25 de maio de 2022

Compreensão



Bang!


O estampido na madrugada é o ato de misericórdia, o brado dos corajosos. Caio Fernando Abreu disse que desistir é um ato para poucos — exige coragem. Não criemos apologia aos covardes que se retraem frente as horrendas mazelas do mundo, falemos sobre os covardes a quem o mundo nomeou, como a um pobre Atlas pilar, fadado a sustentar falida onipotência. São os indizíveis sujos-corajosos que sustentam o mundo, mártires afogados no Stix do Alzheimer, que urram


eu não aguento, 

eu nunca aguento,


pois bradar na madrugada apática não é covardia, é coragem. É coragem bater no peito que já deu, já deu, não há mais nada a ser feito, não há mais sonhos a serem sonhados, não há mais vida a ser fingida ou ânimo a ser logrado. São os estampidos, tinindo e não suprimindo o sono dos culpados, pois eles continuam a dormir, eles dormem, eles sonham, eles carregam crânios-plumas de pecado, eles adormecem na santa paz dos anjos, relegam ao estampido e à queda sacros demônios: a fúria, o julgamento, o escárnio e a falsa surpresa. Joelhos postos no chão e um boquete no menino Jesus, assim virá o perdão: pois aos covardes (os verdadeiros) pertence o reino do Senhor. Aos corajosos, a madrugada. 


Bang! 


Em uma noite, explode um corajoso. Em uma semana, caem dos céus duas estrelas relegadas ao anonimato — os nomes e os feitos mergulharão no Stix, deles apenas os defeitos e o ato corajoso serão distorcidos e relembrados. A próxima promoção há de ocupar holofotes. De onde uma estrela caiu, pinta-se o salto da moda. De onde outra estrela despencou, a próxima oferta de Natal. Corajosos, corajosos todos eles. Desistir é o ato mais corajoso. Permanecer aqui, na angústia do não conseguir e na plenitude da suposta coragem do sobreviver, eis a covardia retinta, a verdadeira delas.


Bang!


Em uma madrugada explode um corajoso. E mesmo a estas palavras dirão: blasfêmia!, irresponsáveis!, enquanto lá fora continuam suas veladas injúrias vestidas de preocupação. Cuide-se. Cuide-se. Cuide-se. Todas as vidas importam.

Porra nenhuma.


Bang!


Algum corajoso bem sabia.