— Aqui — ela disse, entregando o celular.
— O quê?
Na época, aplicativos verdes de conversas instantâneas em aparelhos móveis seriam ainda novidade. Naqueles tempos onde tudo era mato, o mundo vivia os últimos fragmentos de conversas em computadores ou em SMS.
A garota acendeu um cigarro enquanto o esperou reagir à tela. Era uma imagem: a ilustração de um sujeito sombrio, também com um cigarro na boca, de braços cruzados.
— "Tem um nó na garganta e uma sutil corda no pescoço" — ele leu em voz alta.
— É.
— Hum.
— Achei a tua cara.
Ele coçou a cabeça, meio sem jeito. Estavam nus. Haviam visto, tocado e sentido um o corpo despido do outro. Ela conhecia o cheiro do suor com perfume que ele exalava, ele conhecia o suor frio e os pés compridos e esqueléticos com que ela o roçava. Mas o verdadeiro embaraço vinha mesmo era daquele toque de observação, quando ela o analisava pela alma.
— É, né?
— A cada dia essa corda aperta mais — disse ela.
— Parece isso.
— Parece — a fumaça escapou pelo nariz. A garota tinha aparência apática. Traços retos, linhas angulares tanto no rosto, quanto nos ossos. Comprida, muito comprida, maior que ele em quilômetros e em vida. Uma escultura de beleza fria e elegante.
— Relaxa, eu não vou despencar do banquinho.
— Aí é que tá. Tu pulas do banquinho todos os dias.
— É?
— É.
— Isso não é bom.
— Não. Mas eu gosto.
— Por quê?
— Por causa dessa melancolia.
— Ah, é?
— É.
— Por quê?
— É poética.
— Ah.
— Inocente também. Eu não acho que tu tenhas vivido muito, mas sabes falar sobre.
— Não vivi, mentir só faz parte disso.
— Bom, estás vivendo agora — ela tragou e ofereceu o cigarro. Ele, novato no tabagismo, aceitou por aparência. Negar, além de insensível, soaria como amadorismo. Tinham cinco anos de diferença. Mas ela era alta, muito mais alta, em tragos e em estragos.
Ele devolveu o celular. Não sabia como encarar aquilo. Era verde demais para compreender, decerto por prestar mais atenção nas tantas cordas em volta do pescoço e focar no nó da garganta do que necessariamente em enxergar a verdade.
A verdade era só uma: despida ao lado dele com um cigarro entre os dedos, mais acessível do que ele imaginava, mais calorosa que os pés gelados que o roçavam as canelas.
Se mentira ou se verdade, ela continuou tragando. Enquanto, a cada ano, nele o nó desafrouxava. E a corda também.