Perguntaram sobre você na padaria. Às
sete e meia da manhã. O seu Dirceu perguntou, veio-me com um sorriso, um
cumprimento, perguntou o que eu queria e enfim enfiou você no assunto. “Ela está bem”, eu disse, “ela está muito bem, a propósito”, ele
sorriu, agradeceu e se despediu, mas pouco notou o fato de eu ter comprado
quatro pães naquela manhã, ao invés de seis – os seis habituais, de todas as
manhãs, os seis pães com café quente e seu achocolatado gelado. Saí dali e
passei pela vizinha que você chamava de sua avó, porque “ela lembra a minha avó, amor”, você dizia. Ela me cumprimentou com
um bom dia, perguntou como eu estava e perguntou por você. “Ela está bem”, eu disse, “ela
está muito bem, a propósito”, respondi com um largo sorriso sem brilho, ela
assentiu e voltou a atenção ao filho que saía para mais um dia de trabalho em
seu carro. Cruzei outras três casas, duas pessoas e mais duas perguntas. Todos
perguntaram por você, de novo, a dona Ângela perguntou sobre como você ia em
sua oficina de arte, quantos quadros e pinturas já havia feito e em que
momento pintaria as flores do jardim de quintal dela. “Assim que você chamá-la, não acho que vá demorar agora”, respondi,
outro sorriso sem brilho e acenei. Aí entrei em casa e abri portas e janelas,
deixei a luz entrar e sentei à mesa. Pus o café na xícara, cortei o pão, passei
a manteiga que vinha me acostumando a comer diariamente (porque você odeia
margarina), respirei fundo e dei início ao café matinal. Ao fundo, na sala, a
televisão anunciava as notícias do dia, a crescente desvalorização de qualquer
moeda na Ibovespa e qualquer caso alarmante de assalto. O café quente desceu
pela minha garganta. Mastiguei o pão. O celular ao meu lado tocou. Era uma
mensagem. A pessoa me desejava bom dia e perguntou sobre como eu havia
acordado, onde você estava e como eu me sentia com tudo isso. Tudo isso. Pensei em responder, mas o
que eu diria? Não aguentava mais contar mentiras, não em tão pouco tempo, não
aguentava mais aquele papo sobre eu estar “bem”. Eu não estava, porque só havia
quatro pães na mesa, não seis.
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