22 de novembro de 2016

Ritmo



Eu levanto da cama com os pés descalços. São sete da manhã e ela está dormindo, com o corpo despido de roupas ou lençóis. Ela é dessas que não sente frio, tenho notado. Pela segunda vez dispensou o lençol sempre que ofereço, embora eventualmente acabe acordando aprumada nele e sempre me pede para dormir do lado do ventilador. Ela detesta o lado da parede. Vou ao banheiro e acendo a luz amarelada que sutilmente ilumina o quarto. Tiro a água do joelho. Meu nariz tá meio entupido, dormir de peito pra cima é complicado, mas vale a pena. Ela dormiu aninhada ao meu corpo e eu ao dela. É a nossa segunda vez nessa cama, é a segunda vez que toco esse corpo. Tem sido maravilhosamente esquisito desbravar um novo território, permitir-me farejar um novo aroma e sentir na ponta da língua um novo sabor, um novo suor e um novo arfar. Tem sido maravilhosamente esquisito parar aqui – na minha própria cama – com o ritmo natural da vida, do acaso e do permitir-se. Tem sido maravilhosamente esquisito e novo-de-novo ouvir a risada de alguém, depois o abraço, as centenas de beijos e finalmente o calor da madrugada – exatamente nessa tão respeitosa e serena ordem. Tem sido maravilhosamente esquisito sentir a palpitação da ansiedade, a surpresa do desejo e o guiar-se calmamente instintivo. É quase louvável vê-la deitada ali, tão calma e tão linda, depois de um tempo suficientemente necessário, sem a correria das relações breves, sem a insana necessidade de aplacar dores e vãos desejos. É quase celestial ter conhecido primeiro seus hábitos e velados fetiches antes de tocá-la; é quase celestial já conhecer o ritmo de sua risada, o ritmo de seu beijo e o livro favorito antes de deitá-la nessa cama. Foi celestial, aliás, não tê-la deitado nesta cama de forma banal, passageira e brutal, porque tornou louvável o ato de conhecer seus detalhes e suas minúcias, embora voltemos amanhã, ambos, para nossas vidas sem a promessa de dias de união ou sinas entrelaçadas. Tem sido maravilhosamente esquisito a adaptação a este novo corpo, quase tão pequeno como o meu, porém encaixável, suave e pecaminoso, extremamente ritmado e vigoroso, nunca cansativo e jamais repetitivo. Eu volto do banheiro com todas essas palavras na cabeça, com a pequena e crescente ideia de que vou escrever sobre isso, mas não agora, não amanhã. Talvez semana que vem, quando eu tiver descoberto outro detalhe de seu corpo, outra vontade de seu gemido ou necessidade de mãos, pernas, costas ou ombros. Talvez eu escreva sobre isso o quanto antes, mas consigo guardar estas palavras – por sorte ela aparentemente não atentou para o que com as palavras faço ou onde elas são expostas ao mundo; por sorte eu não a conquistei com meias promessas e falsa galanteria; por sorte ela não vai saber que me inspirou e veio parar em meio as linhas de uma vã e passageira prosa.
Que bom que tudo tem estado num ritmo natural – seja com o corpo dela, seja com o tempo, seja com a minha paz.  



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