25 de março de 2017

Más sementes




Talvez você encontre algumas doses de veneno no caminho. Talvez você as ofereça, talvez você as consuma, talvez vocês as compartilhe. Se seguir por esse tortuoso destino, com certeza encontrará aspectos necessários para a sua gradação em alguma escala – a boa ou a ruim. Por vezes, adaptação não necessariamente significa evolução, pelo menos não neste sentido, pois aqui não será a biologia o sistema máximo a imperar, mas aquele interno, pouco determinado por genes ou fatores naturais. Os fatores aqui serão todos mutáveis internamente (a nível existencial), mas não por essa razão menos difíceis de modificar.
Na gradação antes citada, talvez você evolua para o bem, mas talvez evolua para o mal. Talvez você compartilhe as doses de veneno que encontrar ao alimentar a raiva que em você haverá de consumir ossos, fibras e coração. O Budismo adverte, neste iminente estado de Inferno ao qual estão sujeitos todos os homens, que quanto mais você alimentar tendências negativas e semeá-las pelo mundo, certamente serão elas devolvidas a você – consequências diretas ou não. Milhares de crenças, doutrinas, religiões e filosofias dizem o mesmo, embora com palavras diferentes, pois desde os primórdios da espécie humana, contamos as mesmas histórias e sofremos os mesmos males, porém tão bem articuladamente que o fazemos de maneiras distintas. Há quem diga que exista somente uma luz, há quem diga que exista somente uma treva. Há quem diga que ambos sejam a mesma coisa. Os antigos druidas falavam sobre a existência de uma única verdade, porém que ela é proferida com diferentes palavras por muitos sábios.
Eis a mensagem primordial, em provável a mais importante delas, aquela que tenta guia-lo enquanto estiver perdido (ou perdida) no caminho da raiva e da vingança. Você vai querer rir, vai deliciar-se com a degradação e azar alheios, talvez use os próprios pés ou pés outros (talvez se valha de sussurros, sugestões e ideias) para derrubar aqueles a quem deseja destruir ou retribuir mágoas antigas. Tentará encontrar o amor, mas estará consumido (ou consumida) demais com coisas que julga, hoje, muito mais importantes, como as tendências negativas que espalhou. Então não entenderá porque a única chance de cultivar coisas boas não há de gerar frutos, afinal o solo arejado está em suma contaminado por aquelas más sementes que semeou pelo caminho. O ódio aumentará, você julgará a si mesmo indigno (ou indigna) de amor ou destruído (ou destruída) demais para tal, quando a verdade, a única e mais universal verdade, propagada por tantos homens e mulheres ao longo de nossa história, é que não brotará amor verdadeiro de um solo adubado com veneno e ofuscado demais pelas nuvens tempestuosas do passado. Portanto, há de se aprender coisas importantes, sejam lá os sábios que você escute ou sejam lá as muletas que psicológica, cultural, intelectual ou afetuosamente o auxiliam na caminhada.
Escutando qualquer uma das tantas filosofias que vagam pelo mundo, talvez você aprenda a perdoar a si mesmo (ou a si mesma) a partir do momento em que o ódio cultivado parar de ser semeado. Quando cessar o desejo de vingança e o desejo de degradação alheia, certamente enxergará um céu mais límpido e uma estação mais serena a cultivar as boas sementes. A partir daí, talvez encontre o amor que tanto procura ou a paz que tanto almeja – com sorte, encontrará os dois. Quando cada ato estiver livre da vingança, quando cada palavra não for mais carregada pela cólera, pela ironia ou pela falácia meramente direcionada a um alvo específico, então encontrará o amor único ou compartilhado – com sorte, encontrará os dois. 
Ou talvez você as consuma tão euforicamente que não encontrará, tão cedo, a capacidade de superar, de perdoar ou de seguir em frente, pois as sementes dessa raiva tão colérica e eufórica são fortes demais, agarradas demais nas entranhas da alma como um câncer terminal. Nesse ponto, mesmo no Inferno ao qual estará submetido ou submetida, encontrará, sim, novos e possíveis amores ou novas e possíveis alternativas de mudança, mas estará cego (ou cega) demais para permitir-se libertar, permitir-se amar, permitir-se voar. Fará da superficial imagem tua única aparência, não teu supremo e verdadeiro conforto. Continuará, em tuas palavras, debochando da segunda maior força do Universo, aquela que os sábios desde os primórdios da espécie humana vêm defendendo, as (boas) doutrinas disseminando e os infinitos artistas cantando, contando e pintando.
Continuará, em tuas palavras, tentando espetar vãos objetivos com indiretas e ódio remanescente. Perderá as boas oportunidades diante de ti. Continuará espalhando palavras tortas, golpes cruzados e explosões de impaciência – e pior: mesmo para com aqueles que dizes amar. Continuará com as palavras de desprezo e pobre imponência desmedida em público, ao afirmar-se inabalável, inatingível, desprendido, desprendida, repelido ou repelida ao amor – aquilo que, no fundo, é o que mais procura e o que mais revolta-se por não encontrar.
Quando permitir-se ao ato de não espalhar as más sementes, somente então encontrará terreno fértil para plantar o que tanto almeja colher.
Ou, no mínimo, arejar terra propensa para fixar serenamente a planta dos próprios pés.  



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