O senhor Muckie-Duckie tinha imensas
olheiras sob os olhos. Aqueles olhos que já não eram naturalmente tão
expressivos, muito menos vivos, não possuíam lá tanta vivacidade, e agora tinham olheiras imensas, monstruosas,
do tamanho de devoradores de planetas. Pobre senhor Muckie-Duckie, diziam as
boas línguas. Ele que um dia fora bem sucedido em seu ramo honesto e modesto de
levar a vida, logo ele, o senhor Muckie-Duckie, que acordava cedo todas as
manhãs depois de oito horas e meia de sono, ia à padaria, assistia aos jornais
e documentários sobre a formação do universo no canal fechado. Pobre senhor Muckie-Duckie, diziam
igualmente as más línguas: logo ele, tão sujo e cheio de si, ostentador de
universos femininos em sua cama, em seus meios, em seus dedos, em seu ofício. Agora,
tanto tempo depois daquela época tão duradoura de sucessos e sorrisos, agora
limitava-se a um torcer de beiços, um arquear mofino de sobrancelhas que quase
não existia, um dobrar de pés de galinha em volta dos olhos tão escuros,
jovens, porém idosos, e, claro, repleto daquelas olheiras agressivas.
Pobre senhor Muckie-Duckie. Pela
tentativa de um feito nobre, caiu em desgraças e equívocos, pintou o negro
quando quis pintar o branco, tocou uma estridente nota aguda quando quis
suavizar uma melodia grave, calma, tranquila e bondosa. “A maldade, sr.
Muckie-Duckie”, diriam as boas e más línguas, “está em não fazer o que se
deseja”, e foi tudo o que o pobre e velho senhor Muckie-Duckie andou fazendo
com aquelas pesadas olheiras. Largou a padaria pela manhã, largou os
documentários de como nascem as estrelas – talvez, agora, irônica e
literalmente, para “como morrem os
planetas” -, deixou até de caminhar pelo sol poente com as ideias do
ofício, esquecendo-se do trabalho, das memórias, e de tudo o mais que o fazia
ser o velho senhor Muckie-Duckie de sempre.
Em uma terça-feira qualquer, um de
seus vizinhos, aquele pirralhinho filho da Marta e do Jurandir, vai chutar uma
bola no jardim do senhor Muckie-Duckie. O senhor Muckie-Duckie gritará um
palavrão, tomará uma tesoura entre os dedos e fará o serviço que o ânimo o
ordenou. Pobre menininho, vai chorar e reclamar com os pais. Marta vai
abraçá-lo e xingar o algoz. Jurandir vai no máximo baixar os olhos e fingir que
nada aconteceu.
Jurandir sabe que a culpa não é do
senhor Muckie-Duckie.
São aquelas olheiras – malditas olheiras.
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