!!
– Ela
gostava, isso sim.
Saltei
da cadeira. Tio Cláudio pôs-se no meio de nós dois.
– Cala
a boca, Carlos.
Primo
Carlos sorriu e continuou:
– Não
fica puto, primo. Isso já passou, não tem mais nada a ver, né? E aliás, todo
mundo sabia como ela era, tu devias saber também, né? Né? Hehehe.
Avancei
um passo.
Tio
Cláudio me segurou pelos ombros.
– Vai
com calma, filhão.
E o
primeiro sujeito, o do celular, abriu os braços e bradou:
– Vão
brigar por causa de mulher, porra? Que é isso? Esse rabo é grande e vale a
pena, mas vocês são parentes. Família é tudo, porra!
–
Família é tudo! – Primo Carlos disse.
–
Graças a Deus – piscou-me tio Cláudio. – Não esquece que família é tudo.
– O
importante é que tu pegaste esse avião aqui, não pegou, amigão? – Continuou o
sujeito do celular que agora mexia-se como um Bonobo. “Bonobo do Celular” foi
como passei a chamá-lo. – Senta aí e sossega esse ânimo, parceiro. Agora, deixa
eu contar...
Tio
Cláudio fez com que eu me sentasse de volta. Primo Carlos não voltou a me
encarar nos olhos, porém de propósito, desdenhoso, pois o olhar de Bonobo líder
do bando estava triunfante.
Família é tudo.
– Sabe
qual é a boa? – Insistiu o Bonobo do Celular com sorriso estridente. – Tão
vendo essa rabeta aqui? Ela disse que nunca deu pra ninguém. E sinceramente, do
jeito que deu pra mim? Do jeito que fez aquilo, camaradas...? Ah, rapaz... Ah...
Com certeza ela nunca deu mesmo. Uma maravilha só.
Primo
Carlos riu:
–
Hehehehe.
–
Estraçalhei a moleca inteirinha com o tamanho do meu monstrão. Deixei a menina
mofina.
–
Hehehehe.
Todos
vibravam de rir.
Tio
Cláudio prendeu um riso, não fez a menor questão de impedir reações animadas.
Assim como ele, todos os outros assentiram com a cabeça, duvidosos ou
invejosos.
–
Posso ver a foto? – Pedi ao Bonobo do Celular.
– Tu
já passaste por aí também, parceiro?
E
entregou-me.
Era a
boa e velha e tão linda Sofia, com seu sorriso largo e com aspectos mais
marcantes de mulher adulta. Não era mais uma jovem recém-saída da adolescência.
Estava tão linda quanto anos atrás.
– E
ela te deu? Ela deu esse rabo aí? – Carlos instigou-o a continuar, jogando
lenha na fogueira que era a língua e voz baforentas daquele picareta exibido e
desgraçado.
O
celular ainda estava em minhas mãos quando o dono dele respondeu, fez um gesto
de balanço com as mãos, estalando os dedos e sinalizando dever cumprindo.
– Ora
se não!? Estraçalhei.
Todos
riram. Até tio Cláudio riu.
Era
aniversário de três anos de Laís, filha de primo Carlos, então crianças corriam
e gritavam ao nosso redor e todos confraternizavam com risadas e piadas. Apenas
naquela mesa, talvez pelas várias cervejas, talvez pelo instinto animalesco e
gorgolejante de Bonobos quando unidos, a conversa tomava qualquer outro rumo
destoante de festas de aniversário e rodas civilizadas de animais civilizados.
Ali,
os Bonobos berravam e provavam o porquê eram o que eram.
O
celular ainda estava em minhas mãos.
–
Assim que se faz, mano – gargalhou primo Carlos. – Esse rabo aí é grande demais
pra ser de um só. Todo mundo tem que tirar uma lasquinha.
– É.
–
Isso!
– É,
isso aí!
Concordaram
os outros.
Olhei
para a foto. Sofia parecia feliz com aquele sorriso, parecia estar bem. E ainda
estava linda. Era o que importava. Admirei-a uma última vez antes de respirar
fundo, quase aparentemente apaziguado.
O Bonobo do Celular disse que havia dezenas de fotos dela, “toda perfeitinha e peladinha”, e
assegurou a todos que as mostraria para o resto de nós. Então pediu-me o
celular de volta, ressaltando:
– Sem
ressentimentos, cara. Já passou e não tem nada a ver, né?
– Pois
é, não tem nada a ver – Tio Cláudio continuou dando-me tapinhas em meu ombro.
– É –
concordou primo Carlos –, tu já passaste por aí também, bora aproveitar e passa
logo esse celular que é. Bora ver as fotos aí, primo. Compartilha o pão.
Continuaram
os outros:
– É!
– Isso
aí.
–
Passa aí.
Abri
um sorriso e igualmente assenti. Segurei o celular firme na mão e o devolvi ao
seu dono Bonobo, mas ao invés de apenas entregá-lo, arremessei-o direto e no
meio do nariz como um pequeno meteorito num grande mar de bosta entulhada. Um
rio de sangue jorrou e o sujeito caiu para trás, quebrando uma das pernas da
cadeira de plástico. Algumas pessoas gritaram, crianças choraram e a música
parou.
Tio
Cláudio tentou me segurar, mas já era tarde. Àquela altura, minhas mãos já
estavam no colarinho de primo Carlos e o bico do meu sapato acertando-o entre as
bolas. O manjolo do primo, notei, era gigante e volumoso – um verdadeiro Bonobo
bemdotado. Se as coisas pequenas eram mais fáceis de entrar, então as grandes eram
mais fáceis de acertar.
E eu
acertei.
Família
era tudo.