Paulo
Victor Gomes Feitosa nasceu a 27 de abril de 1989. Taurino, com ascendente em
Libra e Lua em Aquário, era pardo, tinha 1,79m de altura e, à altura desta
narrativa, 83 kg. Torcia para o Paysandu Sport Club (o que, de certa maneira, afirmarão
alguns, justificará suas futuras ações e o teor de sua viril índole) e
nunca saiu do Estado do Pará – a propósito, e por curiosidade, o mais longe que
pôs os pés da cidade natal foi em Marabá, durante tenra infância, para o
velório do avô paterno. PV, como era conhecido pelo círculo mais próximo de
amigos, de colegas de trabalho, de ex-companheiros de escola e pelas 5
ex-namoradas, era detentor de muitos detalhes e de quase infinitas
particularidades, assim como qualquer pessoa neste mundo. Aliás, quando refletia
sobre o assunto (do quanto as pessoas são uma miríade infinita de
particularidades), um verso específico de Raul Seixas vinha-lhe em mente: cada
um de nós é um universo.
Por
questão de coincidentes curiosidades que nada contribuirão à narrativa, o
universo-Paulo-Victor quase foi registrado como Ernesto Gomes Feitosa, porém
foi o pai quem decidiu pelo nome do filho no instante de registro no cartório
Condurú da Avenida Almirante Barroso, a contragosto da mãe, que estava em casa
julgando que o marido obedeceria aos desejos e planejamentos dela; em homenagem
ao homônimo goleiro “Paulo Victor” Barbosa de Carvalho, que jogou no Fluminense
entre as décadas de 1980 e 1990, tricampeão pelo tricolor nos anos de 83, 84 e
85, e que também nasceu em Belém do Pará, assim o quase-universo-Ernesto foi
batizado de Paulo Victor. Ser amante de futebol, da mesma forma que o pai, faz
de PV um sujeito ímpar, igualmente ímpar como a maioria dos 98,5 milhões de
cidadãos ímpares do gênero masculino a atualmente habitarem o Brasil.
Todos
esses são detalhes que poucos conhecem. Deles, os mais importantes são de
conhecimento de instituições governamentais. Outros, apenas de familiares. A
parte mais pessoal deles, compartilhados entre o círculo mais próximo de
amigos, de colegas de trabalho, de ex-companheiros de escola e de 5
ex-namoradas. A atual namorada, Maria Clara, era, atualmente, a que mais
deveria conhecer PV em detalhes. Deveria. Porque na prática, bem, na
prática esta narrativa sequer é sobre Paulo Victor ou sobre Maria Clara, mas
sobre a garota que mais empenhadamente conhece Paulo Victor nesta cidade: Mia
Gurjão, melhor amiga de Maria Clara.
O
interessante em círculos de amizades na cidade das mangueiras é que nenhum
detalhe passa despercebido de ouvidos e de bocas alheias. As intimidades, as
brigas, os desentendimentos e as rotinas de um casal, quando não expostas
publicamente em redes sociais, são amplamente difundidas entre amigos. Mia
Gurjão, por exemplo, conhecia todos os defeitos de PV, pois era ela a quem
Maria Clara desabafava quando estava irada, frustrada ou puta. Não são as mães,
as irmãs, as amantes, as terapeutas ou as entidades protetoras de um homem a
melhor conhecê-lo. São as melhores amigas de suas companheiras.
Aos
ouvidos de Mia Gurjão chegavam os desafogos, as denúncias, as desavenças e toda
a sorte de coisas que irritavam Maria Clara, ímpar moça de frequentes vestidos
floridos, sandalinhas rasteiras e pele de alvo porcelanato, profusa amante de
pagodes em fins de semana e que se deparara com a sorte de namorar sujeitos
ímpares como PV. O mais curioso, entretanto, é que, por conta das inúmeras
confissões, a melhor amiga conhecia apenas uma versão de Paulo Victor, versão
essa que era compartilhada com as demais amigas em comum das moças, geralmente
no grupo particular de Whatsapp (PLLP, sigla interna para “Pretty Little
Liars Paraenses”), e que sempre retorciam os bicos, digitavam indiretas
secretas pelo Bluebird.com
ou fingiam simpatia com majestosa teatralidade quando estavam perto do
rapaz.
Mia
Gurjão, aliás, era o último tipo.
Um
dia, no entanto, as coisas mudaram. Foi em uma mesa de bar enquanto
confraternizavam a progressão de carreira de Maria Clara na empresa de
advocacia do tio. Ela e PV não andavam brigando por aqueles tempos, pelo
contrário. Após 4 doses de caipirinha, a moça narrou o último final de semana
do casal em Marudá. Contou-lhes todas as peripécias sexuais com a mais sórdida
profundeza de detalhes. Porém, mais que isso, tocou num assunto que nunca havia
antes tocado, a respeito dos 16cm perfeitamente retos e idealmente espessos de
Paulo Victor, e sobre como ele era um homem mais do que higiênico, veiúdo,
cheiroso e entalhado como se por um Bernini no mais artístico dos mármores,
sobretudo quando rijo, só que não branco, mas moreno, a quase cor do pecado que
brilhava, lustrosa, quando babado pela saliva dela.
Revelou
a todas as meninas que ele era detentor do segredo que parecia intocável e
pouco sabido pela maioria dos homens: sobre como o vai e vem, o entra e sai e o
tira e põe não é o truque-principal, não o carro-chefe, tampouco o único
movimento a ser feito, mas sim o gingado lateral, o mover horizontal de quadril
quando os 16cm já estavam dentro dela, a leve reboladinha que PV sempre fora
expert em dar. Muito além disso, revelou, sem perceber, o formato da língua do
parceiro, a forma como a ponta era anatomicamente projetada para proporcioná-la
prazer e como possuía um movimento específico capaz de alcançar o ponto no
corpo feminino que a maioria dos homens só parecia descobrir a existência
depois dos 25 anos de idade ou da 101ª transa, quando descobria.
Narrou-lhes também a forma como Paulo Victor introduzia nela os dedos médio e
anelar da mão direita, enquanto acariciava-lhe o ponto desconhecido pela
cultura masculina, ou quando, extremamente molhada e já dilatada, ele conseguia
também introduzir o dedo indicador como complemento. Não só isso, como ele
também movimentava os dedos em forma de gancho, tocando-lhe a parede interior
do órgão e pouco custando fazê-la explodir e esguichar e todos os
demais verbos sensoriais começados com a letra E de extrema eclosão de
enérgica euforia.
Naquela
noite, as garotas beberam um pouco mais e se divertiram mais ainda. Reclamaram
sobre a vida e praguejaram os ex-namorados que agora estavam casados levando
vidas melhores, com empregos melhores e em casas melhores, porém com mulheres
“feias” e “gordas” que sequer eram merecedoras de comparações como “mais
feias que a gente”. Apesar da fama já recorrente entre as amigas, e como
todas as garotas já conheciam PV, algo substancialmente diferente ocorreu
naquela mesa de bar. Entre todas elas, sim, mas principalmente com Mia Gurjão
que, sem se dar conta – levada pela sutil semente que é plantada nos confins
das intenções, na sombria área da psique a quem os especialistas chamam de
desejo latente –, lançou mais duas ou três perguntas a respeito do desempenho
de PV. O restante das meninas também teria notado, e muito teriam reclamado ou
a criticado, caso não estivessem igualmente interessadas nas respostas.
Incomodada,
mas sem saber o porquê, Maria Clara respondeu às perguntas. Só se deu conta do
problema causado naquela noite meses depois, quando a paranoia já havia
alimentado desconfianças e as mesmas desconfianças trouxeram evidências:
os
comentários de Mia Gurjão nas fotos de PV no Instagram,
o
número de curtidas que ela começou a dar nos stories dele;
a
frequência com que Mia exigia mais encontros entre amigos,
churrascos,
rolês
num Açaí Biruta,
BalacoolBar,
Vitrine
Lounge,
Manga
Jambú,
resenhas
em bares durante qualquer RExPA
ou
a maneira como, ante quaisquer reclamações sobre PV feitas por Maria Clara, Mia
fazia questão de soltar um “meu casal favorito” em tom falsamente
irônico, sugerindo o término como saída viável.
Curiosamente,
Mia Gurjão criou mais afeto pelo Paysandu Sport Club e até sobre a história do
time começou a perguntar para PV, na frente da amiga, com um tom levemente
inocente de quem está genuinamente em busca de aprendizado profundo. Certa vez,
até pediu a ajuda de Maria Clara num assunto jurídico e, mesmo sabendo que ela
estava assistindo a uma pelada de Paulo Victor com os amigos, fez questão de
ir, pagar a entrada e tratar, meramente, de um assunto banal sobre uma dívida
banal de um banco digital banal. Naquela tarde, PV fez um golaço ao cobrar uma
“falta da entrada da grande área”, termos esses que Mia havia aprendido com
ele.
Hoje,
graças a Maria Clara, Mia Gurjão conhece muitos detalhes sobre Paulo Victor.
Depois de prolífica conversa no Instagram com a amiga da namorada (sem que esta
soubesse), o sujeito perguntou à mãe o horário exato do próprio nascimento e
foi assim que Mia conheceu algo que ainda não sabia a respeito dele: PV também
tinha Vênus em Escorpião. Não que tais configurações estelares importassem tanto
para Mia, não eram os atributos astrológicos que ela desejava vislumbrar.
Implorou, entretanto, que o rapaz ocultasse tal conversa da namorada, por
razões meramente de horóscopo, já que Maria Clara, ora, era canceriana e não
lidava muito bem com ciúmes. PV não compreendeu porra alguma daquela
conversa, apenas o que lhe interessava: as progressivas interações por parte de
Mia e o que isso realmente significava e onde isso de fato os levaria. PV,
claro, como um sujeito ímpar e que tinha por honra atender aos instintos mais
primitivos de sua criação e de sua natureza, muito ansiava por descobrir a
textura, o calor e o acolhimento de tão pretendido lugar.
Das
particularidades infinitas que orbitavam o universo-Paulo-Victor, a
inteligência em campo era a mais admirável. Sabido da inicial desconfiança da
namorada, ao ser questionado sobre as investidas da amiga, PV fez-se de bobo.
Estupefato, até. Mia Gurjão?! Mia teria, decerto, mais motivos para detestá-lo
do que para minimamente notá-lo. Paulo Victor, como um hábil centroavante,
utilizou a jogada a seu favor e listou todos os erros que até então cometera
naquele relacionamento, enumerando-os e chutando os prováveis vacilos que
certamente chegaram aos ouvidos de Mia.
—
Por exemplo — começou ele, já antevendo, desde o meio campo, a brecha para a
jogada. — O que ela disse sobre o mês de Julho em Mosqueiro?
—
Quando tu deste carona pra tua ex?! Que merda isso tem a ver, Paulo Victor?
—
Tem tudo a ver, meu amor. Contaste essa história pra Mia? O que ela disse sobre
isso?
—
Ela ficou puta. Ela me apoiou, pelo amor de Deus, né? Que merda. Por que me
lembraste disso?
—
Depois disso, ela nunca mais olhou na minha cara com qualquer sinceridade. A
mina só me suporta. Achas mesmo que ela sentiria qualquer coisa por mim?
Maria
Clara ficou calada. Nunca chegou a mencionar sobre a mesa de bar ao namorado,
não daria qualquer pingo de autoestima nem a noção da própria fama que ele
agora possuía na imaginação das pretty little liars paraenses.
—
Tu bem sabes que a Mia não gosta de mim — reafirmou ele. — A gente se suporta
por tua causa.
—
E todas essas mensagens? — Apontou ela para a caixa de entrada no Instagram.
—
Eu não faço ideia — ele deu de ombros, mas suspirou ao final e preparou-se para
finalmente se aproximar da grande área. — Mas bem que achei estranho. Tu achas
que ela pode estar, realmente, interessada em mim?
—
Acho — bufou, tola, a namorada.
—
Em mim?!
—
Sim!
O
jogador então avistou o espaço aberto entre os zagueiros. Como Kaká contra o
Manchester United na Liga dos Campões de 2006/2007, costurou-os com maestria:
—
Eu não acredito nessa possibilidade, mas… — vencidos os zagueiros, havia apenas
as duas imensas traves, a rede e um goleiro incapaz de bloquear o espaço
descoberto no canto direito.
A
abertura infalível, o espaço desejado.
O
centroavante respirou fundo.
—
Já que você tá dizendo, eu vou acreditar em ti, amor — prometeu PV.
Ele
impulsionou os músculos da perna direita para trás.
—
Vais fazer isso por mim? — Perguntou Maria Clara, desarmada e esperançosa,
alegre por o namorado acreditar nela e não tomá-la por maluca.
—
Não vou dar bola alguma pra ela — o centroavante deu uma última checada
no espaço desprotegido.
—
Por favor.
—
Vou dar uma afastada, tá? — Com técnica e maestria, ele chutou a bola.
—
Jura?
—
Juro.
—
Obrigada.
E
fez o gol.
Maria
Clara relaxou a vigília sobre o centroavante. Nele, confiava com unhas e dentes
e teve certeza de que as conversas pelo Instagram cessaram, embora,
infelizmente, não houvesse se atentado aos demais estratagemas disponíveis nas
lojas de aplicativo ou no empenho de um exímio jogador pessoalmente ensinar uma
torcedora curiosa a respeito de regras ou de prolíficas jogadas.
Outro
dia, Maria Clara compartilhou com uma das Pretty Little Liars as desconfianças
que vinha alimentando sobre Mia Gurjão, mas de maneira muito educada a ouvinte
fez questão de apaziguar a paranoia que vinha corroendo a amiga há meses.
—
Olha, mana, tens certeza disso? — Perguntou, com leve desdém, a equivalente
Emily Fields paraense.
—
Certeza? Claro que não. Mas faz sentido?
—
Por que tu achas que faria?
—
Depois daquela conversa que a gente teve.
—
Sobre o tamanho do pau do Paulo Victor e como ele te faz ou fez gozar cinco
vezes seguidas?
Se
Maria Clara fosse um tiquinho mais esperta, ou intuitiva, teria notado o tom
imaginativo na voz da amiga.
—
É… achas que ela… sabe… Ficou…?
—
Interessada, mana? A Mia?
—
Sim.
A
amiga riu da mesma forma com que Mia Gurjão vinha estranhamente rindo nos
últimos meses.
—
Amiga, eu sei que tu estavas muito empolgada naquele dia, mas a Mia, tu e eu já
tivemos coisas bem melhores que o Paulo Victor. Me desculpa, eu sei que é o teu
namorado, mas assim, mana, não viaja. Sinceramente, e a gente já te disse:
o PV nem é tudo isso.
E
se Maria Clara fosse um tiquinho mais esperta, ou intuitiva, teria notado o tom
de inveja na voz da Pretty Little Liar paraense.
Inveja
não dela, é claro.
Não
de Maria Clara.
Mas
de Mia Gurjão,
que
estava a uma sentada de conhecer os detalhes mais proeminentes de Paulo Victor
Gomes Feitosa.

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