1 de dezembro de 2025

Um conto belenense


 


Paulo Victor Gomes Feitosa nasceu a 27 de abril de 1989. Taurino, com ascendente em Libra e Lua em Aquário, era pardo, tinha 1,79m de altura e, à altura desta narrativa, 83 kg. Torcia para o Paysandu Sport Club (o que, de certa maneira, afirmarão alguns, justificará suas futuras ações e o teor de sua viril índole) e nunca saiu do Estado do Pará – a propósito, e por curiosidade, o mais longe que pôs os pés da cidade natal foi em Marabá, durante tenra infância, para o velório do avô paterno. PV, como era conhecido pelo círculo mais próximo de amigos, de colegas de trabalho, de ex-companheiros de escola e pelas 5 ex-namoradas, era detentor de muitos detalhes e de quase infinitas particularidades, assim como qualquer pessoa neste mundo. Aliás, quando refletia sobre o assunto (do quanto as pessoas são uma miríade infinita de particularidades), um verso específico de Raul Seixas vinha-lhe em mente: cada um de nós é um universo. 

Por questão de coincidentes curiosidades que nada contribuirão à narrativa, o universo-Paulo-Victor quase foi registrado como Ernesto Gomes Feitosa, porém foi o pai quem decidiu pelo nome do filho no instante de registro no cartório Condurú da Avenida Almirante Barroso, a contragosto da mãe, que estava em casa julgando que o marido obedeceria aos desejos e planejamentos dela; em homenagem ao homônimo goleiro “Paulo Victor” Barbosa de Carvalho, que jogou no Fluminense entre as décadas de 1980 e 1990, tricampeão pelo tricolor nos anos de 83, 84 e 85, e que também nasceu em Belém do Pará, assim o quase-universo-Ernesto foi batizado de Paulo Victor. Ser amante de futebol, da mesma forma que o pai, faz de PV um sujeito ímpar, igualmente ímpar como a maioria dos 98,5 milhões de cidadãos ímpares do gênero masculino a atualmente habitarem o Brasil.

Todos esses são detalhes que poucos conhecem. Deles, os mais importantes são de conhecimento de instituições governamentais. Outros, apenas de familiares. A parte mais pessoal deles, compartilhados entre o círculo mais próximo de amigos, de colegas de trabalho, de ex-companheiros de escola e de 5 ex-namoradas. A atual namorada, Maria Clara, era, atualmente, a que mais deveria conhecer PV em detalhes. Deveria. Porque na prática, bem, na prática esta narrativa sequer é sobre Paulo Victor ou sobre Maria Clara, mas sobre a garota que mais empenhadamente conhece Paulo Victor nesta cidade: Mia Gurjão, melhor amiga de Maria Clara. 

O interessante em círculos de amizades na cidade das mangueiras é que nenhum detalhe passa despercebido de ouvidos e de bocas alheias. As intimidades, as brigas, os desentendimentos e as rotinas de um casal, quando não expostas publicamente em redes sociais, são amplamente difundidas entre amigos. Mia Gurjão, por exemplo, conhecia todos os defeitos de PV, pois era ela a quem Maria Clara desabafava quando estava irada, frustrada ou puta. Não são as mães, as irmãs, as amantes, as terapeutas ou as entidades protetoras de um homem a melhor conhecê-lo. São as melhores amigas de suas companheiras. 

Aos ouvidos de Mia Gurjão chegavam os desafogos, as denúncias, as desavenças e toda a sorte de coisas que irritavam Maria Clara, ímpar moça de frequentes vestidos floridos, sandalinhas rasteiras e pele de alvo porcelanato, profusa amante de pagodes em fins de semana e que se deparara com a sorte de namorar sujeitos ímpares como PV. O mais curioso, entretanto, é que, por conta das inúmeras confissões, a melhor amiga conhecia apenas uma versão de Paulo Victor, versão essa que era compartilhada com as demais amigas em comum das moças, geralmente no grupo particular de Whatsapp (PLLP, sigla interna para “Pretty Little Liars Paraenses”), e que sempre retorciam os bicos, digitavam indiretas secretas pelo Bluebird.com ou fingiam simpatia com majestosa teatralidade quando estavam perto do rapaz. 

Mia Gurjão, aliás, era o último tipo.

Um dia, no entanto, as coisas mudaram. Foi em uma mesa de bar enquanto confraternizavam a progressão de carreira de Maria Clara na empresa de advocacia do tio. Ela e PV não andavam brigando por aqueles tempos, pelo contrário. Após 4 doses de caipirinha, a moça narrou o último final de semana do casal em Marudá. Contou-lhes todas as peripécias sexuais com a mais sórdida profundeza de detalhes. Porém, mais que isso, tocou num assunto que nunca havia antes tocado, a respeito dos 16cm perfeitamente retos e idealmente espessos de Paulo Victor, e sobre como ele era um homem mais do que higiênico, veiúdo, cheiroso e entalhado como se por um Bernini no mais artístico dos mármores, sobretudo quando rijo, só que não branco, mas moreno, a quase cor do pecado que brilhava, lustrosa, quando babado pela saliva dela.

Revelou a todas as meninas que ele era detentor do segredo que parecia intocável e pouco sabido pela maioria dos homens: sobre como o vai e vem, o entra e sai e o tira e põe não é o truque-principal, não o carro-chefe, tampouco o único movimento a ser feito, mas sim o gingado lateral, o mover horizontal de quadril quando os 16cm já estavam dentro dela, a leve reboladinha que PV sempre fora expert em dar. Muito além disso, revelou, sem perceber, o formato da língua do parceiro, a forma como a ponta era anatomicamente projetada para proporcioná-la prazer e como possuía um movimento específico capaz de alcançar o ponto no corpo feminino que a maioria dos homens só parecia descobrir a existência depois dos 25 anos de idade ou da 101ª transa, quando descobria. Narrou-lhes também a forma como Paulo Victor introduzia nela os dedos médio e anelar da mão direita, enquanto acariciava-lhe o ponto desconhecido pela cultura masculina, ou quando, extremamente molhada e já dilatada, ele conseguia também introduzir o dedo indicador como complemento. Não só isso, como ele também movimentava os dedos em forma de gancho, tocando-lhe a parede interior do órgão e pouco custando fazê-la explodir e esguichar e todos os demais verbos sensoriais começados com a letra E de extrema eclosão de enérgica euforia. 

Naquela noite, as garotas beberam um pouco mais e se divertiram mais ainda. Reclamaram sobre a vida e praguejaram os ex-namorados que agora estavam casados levando vidas melhores, com empregos melhores e em casas melhores, porém com mulheres “feias” e “gordas” que sequer eram merecedoras de comparações como “mais feias que a gente”. Apesar da fama já recorrente entre as amigas, e como todas as garotas já conheciam PV, algo substancialmente diferente ocorreu naquela mesa de bar. Entre todas elas, sim, mas principalmente com Mia Gurjão que, sem se dar conta – levada pela sutil semente que é plantada nos confins das intenções, na sombria área da psique a quem os especialistas chamam de desejo latente –, lançou mais duas ou três perguntas a respeito do desempenho de PV. O restante das meninas também teria notado, e muito teriam reclamado ou a criticado, caso não estivessem igualmente interessadas nas respostas. 

Incomodada, mas sem saber o porquê, Maria Clara respondeu às perguntas. Só se deu conta do problema causado naquela noite meses depois, quando a paranoia já havia alimentado desconfianças e as mesmas desconfianças trouxeram evidências:

os comentários de Mia Gurjão nas fotos de PV no Instagram, 

o número de curtidas que ela começou a dar nos stories dele;

a frequência com que Mia exigia mais encontros entre amigos,

churrascos,

rolês num Açaí Biruta,

BalacoolBar,

Vitrine Lounge, 

Manga Jambú,

resenhas em bares durante qualquer RExPA

ou a maneira como, ante quaisquer reclamações sobre PV feitas por Maria Clara, Mia fazia questão de soltar um “meu casal favorito” em tom falsamente irônico, sugerindo o término como saída viável.

Curiosamente, Mia Gurjão criou mais afeto pelo Paysandu Sport Club e até sobre a história do time começou a perguntar para PV, na frente da amiga, com um tom levemente inocente de quem está genuinamente em busca de aprendizado profundo. Certa vez, até pediu a ajuda de Maria Clara num assunto jurídico e, mesmo sabendo que ela estava assistindo a uma pelada de Paulo Victor com os amigos, fez questão de ir, pagar a entrada e tratar, meramente, de um assunto banal sobre uma dívida banal de um banco digital banal. Naquela tarde, PV fez um golaço ao cobrar uma “falta da entrada da grande área”, termos esses que Mia havia aprendido com ele.

Hoje, graças a Maria Clara, Mia Gurjão conhece muitos detalhes sobre Paulo Victor. Depois de prolífica conversa no Instagram com a amiga da namorada (sem que esta soubesse), o sujeito perguntou à mãe o horário exato do próprio nascimento e foi assim que Mia conheceu algo que ainda não sabia a respeito dele: PV também tinha Vênus em Escorpião. Não que tais configurações estelares importassem tanto para Mia, não eram os atributos astrológicos que ela desejava vislumbrar. Implorou, entretanto, que o rapaz ocultasse tal conversa da namorada, por razões meramente de horóscopo, já que Maria Clara, ora, era canceriana e não lidava muito bem com ciúmes. PV não compreendeu porra alguma daquela conversa, apenas o que lhe interessava: as progressivas interações por parte de Mia e o que isso realmente significava e onde isso de fato os levaria. PV, claro, como um sujeito ímpar e que tinha por honra atender aos instintos mais primitivos de sua criação e de sua natureza, muito ansiava por descobrir a textura, o calor e o acolhimento de tão pretendido lugar.

Das particularidades infinitas que orbitavam o  universo-Paulo-Victor, a inteligência em campo era a mais admirável. Sabido da inicial desconfiança da namorada, ao ser questionado sobre as investidas da amiga, PV fez-se de bobo. Estupefato, até. Mia Gurjão?! Mia teria, decerto, mais motivos para detestá-lo do que para minimamente notá-lo. Paulo Victor, como um hábil centroavante, utilizou a jogada a seu favor e listou todos os erros que até então cometera naquele relacionamento, enumerando-os e chutando os prováveis vacilos que certamente chegaram aos ouvidos de Mia. 

— Por exemplo — começou ele, já antevendo, desde o meio campo, a brecha para a jogada. — O que ela disse sobre o mês de Julho em Mosqueiro? 

— Quando tu deste carona pra tua ex?! Que merda isso tem a ver, Paulo Victor?

— Tem tudo a ver, meu amor. Contaste essa história pra Mia? O que ela disse sobre isso?

— Ela ficou puta. Ela me apoiou, pelo amor de Deus, né? Que merda. Por que me lembraste disso?

— Depois disso, ela nunca mais olhou na minha cara com qualquer sinceridade. A mina só me suporta. Achas mesmo que ela sentiria qualquer coisa por mim?

Maria Clara ficou calada. Nunca chegou a mencionar sobre a mesa de bar ao namorado, não daria qualquer pingo de autoestima nem a noção da própria fama que ele agora possuía na imaginação das pretty little liars paraenses. 

— Tu bem sabes que a Mia não gosta de mim — reafirmou ele. — A gente se suporta por tua causa.

— E todas essas mensagens? — Apontou ela para a caixa de entrada no Instagram.

— Eu não faço ideia — ele deu de ombros, mas suspirou ao final e preparou-se para finalmente se aproximar da grande área. — Mas bem que achei estranho. Tu achas que ela pode estar, realmente, interessada em mim?

— Acho — bufou, tola, a namorada.

— Em mim?!

— Sim!

O jogador então avistou o espaço aberto entre os zagueiros. Como Kaká contra o Manchester United na Liga dos Campões de 2006/2007, costurou-os com maestria:

— Eu não acredito nessa possibilidade, mas… — vencidos os zagueiros, havia apenas as duas imensas traves, a rede e um goleiro incapaz de bloquear o espaço descoberto no canto direito. 

A abertura infalível, o espaço desejado.

O centroavante respirou fundo.

— Já que você tá dizendo, eu vou acreditar em ti, amor — prometeu PV.

Ele impulsionou os músculos da perna direita para trás.

— Vais fazer isso por mim? — Perguntou Maria Clara, desarmada e esperançosa, alegre por o namorado acreditar nela e não tomá-la por maluca.

— Não vou dar bola alguma pra ela — o centroavante deu uma última checada no espaço desprotegido. 

— Por favor.

— Vou dar uma afastada, tá? — Com técnica e maestria, ele chutou a bola.

— Jura?

— Juro.

— Obrigada.

E fez o gol. 

Maria Clara relaxou a vigília sobre o centroavante. Nele, confiava com unhas e dentes e teve certeza de que as conversas pelo Instagram cessaram, embora, infelizmente, não houvesse se atentado aos demais estratagemas disponíveis nas lojas de aplicativo ou no empenho de um exímio jogador pessoalmente ensinar uma torcedora curiosa a respeito de regras ou de prolíficas jogadas. 

Outro dia, Maria Clara compartilhou com uma das Pretty Little Liars as desconfianças que vinha alimentando sobre Mia Gurjão, mas de maneira muito educada a ouvinte fez questão de apaziguar a paranoia que vinha corroendo a amiga há meses. 

— Olha, mana, tens certeza disso? — Perguntou, com leve desdém, a equivalente Emily Fields paraense.

— Certeza? Claro que não. Mas faz sentido?

— Por que tu achas que faria?

— Depois daquela conversa que a gente teve.

— Sobre o tamanho do pau do Paulo Victor e como ele te faz ou fez gozar cinco vezes seguidas?

Se Maria Clara fosse um tiquinho mais esperta, ou intuitiva, teria notado o tom imaginativo na voz da amiga. 

— É… achas que ela… sabe… Ficou…?

— Interessada, mana? A Mia? 

— Sim. 

A amiga riu da mesma forma com que Mia Gurjão vinha estranhamente rindo nos últimos meses.

— Amiga, eu sei que tu estavas muito empolgada naquele dia, mas a Mia, tu e eu já tivemos coisas bem melhores que o Paulo Victor. Me desculpa, eu sei que é o teu namorado, mas assim, mana, não viaja. Sinceramente, e a gente já te disse: o PV nem é tudo isso.

E se Maria Clara fosse um tiquinho mais esperta, ou intuitiva, teria notado o tom de inveja na voz da Pretty Little Liar paraense.

Inveja não dela, é claro.

Não de Maria Clara.

Mas de Mia Gurjão,

que estava a uma sentada de conhecer os detalhes mais proeminentes de Paulo Victor Gomes Feitosa.