13 de março de 2021

a bird on the edge of a blade



Chegar aqui não tem sido uma vitória. Não há nem haverá poesia nestas linhas, há senão um desabafo, triste desabafo. Recordo-me ainda daquelas linhas há muito lidas na obra de Álvares de Azevedo, se é que assim existem, caso não sejam um estranho efeito Mandela: miséria, miséria, três vezes miséria! Com vírgulas trocadas ou travessões substituídos, seja como for, foi assim.

Miséria com a felicidade me rondando, com a calmaria do coração preenchido, acalentado e sereno. Mas não é mais o coração que hoje padece, como tanto tempo padeceu no passado. Agora – ou outra vez – é a própria alma quando vista no reflexo do espelho. Onde chegaste, como não chegaste, quem não és e quem deixaste de ser? Certa vez, brincaste com isso. Uma mera brincadeira em face de um dos tantos aspectos internos que hoje te decepcionam. Há tempos não leio mais todos estes livros, perdi o eu que uma década atrás era capaz disso. Baseei meus sonhos e planejamentos nesse eu perdido que ainda possuía sonhos e que até tatuou na pele um lembrete para defendê-los. Mas é fácil demais agarrar sonhos aos vinte ou à beira dos vinte. Quase ou mais de uma década depois, as pilhas de livros não finalizados acumularam, o mundo gira, cresce, alça vôo, mas tu ficas, um pássaro com asas quebradas. Não. Um passarinho que, ingênuo, nunca teve asas, sonhou que as tinha. The whisper of two broken wings, maybe they’re mine, maybe they’re mine...

Hoje o tempo cobra o preço. Até a tua pele te relembra que o declínio tende a clarear a melanina, um melasma crescente, clareando a feiúra que antes já era tão evidente e tão dita por bocas alheias. Agora, entretanto, elas pelo menos estão em silêncio – aquele silêncio incômodo de olhos que querem verbalizar, mas fecham as bocas e deixam claras as palavras através do olhar. 


Veja. Isto. Em. Sua. Pele. Nossa. Não. Estava. Assim. Desde. Quando? Coitado.


E o mundo exige pacifismo, calmaria, serenidade, ao passo que o mesmo mundo só te entrega absurdos, mortes diárias, alheias ou próprias, estupidez, vírus e burrices. Cospe em ti doses diárias de loucura e te pede para se acalmar, caso contrário o melasma vai avançar. E a pigmentação crescer.


Por. Favor. Não. Se. Estresse. 


É apenas a idade, és jovem, tens o fervor da juventude nas veias, por isso te indignas, por isso te revoltas com tais blasfêmias morais que louvam um Cão Raivoso pregado na cruz. Por isso, quando tiveres a nossa idade, verás que não vale a pena perder a sanidade com desvarios de juventude e causas perdidas. Logo te entregarás ao nosso exército do bem, que ajoelha, chupa o Deus Pregado e dele cospe o amor e dele engole a fúria. 


Te. Acalma. És. Jovem. Um. Dia. Entenderás. Serás. Como. Nós.


Não te importa com tua imagem no espelho definhando em feiúra, clareando, estourando, tornando-te mais feio do que sempre foste, mais feio do que eles sempre disseram que eras, a feiúra que te enganaste em compensar com essa leitura e essa escrita e essa falsa e falida inteligência que não te trouxe a lugar algum, a não ser à piada. Ao fracasso.

Portanto, acalma-te.

Com os anos, o fracasso avança.

Ele já está aqui, diante de ti.

Vinte e sete.

Presente.

Lento.

2 e 7.

Latente.

Visível até em tua pele.



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