24 de setembro de 2014

Prédio verde



Eu é que nunca mais piso aí”, ele pensou.
Passou por debaixo daquele túnel de imensas e centenárias mangueiras com os pingos de chuva precipitando-se sobre telhados, galhos, numerosas folhas e seus próprios ombros. Foi aí que parou, absorto por memórias agora distantes dele por tantos anos que quase haviam se tornado pó no depósito de sua mente - quase. Alguém passou por ele com pressa, tentando fugir da chuva que se anunciava logo após o calor de mil graus que fizera na cidade, e agora, com o vento forte e o céu escuro, a avenida inteira se agasalhava como um cachorro amedrontado. Menos ele, ele não, ele ficou ali. Parado, quieto, com punhos cerrados e relembrando um par de olhos verdes que deixou escapar e um abraço ou outro que deveria ter se arriscado com mais coragem. Sabia, no entanto, que era quase sádico cobrar de um menino as atitudes de um homem, bem como todas as respostas que hoje tinha e que há tantos anos o faltavam. “Lugarzinho miserável de pessoas miseráveis, todos uns cagões, eu não ponho meus pés aí nunca mais”. Então um trovão estremeceu o céu e apressou os pingos de chuva, ele puxou um papel do bolso e encarou uma lista com seis itens – com exceção do último, todos estavam riscados.
Documentação do caralho.
Respirou fundo e atravessou a avenida. Malditos fossem todos os deuses e condutores do destino, ele praguejou, e antes que a chuva caísse, entrou no prédio verde – nem todo dia conseguia manter as próprias promessas.  


Nenhum comentário:

Postar um comentário