2 de dezembro de 2016

É Novembro outra vez



Hoje é o dia da Super Lua, eles dizem.
Mas estou parado na calçada, são mais de cinco horas da tarde e o novo supermercado do bairro está diante de mim, do outro lado da rua, vermelho e belo e atrativo e impiedoso e imponente como um milenar dragão chinês. Ao lado dele há um canal: imundo e pastoso, deprimente e solitário. A água está suja e ele está fluindo, cuspindo dos imensos dutos tudo o que nas casas foi consumido, digerido e expelido. Na rua que segue o canal, há um conjunto habitacional com uma sequência de quatro ou cinco prédios, empilhados no solo como dominós prestes a serem empurrados por dedos gigantes. A faixada dos prédios não é algo tão admirável, nem suas laterais, nem seus fundos, pois as paredes estão consumidas pelo tempo, pela chuva, pelo vento, pelo calor intenso e pelo descaso administrativo-habitacional. Toalhas e camisas e bermudas e meias e cuecas e calcinhas balançam-se nas grades como velhas amantes dando um último adeus aos seus maridos que partem num pobre Titanic. No topo dos prédios ou presos às próprias laterais, centenas de antenas improvisadas de tv a cabo afloram como os braços de capins em uma relva esquecida. O cenário é dos mais desprezíveis, não em termos de repulsa, mas em termos de banalidade. Eis alguns elementos que estiveram ali por tempo demais e ninguém sequer reparou. Eis a banalidade esquecida e invisível que esconde o algo belo nisso, algo belo que igualmente é em extremo banal, despercebido e ignorado. Por detrás do canal e do conjunto habitacional, há um céu claro e sem nuvens que faz brilhar um Sol magnífico e ofuscante – bem mais do que o dragão vermelho imponente jamais ousaria ofuscar em sua mais ancestral existência.
A Lua vai estar gigantesca hoje, eles dizem, como nunca estará pelas próximas décadas.
Mas ninguém vê, ninguém verdadeiramente enxerga que o Sol está se pondo naquele ponto. O Sol está ali, todo santo dia se pondo naquele exato lugar, precisa posição, sem ângulos a mais, sem ângulos a menos – isso, é claro, até o próximo e inabalável terremoto de escala 8.0 que abalará eixo terrestre, intocáveis vidas e frágeis memórias. O Sol, todas as tardes límpidas e livres de chuvas, está sempre desempenhando o seu glorioso e vívido papel por detrás daquele canal e daqueles prédios. Sempre no mesmo horário. Sempre com o mesmo brilho. Sempre quente. Sempre fervoroso. Sempre fiel. Porém ninguém o nota, não daquele ângulo, pelo menos. Ninguém verdadeiramente tem centrado um par de olhos saudáveis naquela direção e notado quão magnífica e digna é a dantesca obra de tão virtuoso Febo Apolo. Eterno, repetitivo, diário, porém único, mesmo que capturado por uma fração de segundos na câmera fotográfica da memória.
Estou parado na calçada e lá fora todas eles dizem que é a Super Lua hoje, mas é o Sol quem está diante de mim. É possível pensar tanto em tão pouco tempo? É possível pensar tanto em meio ao tempo de um semáforo? Eu amo a noite, eu a beijo com lábios ternos e sinto nela a palpitação da minha alma, mas é ao Sol que venero, é Nele onde cada amor é refletido, é Nele que cada amor corre e sorri em meio a uma manhã de Domingo ou em meio a um copo de cerveja enquanto se põe atrás da silhueta dela em uma tarde no Ver-o-Peso.
É ao Sol que venero, é no Verão que algo aqui pulsa.
É agora que Ele me acolhe e me faz refletir: esse, derradeiramente esse, esse é seu mês mais intenso, quando ninguém está verdadeiramente notando, quando ninguém está verdadeira sentindo.
É novembro outra vez.
Meu particular Periélio.


2 comentários:

  1. Que texto delicado, Felipe! Me perdi tanto nas suas palavras que fui capaz de visualizar o pôr do sol que descreveu. Às vezes fico a pensar nessa mesma coisa, na beleza que a banalidade e o comum escondem e que quase nunca enxergamos por estarmos sempre ocupados apreciando "grandes" fenômenos.
    Beeijo
    http://dementelucidez.blogspot.com.br/

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    1. Exatamente, Jéssica. O grande poeta Manoel de Barros costumava dizer (e representar em seus poemas) que a beleza e a poesia estava nos detalhes. É onde verdadeiramente estão.
      Muito obrigado pela visita! Volte sempre. Beijos! :)

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