Aquém da loucura – e de todos os murmúrios que sobre ela
ecoam aí –, há uma satisfação latente, verdadeira de sinceridade e pouco
questionável se analisada de perto, longe de todos os holofotes que dividiram
águas naqueles tempos atrozes. Pois foste, caro amigo, outrora louco desvairado
das línguas outras, seta certeira de atrapalhado Eros de março. Eros de asas
trapalhonas, às vezes faceira, vez ou outra tão amado e defendido, com razão chutado,
por bem humilhado e maldito; por vezes estrondoso, atado ainda aos moldes inconscientemente
vilanescos e terrivelmente orgulhosos pelos quais o mundo dos homens te
envolvia.
Havemos de relatar estes fatos, e saibam todos que conhecemos
teus rasantes equívocos, tuas despudoradas e agressivas palavras. Conhecemos e
conheces, hoje, tais amarras – e de modo algum que se diga que estás livre de
todas elas. Longe disso. Talvez, sim,
se gerado de novo em outro mundo de pais herméticos e mães afrodisíacas –
talvez, neste ideal mundo à frente, tão longínquo de se alcançar, porém tão
palpável de se construir, tu nasças um fruto melhor aos moldes dessa utópica
sociedade, ou talvez outros de ti o façam – teus filhos, teus sobrinhos, teus
aprendizes, teus ouvintes ou os cadáveres que deles sobrarem.
E até, entretanto, até
que tuas amarras ainda estejam por aí, mais apertadas ou tão menos apertadas
agora, é decerto importante que as plateias destas ágoras vorazes saibam que tu
sabes, consciente, a insânia que te acometeu. Mas longe do tão repetido
desgosto e de tão reiteradas palavras e de tão reiterados parágrafos e de tão reiterados
anos de águas que nestes rios correm ou dos ventos que ainda nas lembranças
sopram, com menor ou maior incômodo, detenhamo-nos no caráter atrapalhado de tua
aventura: aquele que te levou, de um jeito ou de outro, à conclusão das comprovações
já feitas, já vistas, antes mascaradas ou severamente cristalizadas de tão prometidas
à época. Veja-te, seta certeira de atrapalhado Eros, não como o causador do
divino e amoroso encontro, mas como o catalisador da epifania magistral. Lutar
contra aquilo, tu já sabias, era de todo impossível – pois bem foste alertado e
aos teus ouvidos a confissão foi feita, embora o nome aos bois jamais dado. Esperar
a conclusão da maravilhosa visão, ora, era como esperar que Édipo despisse
Jocasta e nela tocasse como mulher, não como mãe – de suma, inevitável.
Já o inevitável, através de mil milênios de narrativas
humanas ou tragédias ocidentais, haverá sempre de acontecer. Cedo ou tarde. De
forma óbvia ou não. Aos olhos dos mais atentos ou não; sepultada e omissa dos
olhares mais críticos, analíticos e severos, aqueles tão justos nos erros certificados
ou tão justos nas razões mais indomáveis, idôneas e aparentemente irracionais,
ou não. Que tais olhos justos, nestas ágoras de deleite, volúpia, raiva e parcialidade
se façam, mas que haja, ainda neles, olhos justos de criticidade certeira e de
clareza para enxergarem que tais verdades eram, sim, de todo verdadeiras –
ainda que tardiamente reveladas, ocultadas ou admitidas.
Nem mesmo o mais belo Portador
da Luz e dos caídos, hoje, é sentenciado por inteiro crime diante dos mais
críticos olhares. E que assim seja contigo, ó seta certeira de atrapalhado Eros
de março. Se isto agora te soa como piada em risada resignada com calmo balançar
de cabeça ou com dar de ombros cheio de paz (pois alguns crimes, aos pés das
claras revelações, aí dentro finalmente foram perdoados), já agora pouco
importa e pouco corrói. O que há de ser dito, que seja dito, uma pequena
justiça em meio aos crimes de todos os lados – mais uma e desta vez, tardia. Pois
não foste tu, no fim, um louco desvairado, mas a flecha que acertou dois cernes
faceiros, fugidios e frívolos para reveladas verdades. Não foste tu, no fim, a seta ocasionalmente
culpada, mas o catalisador desengonçado que trouxe à lume a tragédia, naqueles
tempos bem-dita, e a profecia, nestes tempos bem-feita.
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