Dedicado aos que amamos e que, de alguma forma, não estão mais aqui.
I
O Paraíso
Ao
longo de uma quase infinita reta de quilômetros e cercado por uma vegetação
quase rasteira que anunciava aos motoristas os primeiros sinais de um longo e
frio vale californiano, o Paradise empunhava-se solitário no meio de um
grandioso nada. A fachada possuía fontes glamourosas de um neon desgastado, a
inicial P era a única que mantinha-se vibrante a quase meio quilômetro de
distância, seja lá para qual direção você estivesse dirigindo – para a boca do
Inferno ainda mais longo do vale ou para os ares de companhia da civilização.
Em
moldes quase clássicos de um notório e rebuscado traço, as colunas da fachada
formavam semicírculos como colunas gregas ou tentavam imitá-las. De algum modo,
as características do bar à beira da estrada não soavam cafonas de acordo com
os gostos medíocres dos quais se esperavam de prováveis donos desdentados e
barrigudos – havia, decerto, um evidente requinte na entrada como as cores
fortes e vibrantes de uma planta carnívora sedenta para atrair insetos
desavisados. Você precisaria subir um breve lance de cinco degraus até o largo
espaço com dois bancos corridos, lisos, de madeira encerada que servia sempre
de conforto para algum casal embriagado que queria respirar ar puro de beira da
estrada enquanto enrolava suas línguas. Às vezes, um lobo solitário saía do bar
e sentava-se ali, fumando uma carteira de cigarro na promessa de que aquela
seria a última, caso um carro cruzasse a interestadual dentro de quinze
minutos. Mas, às vezes, levavam até 45 minutos ou mais para que qualquer farol
surgisse na escuridão que a vista alcançava. Quando as gangues de motoqueiros se
reuniam, disputando seus elevados níveis de testosterona com piadinhas sujas e
sem graça, que ambos explodiam de tanto rir, ou quando decidiam qual delas
entraria para uma rodada, pois o espaço lá dentro não era tão largo para
abrigar tantas barbas, cicatrizes e tatuagens, então alguns bebiam lá dentro e
outros lá fora, às vezes revezavam, às vezes duelavam de maneira até séria
demais atrás da averiguação de qual dos punhos era mais veloz.
As
brigas no Paradise até plantavam-se e cultivavam-se lá dentro, mas no instante
decisivo de arregaçar as mangas, era lá para fora que iam todos. A última briga
fora há quase três semanas, quase um recorde. A polícia da cidadezinha mais
próxima muito raro batia ali, pois apesar das rixas, os porcos alcoólatras
nunca passavam dos limites (a plateia ou a própria dona do Paradise, Cyntia,
não permitia). As outras ocasiões em que a polícia ali estacionava era quando o
Sheriff Gillian afogava em uma caneca outra desconfiança das artimanhas da
esposa ou quando levava uma das garotas do colegial para um papinho rápido e
para alguns tragos na esperança de facilitar as coisas antes do grande show,
que muito provavelmente ocorria dentro do próprio carro à beira da estrada.
Entre
a margem da estrada e os degraus que levavam à entrada do Paradise, uma extensa
área de terra batida estava sempre marcada com pegadas ou rastros de pneus, sempre
suja, enlameada. A pedido da clientela, Cyntia nunca modificara o local, nem
entrara com um requerimento na prefeitura de Parkins (a cidadezinha mais
próxima de onde o Sheriff Gillian trazia as mocinhas) para acabar com a lama e
colocar de vez uma camada de asfalto. A lama era especial – marca registrada do
Paradise. Ali aconteciam as brigas, ali os brutamontes se agarravam, caíam,
rolavam, esmurravam-se, cuspiam sangue e finalmente davam fortes gargalhadas
pela celebração olimpiana e apoteótica de pancadaria.
