Falemos a respeito deles: homens de verdade. Esses varões respeitáveis
com os quais pela rua tropeça-se aos montes. Estão nas esquinas, nos bares e
nas padarias, nas grandes empresas e nos caixas de lojas, estão nas motos de
delivery e nos requintados escritórios dos maiores conglomerados mundiais.
Estão empreendendo com o capital suado de suas mães, tias ou das pensões de
seus desconhecidos e desleixados pais – que sequer conheceram, mas deles
conservam os genes. Estão a um passo de onde quer que estejamos: são pais de
meninos e pais de meninas, são administradores do lar, sempre trazendo para
baixo de casa o dinheiro suado do sustento, provendo a sobrevivência de suas
famílias. Aos domingos, peregrinam às suas respectivas igrejas – e que de
antemão seja sabido que nem todos eles creem no Senhor Jesus Cristo, pois é
justo. São católicos e adventistas, evangélicos e pentecostais, agnósticos e ateus,
futebolísticos e transcendentais.
Homens de verdade que são a base da sociedade contemporânea
– foram da moderna, foram da antiga e também da clássica. Existem por pura necessidade
antropológica, pois as culturas precisam deles, sem eles não sobreviveriam. São
o pilar da moralidade, dos bons costumes, da força e da virilidade. Sem seus
braços fortes de torneados músculos ou meramente fortes de vigor e caráter, o
Mercado ruiria e os cartórios tão pouco registrariam crianças – com ou sem vínculos
de paternidade, não importa, desde
que façam sua parte.
Dê um passo e eles estarão lá. Dê dois passos e se
aproximará de um deles. Dê três passos e eles, cordialmente ou não, dependendo
de quem esteja ao seu lado, serão muito amistosos e amigáveis, todos sorrisos,
todos confiantes e muito seguros de suas integridades. Dê mais de quatro ou
cinco passos e qual um abrigo sujo de cachorros, você pisará em um deles sem
querer. Pare os passos, olhe para o solado de seu sapato e lá estarão: fatalmente
verídicos na verdade que são, não mais intactos, não mais sorridentes, não mais
amistosos nem amigáveis, mas baforentos, exalando o que melhor guardam dentro
de si – a moralidade impecável e a virilidade rija, ambas em tons de marrom.
De preferência, não esbarre nem pise sem querer nos homens
de verdade. Caso contrário, testemunhará uma peculiar exaltação encarnada em
palavras bem montadinhas em períodos gramaticalmente bem alinhados com escolhas
lexicais muito belamente planejadas e minuciosamente articuladas. Perceberá o
quanto domam o dom da língua e o quão recentemente aprenderam a organizar parágrafos
de modo coeso (porém com pouquíssima coerência), talvez com o auxílio de um
Olavo ou de um André Fernandes. Argumentarão de maneira muito elaborada, como um
neandertal se regozijaria ao descobrir faísca após lascar duas pedras. Tome
muito, muito cuidado com o dom argumentativo e linguístico desses homens de
verdade – oh, talvez eles até o (a) derrubem.
Mas isso é apenas sorte. Poucos deles leram de fato um
Olavo para que saibam montar as peças de quebra-cabeças dificultosamente
encaixadas que lhes são os parágrafos. Alguns não chegaram a isso, pois os
argumentos que o velho sábio cuspiu em suas páginas ainda é muito a ser
absorvido por suas mentes de magnífica funcionalidade. Com demasiado e
recorrente azar, você encontrará aqueles homens de verdade que não passaram por
um Fernandes ou por um de Carvalho, muito provavelmente, no máximo, por um
Nando, por um Weintraub, por um Malafaia, por um Macedo ou pelas inspiradoras musas
dos vales de Urach. E com demasiado e recorrente azar elevado ao quadrado (o
que costumeiramente acontece) você topará com aqueles homens que por nenhuma
dessas grandes mentes foram lapidados, apenas pelas emanações de repetições do
que foram os ecos de uma voz há muito proferida no interior de uma gruta.
São esses homens de verdade que aos montes encontramos por
aí. Homens que são de moralidades incontestáveis – que cortejam esposas,
filhas, primas, colegas, amigas e cunhadas alheias, homens que com seus
músculos torneados e seus grandiosos instrumentos de virilidade possuem
autoestima inegável e elevada; cortejarão moças mais novas e até aquelas com as
mesmas idades que possuem suas filhas, seja a mais velha, seja a mais nova
delas, e persistirão até que obtenham positivas respostas. Quando ignorados,
cuspidos ou desprezados, estes homens de verdade sentem-se ofendidos, pois aquelas
moças jamais seriam dignas de vossas companhias, pois ao contrário deles, não
são mulheres de verdade, apenas meras
meretrizes de sovaco cabeludo que se julgam a última Cream Cracker num pacote amassado. As alcunhas que depositarão às
personalidades delas são as mais variadas – bastam um acúmulo de expressões culturalmente
repetitivas, pouquíssima criatividade e teremos uma lista complexa.
E quando descobertos, apontados, revelados, acusados ou
expostos publicamente por perturbarem a fidelidade de casais alheios, ao cortejarem
as moças alheias com seus emojis de palminhas, com seus emojis de corações
brilhando, com seus comentários recorrentes, com suas intermináveis tentativas
em puxar conversas ou tecer elogios sem criatividade, com suas fotos no espelho
de abdomens torneados ou relógios brilhantes em volantes de Hondas Civic, quando
finalmente expostos diante de suas “más intenções”, então exibirão o argumento
mais familiar da história de sua espécie:
– Estás ficando louco
(a)? Eu jamais faria isso.
– Deixa de
insegurança. Eu sou homem de respeito, achas que eu sou moleque? Eu sou homem
de verdade, eu jamais faria isso.
– Deixa disso, estás
louco. Vai cuidar do que é teu e deixa de paranoia.
– Estás maluco (a)? Eu
sou homem de Deus! Eu sou casado – e nesse momento exibirão as alianças nos
dedos anelares, após encoxarem moças em filas ou em transportes públicos
lotados. Esses, em especial, erguerão a mão esquerda com firmeza, ofendidos,
descabidos em tamanha integridade e descrentes de tamanha acusação. – Eu sou casado! Tenho mulher e filhos. Tenho
família! Eu jamais faria isso! Não tenho o porquê fazer!
Esses são homens de verdade da classe A – a classe Familiar.
São o nível mais elevado, o topo da evolução da moralidade e do caráter. Argumentarão
de forma impecável, porque foram educados
durante a infância e adolescência em boas escolas de Belém, providas pelos
altos salários de seus pais Delegados que também eram sujeitos íntegros e
respeitabilíssimos. Enquanto os filhos enrolavam seus becks e fumavam a
verdinha escondidos dentro de um Impacto ou de um Marista, os pais proviam sua
sobrevivência atirando em bandidos e bicudando vagabundos até o momento em que
a profissão se mostrasse promissora. Não mais adeptos de limpar as ruas, seguiram
a carreira política – foram vereadores ou deputados estaduais em Belém, eleitos
devido a uma fama de fúria e ferocidade nas periferias da cidade, acumulando
cadáveres pelas valas. No cargo público, tiveram dinheiro em grande escala para
financiar a faculdade particular de seus filhos, que agora percebiam que a verdinha
era coisa de vagabundos de universidade pública, finalmente conhecendo o pó
mágico de pirlimpimpim que entrava pelas narinas e os fazia voar.
Esses homens de verdade de classe A cresceram em profissões
não muito promissoras. Encheram as paredes com cursos técnicos pagos, tentaram
o mercado de trabalho cruel por um tempo, porém sempre sem muito sucesso, mas
pouco desespero, é claro. Empreendedores natos, utilizavam com frequência o
capital de investimento dos pais (agora ex-delegados militares) para criar
novos negócios. Enriqueceram por um tempo. Obtiveram com emprego duro o carro
dos sonhos – talvez um Honda Civic, um City ou, com muita humildade, um Fit, geralmente
um HB20... com esforcinho um Sedan. Cresceram, evoluíram. Cultivaram um
casamento conturbado, todavia proliferaram – três meninas lindas, pois língua não
tem osso e tudo há de ser pago um dia, em nome daquelas moças que tanto
xingaram, anos e anos atrás. Floresceram seus laços familiares, fortaleceram o
interior de seus lares com as regras de Deus – que consistiam, nos fins de
semana, em duas putas e cinco carreiras de pó. Após os cultos de Domingo,
jantavam com as meninas e punham-nas para dormir, e então beijavam suas esposas
e pediam a elas (“só hoje, vai, amorzinho”)
um pouquinho de seus rabos. Quando não passavam a elas verrugas no ânus, passavam
algum tipo destrutivo de HPV, causando um princípio de câncer no útero das
esposas que quase, quase, por muito pouco as fez desistirem de tudo, mas com o
apoio de Deus e o apoio familiar, superaram as provações.
Chamavam-se Andrés, Alcides, Sydnes e Bernardos; Cláudios e
Edivandos, Hugos
e Ítalos, Wilsons e Thiagos. Todos com alianças nos dedos, Deus embaixo dos braços e messias nos congressos – amparados pela fé, pelo caráter, pelo Mercado,
pelo capital de investimento dos próprios pais (mesmo aos 40 anos) ou pela boa
moralidade.
Em passos desastrosos também é possível tropeçar por aí com
aqueles homens de verdade da classe B – que ainda não possuíam família, mas
testavam, inconsequentes, suas tentativas entre as mais diferentes pernas da
cidade, com sorte pagando um aborto ilícito que, se Deus quisesse, daria certo. Estavam a um passo de conseguir tudo
o que almejavam. Frequentemente repetindo as artes dos gracejos e dos cortejos para
com moças comprometidas ou menores de idade, não cansavam de verbalizar as
mesmas desculpas supracitadas quando desmascarados:
– Estás ficando louco
(a)? Eu jamais faria isso!
– Deixa de
insegurança. Eu sou homem de respeito, achas que eu sou moleque? Eu sou homem
de verdade!
– Deixa disso, estás
louco! Vai cuidar do que é teu e deixa de paranoia!
– Estás maluco (a)? Eu
sou homem de Deus!
Igualmente adeptos a faculdades particulares, amantes de
verdinhas em ambientes sumariamente secretos (“porque isso é coisa de vagabundo de universidade pública!”),
diferiam dos homens de verdade da classe A em um importante aspecto: eram eles quem
pagavam as mensalidades de suas próprias faculdades. E isso, ah, isso era um
motivo de orgulho, um imperativo categórico na boca de muitos deles:
– Esse carro é meu!
– Essa moto é minha!
– Eu consegui com o
fruto do meu próprio trabalho. Eu trabalho e compro o que quero, pago minha
faculdade!
– Achas que sou
moleque? Eu não preciso fazer essas gracinhas, não.
– Sou homem de
verdade, não sou moleque! Me respeita!
Diferentemente de homens normais que trabalhavam e
sustentavam seus filhos e sempre tentavam um negócio novo às custas do próprio
suor e do próprio empenho, estes homens de verdade da classe B adoravam exibir
suas conquistas. Sempre cresciam para cima dos outros, fosse quem fosse, ao
estufarem o peito e exibirem o que compraram com o próprio dinheiro, o que tinham
ou o que deixaram de ter, como se recentemente houvessem descoberto que era uma
atitude normal, não algo digno de relinchos exasperados: comprar o que se quer com aquilo que se conquista. Entretanto, geniosos
e revolucionários, exibiam seus bens para que todos vissem – fossem seus 30g de
pó guardados no bolso esquerdo ao lado da chave de casa ou fossem seus relógios
brilhantes no pulso que segurava o volante de seus HB20-não-Sedans – “QUE CONSEGUI COM MEU PRÓPRIO DINHEIRO!”,
jamais esqueçamos.
Eram sujeitos com traumas na infância, comumente criados por
mães desgostosas vindas de clássico abandono paternal – coisa da qual estavam
fadados a repetir. Eram de integridade tão sólida quanto os da classe A. Chamavam-se
Arnaldos, Antônios, Brunos e Carlos; Matheus e Orlandos, Thenórios e Renatos,
Kaios e Fernandos.
É graças a eles que o mundo gira, que estamos aqui sendo
meros subservientes de suas palavras bem articuladas ou não, de suas presenças
deificadas por Salvadores em carne e sangue, de sua extrema e digna necessidade
de autoafirmação, superioridade, eloquência e virilidade. Homens de verdade que
mostram a todos nós, homens pífios e menores, mulheres indignas e meretrizes,
que devemos a eles nos ajoelhar e louvar.
E que assim o façamos.
Pobres de nós.