7 de setembro de 2018

Marcha amarela





Os dias são um acúmulo de tanto faz.
Um tanto faz
fazendo barulho,
urrando nestes quartos apertados.

Lá fora,
uma legião tingida,
fingida de amarelo.

Desalmada,
desfila nas ruas
com seus cantos de marcha
sobre nossa geração desarmada.

Cavalgam perigosas baleias azuis,
mas não as expulsam.
Caçam-nas como capitão Ahab
em nome do orgulho,
da imagem e da glória
– pois só assim do povo obterão clamor.

Não sobem nos prédios,
não rompem os quartos,
não mergulham nos escombros
por resgate.

Cantam mais alto que os gritos mudos,
pois a tarefa é o regozijo:
é mais embelezadora que receber os apelos
com a atenção de nossos braços.

Aqui fora, nas ruas,
vejo todos vocês,
soldados amarelos:
marchando,
marchando,
marchando.

Empenhados
com tão belos discursos
recitados
nos palanques.

E nestes prédios,
nestes quartos,
nestas hastes transversais no umbral das portas,
nos cintos apertados
e nas cartelas esvaziadas,
não vejo nenhuma ajuda.
Não vejo nenhum soldado.

Não vejo os meus comparsas,
não vejo os meus colegas,
não vejo as mãos macias que me juraram amor.
Não vejo os gurus bêbados regando misericórdia.

Não vejo tropa alguma no escuro das noites letradas.
Não encontro a ajuda antes escrita nas dedicatórias de Cecília,
de Shakespeare,
de Drummond ou de Camões.

Eu
não
vejo
esse
DEUS
nem
seus
sacerdotes
da igreja
da empatia.

Não há muitas tentativas por aqui,
a não ser esse
canto
desfilado
superficial
destilado
e inútil:

Marchando,

marchando,

marchando...



(Felipe Santiago)

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