A
característica de ser nocivo, nestes termos e nestas específicas
circunstâncias, parece-me quase, quase congênita. É como o semear de uma
semente ou a iminência do passado, que bate à porta todas as noites de sábado,
ultimamente sempre aos sábados. Porém não é característica hematológica, não
está correndo nestas veias como uma sina latente ou como um determinismo grego,
é construção, tijolo sobre tijolo, ato sobre ato, vilipendiados todos através
dos anos, cravados nesta demora de crescer, nesta demora de enxergar, a mesma
demora com que o carboidrato corrói as córneas, retinas e todos os demais órgãos que
te fazem não enxergar, que te fazem não ver, que te fazem abrir apenas o par de
primeiras pálpebras, jamais o segundo.
É a
permanência desse ar nocivo, desse ar atrasado, dessa demora de ver o tempo
passar por estares preso ao presente, por não sonhares ou por não planejares. Por que o
presente é confortável? Por que não percebeste a areia na ampulheta escorrer?
Ou por que não notas quando esse teor nocivo te enche a boca, desliza pela
língua e doma as ações? Ou as desações. O quê, diga-me, o que exatamente te faz assim? A criação?
A memória de nunca ter pertencido ou estado em uma época boa da vida, por que
em todas as épocas ou te arrependes ou tens vergonha do que foste? A criança
mimada, tola, mal-criada por criação que não te cabia julgar ou perceber? A
adolescência rebelde, igualmente tola e mal-criada, egoísta-sempre-egoísta e
habitante de uma dor que nem deveria ser chamada de dor, tudo porque era uma
dor patética e desprezível? Ou o início da fase adulta, uma soma cumulativa-destrutiva
das duas primeiras, nociva sobretudo nas palavras e nos atos e na capacidade de
expirar veneno & brasa & fuligem & hipocrisia? Ou foram os falsos privilégios
sobre os quais a semente germinou, cresceu e agora precisa ser podada ao menos
para não se enraizar em paredes e em estruturas de casas alheias? Em qual
destes momentos a tua nocividade não proposital, mas igualmente demolidora, vai
se apaziguar, desaparecer e dar origem a uma nova pessoa, àquela que precisam
que sejas, àquela que anseiam que exista, àquela que parece ser a única, a única
a não causar sempre&sempre tanto estrago, lágrimas e corrosão de sonhares?
Inclusive, ora, este próprio questionamento é fruto e será o semear
de mais uma dessas tragédias.
Em que
momento estas veias corrosivas,
arenosas
&
venenosas
deixarão de te assolar, correr por ti &
finalmente
te
abandonar?
Até quando?
