Este é o esboço de uma cena. Uma dúzia maldita de bêbados
espalhados pelo salão, barrigudos fedorentos foragidos da justiça devido a pensões
atrasadas. Eles bebem e apostam sinuca, não fazem barulho pois ainda mantêm o
cavalheirismo: a mulher no palco está tocando. Ela tem cabelos castanhos oleosos,
emaranhados, mais por desleixo que por estilo – e tudo bem. Ela arranha na
guitarra um solo melancólico, acordes tristes de uma canção há muito escrita
por algum homem de preto. Os olhos dela caem até o chão, de lá não conseguem
levantar e ali parecem de acordo num nível adequado de áurea. É pela música?
Aqueles homens, todos aqueles velhos bêbados, não saberiam dizer nem se
houvessem passeado pela superfície do questionamento – e tudo bem. O solo
melancólico continua: aqueles olhos caídos, aquela voz sonolenta enrolando-se
na letra da música como dois amantes abusivos e desvairados prestes a se matar
depois do primeiro orgasmo. A quem pertencerá? Ninguém sabe – e tudo bem. A
mulher continua com o solo que faz um barrigudo errar a bola 7. O outro barrigudo, o barrigudo-adversário,
se posiciona e encaçapa a 6, a 2 e então a 8. Fim de jogo. A música fez isso, a música da mulher com os olhos no chão, com olheiras em volta deles, com a pele tísica, com o filho frio, silencioso e envolto por um caranguejo dentro de um
túmulo, e tão brevemente ela mesma presa ao balançar de uma corda – talvez esta seja
a última canção da noite e a última de sua vida. A mulher se chama Lira, tal o
instrumento que Hermes deu a Febo Apolo para conciliar aquela confusão com os
bois e que no fim em nada deu – e tudo bem.
O solo continua.
A mulher que se chama Lira canta.
Os homens fazem silêncio.
“Love is a burning thing
And it makes a firery ring
Bound by wild desire
I feel in to a ring of fire”
E a cena termina aqui.
Pois assim são os esboços.
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