Tem feito
um calor de fritar o cérebro ultimamente.
Especialistas
disseram outro dia no jornal que por mais que as metas de emissão de CO² sejam
reduzidas em 2%, este planeta continuará apocalipticamente quente pelos
próximos 100 anos. É tempo demais, que sorte a minha não durar tudo isso e
provavelmente dar um tchauzinho bem antes. Quando vi a notícia na tua
televisão, você estava ao meu lado tirando as cutículas do dedão do pé, na
verdade nem pareceu se importar muito e foi aí que eu vi que isso não poderia
ser tão sério assim, caso eu assumisse uma postura tão egoísta e anti-ambiental.
Isso automaticamente me fez pensar no episódio de Futurama, quando o lixo do
século 21 jogado no espaço está voltando à Terra no século 22 com um grave
poder de ameaça. Como solução, a humanidade joga o lixo do século atual contra
o lixo do século passado e no final uma pergunta é feita:
- e se esse
lixo voltar daqui a 100 anos? – alguém questiona.
- não é
problema nosso. – Fry responde.
Não é
problema nosso.
Nem é
problema seu.
O problema
seu, neste século e neste instante, é a cutícula do dedão do pé. Eu te contei
uma vez que acho pés femininos bonitos, os bons pés pelo menos. Não é um
fetiche sexual, que fique claro, pelo menos não ainda, assim espero. Eu troco
de canal. Ultimamente os canais de documentários exibem apenas programas sobre
pechinchar velharias e leões em savanas – “A Leoa”, “A Grande Leoa”, “Leoas”, “O
território dos felinos”, “Savanas”, “O Leão”, “O Grande Leão”, “Leão”, “O Rei
da Savana” etc.
Nada contra
leões, nada contra você, nada contra sua configuração astral, inclusive.
Troco de
canal. Antigamente (e isso até pouquíssimos meses atrás), você adorava e
gargalhava assistindo Apenas um Show. Apenas não sei o que aconteceu agora.
Você continua com essa cutícula interminável. Diminuo o volume e trocou de
posição na sua cama, ela é imensa e logicamente não ocupo tanto espaço. Viro de
ponta cabeça, me enrosco entre os panos, deito a cabeça ao lado do teu pé, pra
ver se me nota.
- o que que
tá rolando? – eu pergunto e
claramente
você não responde, me exprime um sorrisinho triste com aquela tristeza
envergonhada nos olhos que eu já vi três vezes antes na vida. Três vezes antes
já é demais para que eu não precise repetir a pergunta, pois já sei a resposta.
- a unha tá
bonita, eu beijaria suas unhas se isso não fosse nojento.
Você
deveria sorrir agora, mas só arqueia as sobrancelhas e diz com tom
discretamente lamentável:
- credo,
tão submisso.
É verdade,
eu respondo mentalmente.
Acho que deveria parar.
Três vezes antes
e eu ainda não aprendi, não tanto como aprendi sobre esses olhares
envergonhados que não querem exatamente dizer o que sentem.
- São só
unhas, deixa disso. – dou uma piscadela para disfarçar qualquer reação imediata
que tenha brotado no meu rosto, mas que sorte você não ter olhado.
Cruzo os
dedos por trás da cabeça e observo o teto do teu quarto, mas não antes de
bisbilhotar teu rosto. O cabelo chanel sumiu junto com os olhares de leveza,
eles agora estão maiores depois do dia que você acordou estranha, olho-se no
espelho e disse:
- cansei
desse cabelo, vou deixar crescer e
simplesmente
deixou
crescer.
Tem
deixado.
Além de
unhas e pés femininos, eu sou admirado e submisso por cabelos femininos.
Admirado e
submisso pelos teus cabelos também,
mas eles
estão crescendo
e eu não posso fazer nada agora.
Nenhum comentário:
Postar um comentário