2 de julho de 2016

Logo ela





Eu tenho de aceitar, pelas leis naturais da vida, que tudo um dia morre.
Logo ela, que esteve tão presente em cada perspectiva minha de planos, expectativas ou sonhos, agora me assola da maneira que menos imaginei. Logo ela: essa morte tão eminente, voraz e inevitável, que agarrou-se em cada ato, desato, em cada palavra dita e sobretudo as não ditas. Impregnou-se nos abraços e infestou-se nos beijos meramente beijados. Logo ela, essa morte tão profetizada que não me deu horas para o preparo, nem segundos para a antecipação necessária; logo ela que veio antes do aviso, veio sem aviso, apressada com décadas de adiantamento.  Essa morte que contrariando as expectativas do público, não partiu de mim – pois está aqui o meu complexo de Cassandra, está exatamente aqui a minha inicial e milenar consciência de que a morte me aplacaria vindo de fora e não de dentro, pois seria eu aquele jogado na cova, e não aquele que joga. Vindo de fora, partindo do outro lado da margem e daquele peito atrelado às confusões de braços e pernas sobre a cama, através de beijos frívolos, mordiscadas no lábio inferior ou um olhar enviesado de desconcerto, eu sempre soube que um dia a morte chegaria, só não imaginava que tão cedo, só não imaginava logo quando eu finalmente vinha me encaixando.
Porém a morte é tão culpada por matar quanto a lesma por existir, e de todas as causas pertinentes, eu estive em quase todas elas – mas para o bem da prosa e da vã poesia, pelo bem de todos os envolvidos, é melhor dizer que “estive em todas”, com absoluta precisão. Pois fui eu que a causei e por ela implorei: nas letras brincadas, nas melodias desprezadas, nos elogios não feitos e consequentemente em todos aqueles esporádicos cavalheiros que o fizeram por mim incessantemente ao longo de uma vida inteira em que permaneci calado, imóvel, indiferente. Por todos ou os poucos cavalheiros que o fizeram e conseguiram, alcançaram o pódio, conquistaram a glória. Pela aproximação dessa morte eu aceito a culpa, não de forma dramática, melódica ou vitimista, apenas a aceito com estranha consciência que vez ou outra possui seus picos de escárnio, ódio e cólera. 
Como bem disse Hank Moody:

Estou aceitando culpa por tudo. Vulcões, terremotos, derramamentos de petróleo, esteroides, músicas de rap. É tudo minha culpa”.

Toda minha, mesmo sabendo que cada ato que me trouxe até aqui, no final, ora, cedo ou tarde me traria até aqui. A única peça consciente que faltou nessa estranha consciência foi a ponderação da dor, do descontrole e da perda das capacidades de maturidade, pois não há sabedoria que o prepare para a troca, não há filosofia que o faça aguardar, de fato, a tão lamentável morte.
E se morremos desde já ou desde sempre, isso sempre foi minha culpa.
Minha e de mais ninguém.



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