Finalmente eu posso entendê-lo,
quando todo esse fluxo estranho escorre pelas minhas veias. Não que eu tenha
sido o mais altivo dos homens, nunca o mais vencedor, nem de longe o mais
perseverante e vitorioso, mas aqui, no meu trono magistral da solidão, eu finalmente
posso entendê-lo.
É um poder inegável onde ninguém
jamais haverá de me alcançar - por mais imundo que eu seja, por mais que
técnicas bem refinadas me faltem. Eu finalmente posso entendê-lo, essa dádiva
interna, o mover de dedos para criar mundos, desejos, amores e ódio, a raiva e
a revolta, o ímpeto ordinário, a magnânima singularidade do bobo e do clichê, a
ridicularização secular e o fruto noviço, a epifania titânica - tudo mera e
imperceptivelmente resumido nesse Calendário Cósmico em que somos um instante
na dobra da criação, uma virada de ponteiro no último segundo e minuto da hora
final, no imenso e desconhecido passo para a nova era do amanhã. Sim, eu
finalmente posso entendê-lo. Dando vida a criaturas inumanas e concedendo a
morte a deuses indestrutíveis e outrora imortais. Aqui, nesse trono magistral
da solidão, eu tudo posso por um breve momento de silêncio e plenitude. Sem
canonizações, sem cultos, sem admiradores, sem memórias ecoando por futuros
distantes – não. Tudo em um só momento, em um só instante, em um único sopro de
vida - eu posso entendê-lo.
Eu posso ser Ele.
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