As batidas me
salvam de um sonho ruim.
Onde quer que
eu estivesse, havia coelhos andrógenos antropomorfizados com bengas gigantes
invadindo o barco que eu ganhara na loteria e via a loirinha que amo se enrolar
nos braços de outra garota. Agradeci pelas batidas. Malditos sonhos intensos.
Eu levanto.
Meu sono é pesado e se as batidas estavam fortes e me acordaram, então quem
quer que fosse o pobre coitado, estava ali há horas.
Desço as
escadas.
Olho o
celular.
São quase duas
da tarde.
- Já vai.
BAM BAM BAM
BAM PAW PAW PAW.
- Já vai.
BAM PAW POW
BAM POW POW POW BAM.
- JÁ VAAI.
Escondo as
garrafas de catuaba no balde de lixo, puxo as embalagens de macarrão
instantâneo do fundo para cima e encapo a prova do crime melhor do que encaparia
outras coisas.
BAM BAM BAM
BAM POW POW BAM POW POW POW BAM.
- Já to indo,
eu juro!
Abro a porta,
mas não muito. Estou só de cueca e você não liga para pijamas ou casas
arrumadas quando tem vinte e três e não liga de andar livremente por salas,
quartos, cozinhas e ficar no banheiro por horas misturando lágrimas ao som de
Elton John.
Você não liga
para porra nenhuma.
- Ele não tô.
– Enfio a cara inchada entre uma fresta e me escondo atrás da porta.
- Porra,
Felipe, eu quase desisto.
- Que bom que
tu não és eu. – Abro os olhos e reclamo da claridade. Esfrego os olhos. Abro os
olhos. Eles não abrem.
Mesmo batendo
há horas, Paola está sorrindo aquele sorriso de dentes brancos, gigantes e me encarando
com aqueles olhinhos indígenas, quase tão fechados quanto os meus – porém de
forma linda.
- Eu trouxe
comida. – Ela levanta uma sacolinha da Yamada.
- Ainda fazem
sacolas da Yamada?
- Ahhh...
tecnicamente a Yamada ainda não fechou. Abre logo, Felipe.
- Ahhh...
tecnicamente eu to de cueca, deixa eu colocar uma roup...
- Frescura, é
só abrir. Abre.
- Tá, tá.
Faço um ágil e
rápido esforço para ninguém passar e me ver de cueca. Ela entra e me dá um
abraço, Paola diz que
- Tu tá suado
mas até teu suor é cheiroso, filho da puta.
- Obrigado, obrigado.
E Paola me
abraça mais forte e joga a sacola da Yamada que eu não sabia que ainda
produziam em cima do balcão. Paola tem aquelas lindas pernas magras e compridas
que dão a ela uns dez ou mil centímetros a mais que eu, que fazem-na beijar
minha testa sem dificuldades e que fazem-na encaixar meu corpo no dela sem a
menor restrição corporal, física ou moral.
Ela ajeita
meus cabelos que estão amassados para o lado errado e até as remelas do meu
olho ousa limpar, mas aí faz careta e diz que
- Não vai
acostumando com isso.
E eu digo:
- Sim,
senhora.
Paola continua
sorrindo. Paola é aquele tipo de mulher que você nunca imagina que o admira ou
que irá à sua casa com sacolinhas da Yamada e com o coração cheio de carinho. Paola
é aquele tipo de mulher que sai por aí lutando contra governos golpistas e sai
por aí conquistando corações e se engraçando com mais mulheres que seus
personagens mentirosos e galanteadores conseguiram, juntos, ao menos encostar. Paola
até estuda as mesmas Letras que você, Paola até chora as mesmas lágrimas que
você e até demoniza os mesmos vilões que você. Paola é aquele mulherão da porra.
Você não acredita, mas Paola está ali.
Ela continua
com aquele sorrisão enorme de dentes brancos e aqueles tracinhos indígenas e
aquele corpo magro e esbelto de seios que cabem perfeitamente entre o afagar
dos meus lábios. Paola diz que gosta disso.
Eu também
gosto.
- Vou tomar um
banho e a gente almoça, me espera rapidinho?
- Porra,
Felipe. Não.
- Não?
- Não.
- É rapidinho,
só pra tirar a remela da car...
- Não. – Paola
se enrosca em mim e sorri, mas aqueles dentes brancos somem porque agora Paola
me dá um sorrisinho diferente e, mesmo eu sendo lento, lerdo e atrapalhado, consigo
decifrar. – Não espero. Eu vou contigo.
Eu sorrio e
tudo o que consigo dizer é:
- Sim,
senhora.
Paola sobe
comigo.
São quase duas
da tarde e o calor de Belém agora é propício.
Paola continua
a sorrir com aquele sorrisão de dentes brancos e traços indígenas.
Paola é a
coisa mais linda que vi esta semana, Paola é a coisa mais linda que ouso tocar
em muito tempo.
Outro dia, Paola
me pediu um texto.
Esse texto é
pra Paola.
Nenhum comentário:
Postar um comentário