6 de setembro de 2014

Deus



Finalmente eu posso entendê-lo, quando todo esse fluxo estranho escorre pelas minhas veias. Não que eu tenha sido o mais altivo dos homens, nunca o mais vencedor, nem de longe o mais perseverante e vitorioso, mas aqui, no meu trono magistral da solidão, eu finalmente posso entendê-lo.
É um poder inegável onde ninguém jamais haverá de me alcançar - por mais imundo que eu seja, por mais que técnicas bem refinadas me faltem. Eu finalmente posso entendê-lo, essa dádiva interna, o mover de dedos para criar mundos, desejos, amores e ódio, a raiva e a revolta, o ímpeto ordinário, a magnânima singularidade do bobo e do clichê, a ridicularização secular e o fruto noviço, a epifania titânica - tudo mera e imperceptivelmente resumido nesse Calendário Cósmico em que somos um instante na dobra da criação, uma virada de ponteiro no último segundo e minuto da hora final, no imenso e desconhecido passo para a nova era do amanhã. Sim, eu finalmente posso entendê-lo. Dando vida a criaturas inumanas e concedendo a morte a deuses indestrutíveis e outrora imortais. Aqui, nesse trono magistral da solidão, eu tudo posso por um breve momento de silêncio e plenitude. Sem canonizações, sem cultos, sem admiradores, sem memórias ecoando por futuros distantes – não. Tudo em um só momento, em um só instante, em um único sopro de vida - eu posso entendê-lo.
Eu posso ser Ele.


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