11 de setembro de 2019

Seta certeira





Aquém da loucura – e de todos os murmúrios que sobre ela ecoam aí –, há uma satisfação latente, verdadeira de sinceridade e pouco questionável se analisada de perto, longe de todos os holofotes que dividiram águas naqueles tempos atrozes. Pois foste, caro amigo, outrora louco desvairado das línguas outras, seta certeira de atrapalhado Eros de março. Eros de asas trapalhonas, às vezes faceira, vez ou outra tão amado e defendido, com razão chutado, por bem humilhado e maldito; por vezes estrondoso, atado ainda aos moldes inconscientemente vilanescos e terrivelmente orgulhosos pelos quais o mundo dos homens te envolvia.
Havemos de relatar estes fatos, e saibam todos que conhecemos teus rasantes equívocos, tuas despudoradas e agressivas palavras. Conhecemos e conheces, hoje, tais amarras – e de modo algum que se diga que estás livre de todas elas. Longe disso. Talvez, sim, se gerado de novo em outro mundo de pais herméticos e mães afrodisíacas – talvez, neste ideal mundo à frente, tão longínquo de se alcançar, porém tão palpável de se construir, tu nasças um fruto melhor aos moldes dessa utópica sociedade, ou talvez outros de ti o façam – teus filhos, teus sobrinhos, teus aprendizes, teus ouvintes ou os cadáveres que deles sobrarem.
E até, entretanto, até que tuas amarras ainda estejam por aí, mais apertadas ou tão menos apertadas agora, é decerto importante que as plateias destas ágoras vorazes saibam que tu sabes, consciente, a insânia que te acometeu. Mas longe do tão repetido desgosto e de tão reiteradas palavras e de tão reiterados parágrafos e de tão reiterados anos de águas que nestes rios correm ou dos ventos que ainda nas lembranças sopram, com menor ou maior incômodo, detenhamo-nos no caráter atrapalhado de tua aventura: aquele que te levou, de um jeito ou de outro, à conclusão das comprovações já feitas, já vistas, antes mascaradas ou severamente cristalizadas de tão prometidas à época. Veja-te, seta certeira de atrapalhado Eros, não como o causador do divino e amoroso encontro, mas como o catalisador da epifania magistral. Lutar contra aquilo, tu já sabias, era de todo impossível – pois bem foste alertado e aos teus ouvidos a confissão foi feita, embora o nome aos bois jamais dado. Esperar a conclusão da maravilhosa visão, ora, era como esperar que Édipo despisse Jocasta e nela tocasse como mulher, não como mãe – de suma, inevitável.
Já o inevitável, através de mil milênios de narrativas humanas ou tragédias ocidentais, haverá sempre de acontecer. Cedo ou tarde. De forma óbvia ou não. Aos olhos dos mais atentos ou não; sepultada e omissa dos olhares mais críticos, analíticos e severos, aqueles tão justos nos erros certificados ou tão justos nas razões mais indomáveis, idôneas e aparentemente irracionais, ou não. Que tais olhos justos, nestas ágoras de deleite, volúpia, raiva e parcialidade se façam, mas que haja, ainda neles, olhos justos de criticidade certeira e de clareza para enxergarem que tais verdades eram, sim, de todo verdadeiras – ainda que tardiamente reveladas, ocultadas ou admitidas.
Nem mesmo o mais belo Portador da Luz e dos caídos, hoje, é sentenciado por inteiro crime diante dos mais críticos olhares. E que assim seja contigo, ó seta certeira de atrapalhado Eros de março. Se isto agora te soa como piada em risada resignada com calmo balançar de cabeça ou com dar de ombros cheio de paz (pois alguns crimes, aos pés das claras revelações, aí dentro finalmente foram perdoados), já agora pouco importa e pouco corrói. O que há de ser dito, que seja dito, uma pequena justiça em meio aos crimes de todos os lados – mais uma e desta vez, tardia. Pois não foste tu, no fim, um louco desvairado, mas a flecha que acertou dois cernes faceiros, fugidios e frívolos para reveladas verdades.  Não foste tu, no fim, a seta ocasionalmente culpada, mas o catalisador desengonçado que trouxe à lume a tragédia, naqueles tempos bem-dita, e a profecia, nestes tempos bem-feita.





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