1 de maio de 2015

Escarlate



Havia um punhado de ódio naqueles punhos, enraizando-se sob a pele, carne, sangue, por entre as veias, cravado nos dedos. E então ele matava, degolava e destruía, sem pensar duas vezes. Tanto ódio, menino, tanta inveja compulsiva. Inveja por você ter tudo o que eles querem e eles terem tudo o que você quer. A grama do vizinho é sempre tão mais bela, verde e bem cuidada, ou a grama do vizinho tem sempre tem aquele arranjo de flores que a sua nunca terá. Daí vem a raiva, daí vem a inveja. Mas e se isso for justificável entre as justificativas que você cria em sua cabeça, aqui vai: eles não merecem essas cores, eles não merecem essa normalidade; só merecem, talvez, toda aquela falta de cérebro, de astúcia, de inteligência, “cognição” nas palavras da admirável professora. Ah, não, eles não merecem nada de tudo o que possuem exceto o que já não possuem. Mundo injusto, mundo ingrato, mundo vil da verdadeira meritocracia. Lembre-se, no entanto, que a maldição circula nas veias, garoto. Intrincada nas mesmas veias pelas quais corre esse ódio, essa fúria, essa inveja, essa injustiça. Pelo sangue se prolifera a má sorte, o azar, a infelicidade, e muito bem prosperará em caso de reprodução – por isso você detesta a ideia de criar uma vida e trazer um ser inocente a este planeta sujo de seres sujos e imundos. Poupe uma vida, poupe-a de viver, poupe-a de existir.
E se puder, garoto, pule esse muro com um galão de gasolina. Toque fogo naquela grama, mas não esqueça da sua. Tudo o que eles possuem é um punhado de flores bonitas e bem cuidadas, profundamente frágeis. Mas não esqueça da sua. Toque fogo nela quando estiver pulando o muro de volta, toque fogo na sua própria grama, queime o seu verde, queime suas flores tão belas que nasceram sem nem ao menos terem sido regadas. Eu garanto que elas vão crescer de novo – porque o solo é bom, fértil e esperto, verdadeiramente valioso –, num tom vibrante e escarlate mais forte, mais vivo, com todos os adjetivos de antes e todos os adjetivos dos vizinhos. A isso eu chamo de karma: maldito, sujo, a volta do anzol. Não nesta vida, garoto, não em uma década, não em duas, não nesta existência.
Talvez na próxima, porque você ainda está arcando com o karma da vida passada – e tão cedo não vai parar de pagar.



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