14 de maio de 2021

Post mortem



Quem se sobressai é o monstro,

É a soma de coisas ruins:

As francas falhas que foste.


Quem se sobressai 

Depois que morre o afeto

E padece o fraterno

É o monstro:


As minúcias diárias, 

As pequenas nuances,

As rachaduras invisíveis 

No meio da santidade.


No funeral da parceria

O ode não é à memória

Nem aos grandes feitos,

Senão aos defeitos:


À vida que cercava o defunto,

Ao sangue composto 

Na história do morto.


As usurárias vozes que 

Um dia perderam o pódio 

Velarão o corpo deteriorado


Ao lado de viúvas ou viúvos

Com a pústula ânsia de dizer:

"Eu era melhor",


Embora esses abutres

profanadores

Não o sejam

Nem nunca o tenham sido.


Estarão de mãos dadas,

Risadas, triunfos e Ave Marias

Para dizerem aos órfãos-amantes


Que a tonalidade e a classe

Não enganam: "a razão nos cabia!"

Embora nem tanto.


Pois dos mortos o que fica

É o que deles dizem:

Não o que nas juras,

Não o que nos laços,

Não o que nas vidas,

Não o que nos atos

Privados o foram.


Quem se sobressai é o monstro,

É o preço que o amor

Haverá de cobrar.


(Felipe Santiago)