Eu te vi sentada ali, reclinada como
um ratinho de laboratório, injetado por um punhado de cocaína diluída-experimental.
Seus dedos alongados se mexiam num frenesi doentio, riscando traçados
irregulares, formando conjunções anêmicas e psicóticas. Seus olhos estavam
vidrados, e não vermelhos, como da última vez. As têmporas transpiravam e, eu
juro por Deus, sua pele exalava um fedor que eu jamais imaginaria sentir. A
respiração acelerada galgava como uma manada de cem touros demoníacos, as
costelas subiam e desciam enquanto teu peito arquejava. A propósito, eu te vi
nua, trajando apenas uma calcinha colorida. E havia, além da tua carne, o aroma
do álcool escapando a boca entre os suspiros alucinantes. E os dedos se mexiam, continuavam, tecendo pensamentos e especulações.
Os cabelos úmidos te despencavam as costas nuas, encharcados nas pontas e
deitados na coluna como tentáculos oleosos e astutos, esperando por uma vítima
a tragar e deglutir, logo a seguir. Ainda estavas ali, e ao teu lado eu me pus,
sentando no chão, de costas para a mesa, com a cabeça baixa e os ouvidos
atentos. Eu fechei meus olhos, imaginando que, de fato, não havia muito a se
fazer. Eu falhei desde o início, mas não dei o braço a torcer, aliás, eu estava
ali depois de tanto tempo, não é? Eu tentei, eu estanquei, eu fiquei, eu
persisti e depois de muito a determinação esmurrar, não parei. Ainda assim, falhei. Você me olhou com aqueles
enormes olhos verdes, só então parando com os excitados movimentos dos dedos. Moveu
a mão entre meus cabelos e me acariciou, tão longamente que me senti com dois
anos de idade, sendo acalentado antes do sono por mãos maternas. Balancei a
cabeça e sorri, elevando o rosto para te olhar. Aí você me sorriu de volta,
balbuciou algo entre os lábios ressecados – por Deus, suas bochechas eram agora
dois imensos buracos, fundos e sem vida. “A
que estado eu te deixei chegar?”, ficava me questionando. Retirou
as mãos magras e voltou a mover os dedos, freneticamente. Das tuas narinas,
ainda podia contemplar um rastro branco, resquícios da última aspirada que
dera. Ainda havia pó sobre a mesa, e daquele hábito mortífero, fazia da sua
profissão uma desculpa para o vício. Continuava linda, no entanto. Vidrada no
projeto novo: o quarto, último e tão aclamado volume dos best-sellers. Uma legião
de adoradores esperava por aquilo, fãs abarrotados de clamor e angústia. Aposto
que você estava no último capítulo, dali em diante, nem mesmo eu saberia dizer
quais páginas viriam. Apertei os olhos, lagrimando tão secretamente que você
sequer notou, tamanha era a concentração no ofício. Mas eu continuaria ali,
tentando te puxar de volta do alucinante motivador do teu talento - ou ao menos
tentando fazê-lo. Ouvi os batuques nos
teclados, as mãos se movimentando como uma masturbação sobre os lençóis, totalmente alheia à minha presença, como se nem mais lembrasse que eu estava ao lado, numa presença totalmente inútil em forma de ajuda.
E seus dedos se mexiam, outra vez.
Altas putarias
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